Li com vivo interesse as considerações do ilustre Dr. Ildeu Lopes Guerra – “Direito registral imobiliário: luzes e trevas”, BE IRIB # 2.450, de 26/05/2006 [aqui]; as consequentes e ponderosas explanações do Dr. Sérgio Jacomino no mesmo Boletim [aqui], sob o título “Lux in tenebris lucet”, e as posteriores abordagens feitas pelo igualmente ilustre Dr. Helvécio Vieira no blogue – Luz in tenebris lucet – respondeo [aqui]).
E desde já devo dizer que adiro in totum às ponderações do Dr. Sérgio Jacomino. Não por um simples espírito de corporativismo, comodismo ou conveniência. Mas por entender que melhor refletem o âmago do assunto.
Preliminarmente, não acredito que a indignação dos articulistas seja de todo imotivadas. As exigências de que se queiram devem ser reais e inúmeras. Mas a questão é: são infundadas? Somente a resposta positiva a esta indagação justifica a indignação.
Evidente, fazer alusão a “inúmeras e infindáveis exigências, essas, muitas das vezes, imprecisas, vagas e sem parâmetro algum de uniformidade no tocante aos registros de incorporações imobiliárias” não é suficiente para sentenciar a culpa de alguns registradores imobiliários, ainda que minoria, seja em “BH e cercanias”, seja em qualquer outra parte do território nacional, pelo “profundo abatimento e aflição que recai sobre” os bravos empreendedores da construção civil, diga-se de passagem, nem todos tão preocupados com a regularidade de seus empreendimentos, salvo quando a conveniência o exige. Acreditamos, também, que estes representam a minoria.
O certo é que as incorporações imobiliárias não são tão evidentes como os articulistas querem demonstrar, ao dizer: “a lei é uma só” (Dr. Ildeu); e, “uma incorporação que obteve sucesso na sua condição registral junto à determinada serventia imobiliária, em outra, na qual a documentação continha exatamente a mesma uniformidade e elencado de documentos, vê-se absolutamente frustrada” (Dr. Helvécio). Os doutos articulistas sabem que o Direito não é uma fórmula matemática. Se o fosse não teríamos doutrinadores e julgadores com a independência do “livre convencimento”.
O curioso é que o Dr. Ildeu parece ter consciência – e certamente tem – da amplidão da qualificação no registro de imóveis, pois, diz ele: “os oficiais e seus examinadores têm o dever e a obrigação de saber ver e compreender os documentos que examinam, à luz do conhecimento do direito registral imobiliário, pois, somente com essa compreensão, poder-se-á, se for o caso, acatar ou informar a parte interessada, bem com complementá-los ou corrigi-los”. Diz, ainda: “É preciso ter em mente que o usuário dos serviços de registros não sabem e não têm a obrigação de saber das questões registrarias”. E nisso tem razão. Eis a importância do registrador em realizar a qualificação dos títulos que lhe são apresentados.
Porém, será que a qualificação registral num processo de incorporação restringe-se à Lei nº 4.591/64? Clareando a indagação: estaria o registrador desonerado de examinar, por exemplo, antes da incorporação em si, a qualidade do Direito do incorporador sobre o solo? É com essa visão do Direito que se deve analisar a pertinência ou impertinência das exigências formuladas pelos registradores. Não se pode achar que o fato de a “lei ser uma só” responda ou justifique todas as indagações, ou indignações.
De fato, a lei das incorporações é uma só. Mas, é preciso lembrar que a Lei 4.591/64 não contempla um único modelo de incorporação, e, o atendimento do rol constante do art. 32, da mesma lei, não exonera o incorporador de atender a outras exigências legais, dadas as peculiaridades do seu direito sobre o solo e/ou do seu modelo de incorporação. Em símile, nem todos quantos se conduzem para um mesmo ponto percorrerão necessariamente o mesmo caminho, ou a mesma distância, ou enfrentarão os mesmos obstáculos. Isso muito dependerá do ponto de partida e do meio utilizado para o deslocamento.
Exemplificando: o incorporador pode ser: a) proprietário de todo o terreno; b) proprietário apenas de parte do terreno; c) não ser proprietário do terreno; ou, ainda, d) adquirir o terreno mediante o pagamento em unidades autônomas a serem construídas (nesse caso, recomendo sempre a compra e venda com cláusula resolutiva, em vez da promessa de compra e venda, para não onerar demais os adquirentes finais). Caio Mário da Silva Pereira (Condomínio e Incorporações, Forense, 10ª ed. 1999) vislumbra ainda de outros modelos de incorporação. Assim, não há de se esperar que o caminho – e o percurso – em todos os casos seja o mesmo. E aqui reside, muitas vezes, a razão do que se exige num cartório e não se exige num outro; ou do que se exige numa ocasião e não se exige em outra no mesmo cartório.
Será que conhecer essas nuanças da incorporação pode fazer a diferença entre as “luzes e as trevas”?
De outro lado, não pude ver nos artigos dos Drs. Ildeu e Helvécio a razão de invocarem a regulação minudenciada da qualificação registral pelas Corregedorias Gerais de Justiça através de seus Provimentos (sem falar na competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria).
Qual será o ponto de avanço dessa iniciativa. Vai conferir celeridade aos registros? Atenuará as exigências? O que fazer quando a minudência não abarcar hipótese nova? Deverá o registrador “consultar” a Corregedoria? Quanto tempo isso vai demorar?
É digno de nota que nem toda Corregedoria aceita esse tipo de consulta, como é o caso da Corregedoria do Estado de São Paulo. Não poderia a Corregedoria do Estado de Minas Gerais, pelos mesmos fundamentos, rejeitar consultas?
A toda evidência os Drs. Ildeu e Helvécio não desconhecem o “procedimento de dúvida” da Lei 6.015/73. Não é esse o caminho a ser seguido para desfazer eventuais exigências infundadas? Do mesmo modo, não desconhecem a responsabilidade objetiva de notários e registradores pelos prejuízos resultantes de seus atos (CF/88, art.37, § 6º; Lei 8.935/94). Esta previsão legal não é suficiente para a correção das eventuais arbitrariedades? Por que perfilhar por vias de mais normatização, sobretudo infra-legais?
Por último, quem quer que moureje nas atividades registrais sabe o quanto é inconveniente para um registrador fazer exigências. Dobra-se o trabalho e o ganho é o mesmo; quiçá inferior, nas hipóteses em que não é possível o cumprimento da exigência. Estariam os registradores mineiros buscando trabalhar mais para ganhar menos? É hipótese pouco provável, tanto por não ser atraente para ninguém, como por colocar em risco a própria sobrevivência da atividade.
Diante destas razões é que quero crer que as ponderações dos nobres articulistas talvez sejam mais uma demonstração do que combatem – exigências – do que daquilo que defendem: fundamentação.
Por isso é que, desabafo por desabafo, fico com o Dr. Sérgio Jacomino.
Valestan Milhomem da Costa é Tabelião e oficial substituto no Estado do Rio de Janeiro.