Pero Vaz caminha ao limbo

Rompendo com a sua história, Portugal entrega o Tabelionato à uma triste sina, se o Brasil fosse descoberto nos dias presentes, Pero Vaz de Caminha teria sido lançado ao mar, e a literatura não conheceria jamais A Carta a El Rei D. Manuel.

Marco Bortz

Salta aos olhos a aflitiva situação do notariado português, cujas previsíveis conseqüências haverão de sofrer, com maior pesar, os cidadãos, que ficarão expostos a verdadeiro caos institucional.

Às relações sociais já não se atribuem mais o título de complexas, mas fala-se em hipercomplexidade. Cuja gênese, curiosamente, encontra-se no próprio Estado.

Mas, como sói, há que se encontrar um culpado, um vilão, alguém para apontar o dedo e dizer-se: eis o responsável, levemo-lo ao cadafalço.

E o escolhido foi o tabelião.

O Estado cria regras e mais regras que se cruzam e entrecruzam na malha complexa das relações sociais, entre pessoas e pessoas, pessoas e órgãos, órgãos e órgãos… exigências, documentos, requerimentos, comprovantes, impostos, alvarás, certidões, boletos, panfletos, passaportes, vistos, chouriços etc. e tal…

Como não bastasse o pacote nacional de regramento, une-se a este uma plêiade de normas, vinda da recém-chegada União Européia. Regras sobre regras e mais regras…

A solução histórica e funcional para dar segurança e cumprimento a essa avalanche de exigências formais, foi a interposição de um profissional habilitado (o tabelião) e conhecedor da elaboração e produção de instrumentos, que, ao alcançar cada qual o seu destino, despidos de jaça, pudessem lograr êxito na produção dos efeitos desejados.

Há mais, esse tabelião é portador, ainda, de uma qualidade extraordinária, a fé pública, que pelo seu caráter processual, a inversão do ônus da prova, aliado à autenticidade dos atos e à idoneidade do notário, confere ao tráfico jurídico a segurança necessária e maior celeridade nos procedimentos.

Abdicar dessa intermediação é submeter o cidadão à produção de instrumentos e documentos defectivos que virão a emperrar os organismos públicos e privados, atulhando na ponta da cadeia, por conseqüência, o judiciário.

E o custo adicional por todo esse atraso, a quem incumbirá? Restará ao contribuinte sem sombra de dúvidas.

Belo presente El Rei acaba por oferecer a seus súditos. Quando se der conta do estrago, quem será o novo culpado? O Conservador que terá que fazer mil exigências adicionais? O contribuinte que não consegue sequer elaborar um estatuto social de uma sociedade anônima perfeito? O estelionatário a quem se deixou a passagem livre? O Judiciário que não conseguirá dar vazão ao volume de demandas? Ou o getas da ponte, como se diz em Penela?

«E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi… E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida», assim encerraria esta breve nota o primeiro Tabelião português a pisar nessas bandas d’além mar, Pero Vaz de Caminha (in A Carta a El Rei D. Manuel).

O fiel súdito de El Rei jamais, em seus piores pesadelos, imaginaria que Sua Alteza, em tempos vindouros, sem remorso e desvelo, faria da pena do ditoso notário, a pena de degredo.

6 comentários sobre “Pero Vaz caminha ao limbo

  1. Tão triste é o degredo do notário português, que em breve as últimas referências que veremos fazerem-lhe serão aquelas bizarras menções dos anúncios de detergentes «XPTO lava mais limpo: certificado por notário». E então, em vez de cartórios, teremos banquinhas nos supermercados, assim contentando, por certo, os senhores do poder.

  2. Prezada Dra. Sandra.

    Enviei um e-mail ao Excelentíssimo Ministro da Justiça de Portugal, com o seguinte teor:

    «É POSSÍVEL CRIAR UMA SOCIEDADE SEM ESCRITURA PÚBLICA?

    Excelentíssimo Ministro da Justiça

    Causa verdadeira perplexidade a utilização de uma chamada publicística tão preconceituosa quanto inverídica. À evidência não é a escritura pública a criadora da burocracia estatal. O sofisma salta aos olhos e atribui uma capitis diminutio ao profissional que, dignamente, vem auxiliando a sociedade e o Estado na prevenção de litígios.

    A primeira esquadra portuguesa a singrar os mares brasileiros trouxe consigo um notário, Pero Vaz de Caminha, que por meio da Carta a D. Manuel, primeiro instrumento notarial lavrado no Brasil, informou à El Rei sobre as novas terras descobertas.

    É lamentável concluir que se o Brasil fosse descoberto em dias presentes, Pero Vaz de Caminha seria jogado ao mar.

    O tabelião atua na prevenção de litígios contribuindo com a redução dos atos defectivos que atulham as Conservatórias e os Tribunais. Lançar mão de sua atuação significa um retrocesso.

    Reclamam, ainda, o grupo dos 121, que não conseguem acesso a Vossa Excelência, e seu clamor já atravessou o Atlântico…

    Espero que o Governo Português tenha ao menos respeito pelo profissional notarial, que ao longo dos tempos vem prestando inestimáveis serviços a El Rei.

    A publicidade discriminatória à escritura pública choca os profissionais do direito que com sacrifícios contribuem para a pacificação social e prevenção de litígios.

    Aguardamos melhores e mais respeitáveis dias.

    Marco Antonio Greco Bortz
    Tabelião de Notas de Mirandópolis/SP – Brasil
    marcobortz@gmail.com
    Rua Gentil Moreira, 235, centro
    16800-000 Mirandópolis SP»

    É chocante o desdém com que o Ministério da Justiça trata os dedicados profissionais do direito que contribuem com a sociedade.

  3. Prezado Doutor Marco:
    Confesso minha perplexidade face a seu gentil acto, que demonstrou talvez a maior atenção que os 121 conseguiram desde o início de sua saga! Meu sincero agradecimento, em nome de todos nós, por seu interesse (mais do que isso, por seu interesse ACTUANTE!). Não sei se o senhor do Ministro da Justiça efectivamente lê as mensagens que «do terreno» lhe endereçam mas, em caso afirmativo, nenhuma poderia ser mais explícita e melhor defensora do que a sua. Bem haja.

  4. Prezada Doutora Sandra.

    Gostaria de ter uma visão mais otimista ainda a respeito do Sr. Ministro. Mas a realidade é que não tenho, dada a sua conduta até aqui. Mas não é por isso que devemos esmorecer…

    Trabalhando no Registro Civil (Conservatórias de Registro Civil em Portugal) passei por uma situação aflitiva e mui semelhante à do notariado português nos presentes dias.

    Para não alongar a história, os atos de registro de nascimento e óbito, juntamente com suas primeiras certidões passaram a ser gratuitos, sem qualquer reembolso ao oficial do RC (conservador), o governo brasileiro passou a fazer cortezia com o chapéu alheio.

    Mas a luta da classe superou os obstáculos, com a união de todos (tabeliães de notas, registradores de imóveis etc.) e foi formado um fundo de reembolso, a partir das outras naturezas para reembolsar o serviço dos nossos registradores civis.

    Tudo isso levou três anos indescritíveis. Mas vencemos…

    Como já disse, não sei se tenho maiores esperanças a oferecer quanto ao Sr. Ministro ler, e, mais ainda, a colher minha tese. Mas, na distância que estou, é o que posso fazer…

    Oxalá, o Senhor das luzes ouça o nosso clamor e de alguma forma reverta a triste situação a que foram expostos tão dignos profissionais… É a nossa oração.

    Não desista nunca…

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