Ermitanices – II

Fantasmas

Vivemos a era do esgotamento dos conteúdos.

Precipitamos no mundo dos simulacros. Já não importa, não me importo.

As essências estão reservadas para o compartimento místico que se aninha num relicário mitológico escondido atrás das telas hipercoloridas do tv a plasma.

Às vezes a realidade ressurge, inesperada, como a doença que ferroa ou o sexo que desperta a pulsão em ondas dionisíacas de calor e esgotamento.

Resta-nos a angústia existencial, que irrompe qual uma estrela negra que vacila e esboroa-se sobre si mesma.

Ainda seus heterônimos

o barro
toma a forma
que você quiser

você nem sabe
estar fazendo apenas
o que o barro quer. (Leminski)

A genialidade de Leminski supera os lugares comuns, aborrece a mediocridade! Lembrei-me de você, querida, quando relemos o poema de Vicente Huidobro naquele café memorável. Ele estava nas coisas – nas árvores, nas pedras… estava já em nós, no abismo que se faz de nossa cumplicidade.

Reclamam a linguagem do poeta para expressarem-se; o escriba a deles para manifestá-las. Eis um grande equívoco – “atroz equívoco”! – adverte o poeta. “Es doloroso y lleno de ternura” o deixar-se transformar na ausência absoluta de linguagem e de sentido. Há que se guardar silêncio; esperar em silêncio.

Meu querido, quantos modos de presença experimentamos nesta jornada pela Terra dos Homens? Acordamos o timo com a nota perfeita; despertamos a agulha sensível que acusa a presença de memórias arcaicas. Vivemos em nós, tingidos do pó essencial, enovelados numa trama inexpugnável – manto sagrado das estrelas que guarda o mistério de nossas vidas. Não me explico. Não se explique. Nada do que é certo entre nós reclama um ai. No silêncio somos como as pedras e as árvores de Huidobro.

“Es doloroso y lleno de ternura”!

Huidobro

Yo estoy ausente pero en el fondo de esta ausencia
Hay la espera de mí mismo
Y esta espera es otro modo de presencia
La espera de mi retorno
Yo estoy en otros objetos
Ando en viaje dando un poco de mi vida
A ciertos árboles y a ciertas piedras
Que me han esperado muchos años
Se cansaron de esperarme y se sentaron

Yo no estoy y estoy
Estoy ausente y estoy presente en estado de espera
Ellos querrían mi lenguaje para expresarse
Y yo querría el de ellos para expresarlos
He aquí el equívoco el atroz equívoco

Angustioso lamentable
Me voy adentrando en estas plantas
Voy dejando mis ropas
Se me van cayendo las carnes
Y mi esqueleto se va revistiendo de cortezas
Me estoy haciendo árbol Cuántas cosas me he ido convirtiendo en
[otras cosas…
Es doloroso y lleno de ternura

Podría dar un grito pero se espantaría la transubstanciación
Hay que guardar silencio Esperar en silencio

Deixe uma resposta