Já se chegou a pensar (não sei a quantas anda o projeto original) no Conselho de Notários e Registradores como uma espécie de agência regulatória das atividades notariais e registrais no Brasil.
A advertência que se pode fazer é que a triste sina das agências regulatórias (Anatel, Anael, etc.), que foram concebidas como um importante marco regulatório de atividades essenciais, algumas a cargo da iniciativa privada, deve ser bem analisada, principalmente depois da investida do Executivo para furtar-lhe a autonomia e independência, jungindo-as aos Ministérios respectivos e aos interesses políticos mais imediatos.
Vem bem a calhar a pergunta: será que a “captura” dos serviços registrais e notariais pelo Executivo, a largo prazo, interessa a nós? Atrevo-me a acrescentar: interessará à sociedade?
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A questão é a seguinte: instrumentalização política do registro.
O registro deve ser independente. O registrador autônomo. Dessa independência – inclusive em face do próprio Estado – é que depende a confiança dos operadores. Lembremo-nos que interagindo com o Judiciário, ao lado de quem sempre estivemos, é muito mais nítida a simetria de atividades homólogas; no caso específico do registro, podemos dizer que é uma atividade de jurisdição voluntária, tutela pública de interesses particulares; o pronunciamento registral opera uma mutação jurídica que se aproxima de uma sentença. É muito mais fácil compreender e trabalhar a consolidação da independência jurídica do registrador num ambiente judicial do que no âmbito estrito onde viceja um administrativismo interessado.
A “estadualização” do registro, via regulamentação pelas Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados, é histórica e apresenta aspectos positivos e negativos. Os negativos: em regra, torna-se praticamente impossível implementar uma política de âmbito nacional quando se apóiam procedimentos de registro em regras locais. Haverá tantos regulamentos de registro quantas forem as corregedorias estaduais. Tenho sustentado que a fiscalização dos serviços notariais e registrais pelo Judiciário é indiscutivelmente uma certificação dos nossos serviços e está bem que assim seja. Coisa muito distinta é a normatização ou regulação. Se da CF/88 decorre a regra de que compete privativamente à União legislar sobre registros públicos, logicamente que caberia à União regulamentar a nossa LRP fixando balizas para o exercício, com liberdade jurídica, de nossas atividades.
Vamos aos aspectos positivos: o Judiciário vela pela independência dos registros. Os registros estão sob a tutela do Judiciário e esse fato lhe empresta uma credibilidade e segurança inequívocos, além de tornar difusa a intervenção administrativa, dificultando uma manipulação política da instituição. Quantas vezes não são suscitadas dúvidas pela administração pública em face de denegação de registro de seu interesse? Na esmagadora maioria das vezes essas dúvidas são julgadas procedentes e confirmadas pelos tribunais.
Voltando ao Conselho, ainda que se pudesse conceber um organismo composto organicamente de forma paritária entre as várias especialidades de notários e registradores, nada impediria que essa composição fosse simplesmente rompida, depois de provada a concentração desse poder nas mãos de um braço do Estado. Falando mais claramente: o registro é público mas não deve servir estritamente aos interesses do Estado; deve projetar-se como uma cidadela fortificada da sociedade, referência de segurança jurídica.
Seria inconcebível a supressão da OAB, pór exemplo, substituindo-se a Ordem por um Conselho ligado ao Ministério da Justiça.
Podemos imaginar um cenário favorável ou uma realidade intolerável com a criação de um Conselho Federal com essas características (não nos esqueçamos que estamos abandonando a idéia dos tradicionais Conselhos Federais profissionais, que têm uma feição corporativa — não um corporativismo de Estado, este sim perigoso). Se de um lado poder-se-á disciplinar e normatizar harmonicamente os procedimentos de registro em todo o país, acabando com as estridências verificadas nas normas baixadas por corregedorias locais, deve-se ponderar, de outra banda, que, depois de concentrado o poder regulatório nas mãos do Ministério da Justiça, uma vez aberta a caixa de Pandora, as surpresas poderão ser bem desagradáveis. Hefesto criou Pandora tão bonita quanto fútil e irresponsável. Quando a famosa arca foi aberta, escaparam os males que Zeus havia recolhido, entre outros a insanidade, o vício e a paixão política, tão tipicamente humanos. Uma vez aberta a porta para a concentração do poder regulatório nas mãos do Executivo, as conseqüências podem ser graves.
Finalmente, penso que deveríamos apreciar a experiência alienígena. A Direção Geral dos Registros e Notariado da Espanha, órgão formado por registradores e ligado diretamente ao Ministério de Justiça daquele país, já não dá conta das complexas questões que lhes são postas, de modo que os registradores conceberam um mecanismo para solução do conflito resultante da denegação de registro (a nossa dúvida registral) que consiste em devolver a qualificação a um registrador substituto, visando celeridade e harmonização de procedimentos.
Para conhecer em detalhes a lei indico o texto sistema registral espanhol – mais agilidade e mais segurança: http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel910a.asp.
Volto ao assunto.