Regularização Fundiária X Criatividade do Brasileiro – quem perderá?


Até onde nossos esforços em regularizar os imóveis poderão acabar com a criatividade do brasileiro em criar mais problemas para nossas cidades? Até onde irá o direito do proprietário de fazer o que quer com sua propriedade? Até onde os Planos Diretores Municipais, feitos na correria por conta do prazo exíguo, poderão inventar formas de regularizar estas aberrações jurídicas apenas sob o manto de que quem faz errado paga uma taxa para a PM e fica tudo certo?

Estas perguntas e indignações me vieram à mente ao ler o Jornal O Globo do dia 20/4 (disponível em http://ademi.webtexto.com.br/article.php3?id_article=14460), segundo a qual existe no bairro da Gávea, Rio, um puxadinho duplex sem licença.

Consta da matéria jornalística que o prédio é de classe média, mas o puxadinho lembra aqueles feitos em favelas, sem muito cuidado com a aparência e a legalidade, e foi construído nos fundos do último andar do edifício. Quem passa pela rua de trás consegue ver os dois andares erguidos acima do sétimo andar, com janelas em tamanhos diferentes e acabamento que destoa do restante do prédio.

Pelos preceitos da Legislação Federal (Lei 4.591/64) essa situação é quase impossível de ser regularizada, pois além da necessida de se obter licença da PM, ainda teria de conseguir autorização de 100% dos condôminos, regularizar no INSS e, finalmente, retificar a especificação de condomínio no Registro de Imóveis.

Contudo, o nobre vereador Luiz Guaraná (PSDB), presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara, lembra que um projeto do Executivo, aguardando votação, prevê a legalização de construções irregulares mediante pagamento à prefeitura do que é denominado de “mais-valia”.

Os passos que efetivamente garantirão a regularidade plena da propriedade sequer foram ventilados…

Será “mais-valia” para os cofres públicos ou será “menos-valia” para legislação pátria que mais uma vez é brutalmente rasgada pela população e porcamente emendada pelos nossos legisladores?

Esse projeto, que institui um mecanismo chamado de mais-valia, está sendo, segundo a reportagem, muito criticado. O próprio Ministério Público do Rio de Janeiro mandou carta aos vereadores para que não votem o projeto, por consideraram que ele poderia degradar ainda mais a cidade. Além de ser inconstitucional…

Esta mais-valia ainda pode ser brecada. Já existe, apesar de contestada (pois o prefeito Cesar Maia arguiu a sua inconstitucionalidade), a Lei Municipal nº 4.176/2005, que mudou os parâmetros para a construção de coberturas no Jardim Oceânico (Barra) e no Recreio – o que beneficia os proprietários de coberturas em situação irregulares, que podem legalizar os imóveis caso estejam de acordo com os novos parâmetros.

Será que a lei prevê que esta regularização, para ser efetivada junto a PMRJ, deve, antes, passar pelo crivo dos condôminos mediante assembléia onde 100% dos moradores devem autorizar a regularização? Será que prevê que o alvará/certificado que regulariza o “puxadinho” deve ter um prazo para apresentação junto ao Registro de Imóveis, juntamente com toda a documentação que permita retificar a instituição de condomínio/convenção? Além, é claro, da necessidade de registro de 100% dos títulos dos proprietários que votaram a favor da regularização.

Tenho aimpressão de que esses aspecxtos não foram levados em consideração. Com certeza não, pois se fossem pensar bem a Lei não saíra do papel.

Se não pensam assim, como fica o direito de propriedade? Como fica a publicidade dada pelo Registro de Imóveis se a situação fática do imóvel é totalmente diferente? Que garantia está o Registro de Imóveis a dar se a situação fática desrespeita várias leis e princípios que norteiam a atividade registral e, por conseguinte, garantem segurança jurídica à sociedade? Como fará o registrador para executar as suas funções de fomentar a paz social e oferecer segurança jurídica aos negócios imobiliários?

Se no começo estava com algumas dúvidas, agora confesso: tenho-as todas! E para ficar mais indignado ainda, lembro-me de expressões populares que dizem mais ou menos o seguinte:

O que precisamos é conhecer antecipadamente estes problemas e definir uma solução institucionalizada, acompanhando o legislativo (nas suas 3 esferas) para evitar que maluquices como estas vinguem (nem que para isso tenhamos de nos fazer representar por candidato próprio).

Finalmente, deveríamos pensar numa forma de colocar cadeiras de direito imobiliário nos cursos superiores que formem profissionais que tenham ligação direta ou indireta com a propriedade imobiliária, como forma de aprenderem seus ofícios conhecendo a parte final de todos os processos que digam respeito à propriedade imobiliária, podendo, assim, elaborar projetos que prevejam a fase do registro e sejam, portanto, viáveis desde o início da elaboração.

Pode demorar, pode ser difícil, mas, com fé em Deus e com muito trabalho das pessoas que já estão engajadas nplantio dessa semente, chegará o dia que todos os envolvidos nos projetos habitacionais falarão a língua dos registradores, estando a sociedade, assim, finalmente coberta pelo manto da segurança jurídica.

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