A Folha, na sua edição de 29/6 estampa: Sarney vendeu terras sem pagar imposto. Para quem é assinante do jornal, a reportagem pode ser lida aqui. Para os demais, aqui
Diz a reportagem que 318 dos 540 hectares negociados por Sarney nunca foram registrados em seu nome e, com isso, o Senador teria se livrado do pagamento de parte dos tributos.
A reportagem é de Alan Gripp e Fernanda Odilla. Os competentes jornalistas apuraram que a Fazenda Pericumã foi adquirida em 2002 por empresa que tem Sarney como sócio, “mas mantém áreas em nome de terceiros”.
Mas, como? Como se sustenta a aparente confusão dominial que exsurge de registros regulares?
A grande confusão aparentemente se origina de contrato particular de compromisso de compra e venda registrado em Cartório Registro de Títulos e Documentos, feito para mera conservação (art. 127, VII, da Lei de Registros Públicos).
Este tipo de registro, de caráter facultativo, tem dado ensanchas a enormes confusões.
O Registro de Títulos e Documentos (RTD) não é competente para abrigar em seu seio contratos imobiliários. Não se adquirem, nem se transmitem, nem se constituem direitos reais pelo registro em RTD. O Cartório competente é o de Registro de Imóveis, no qual os registros não são facultativos, mas obrigatórios (art. 169 da mesma Lei).
Esta confusão é histórica e levou o Tribunal de São Paulo, por sua Corregedoria-Geral, a determinar que estes registros, quando consumados por insistência do interessado, trouxessem a nótula de facultatividade expressa, vedando-se o uso de carimbos ou indicações que pudessem ensejar confusões a respeito da situação dominial. Confira:
2. Quando se tratar de transcrição facultativa, será feita expressa menção a essa circunstância, consignando-se livro e folha, ou microfilme, bem como que se trata de ato praticado no Registro de Títulos e Documentos.
2.1. É vedado o uso de carimbo, ou de qualquer outra indicação, que possa ensejar dúvida ou confusão sobre a natureza do registro efetuado (NSCGJSP, Cap. XIX, Seção I, item 2)
O episódio da Fazenda Pericumã pode ser considerado paradigmático destas enormes confusões.
Diz a reportagem que
Sarney comprou a Fazenda São José do Pericumã no início dos anos 1980 e a vendeu em setembro de 2002. (…)
A área foi vendida para a Divitex, empresa que tem o próprio Sarney como sócio. O negócio foi feito por meio de um compromisso de compra e venda, registrado em dois cartórios de Brasília em setembro de 2002. No documento, ao qual a Folha teve acesso, Sarney e a mulher, Marly, constam como “os legítimos possuidores e proprietários do imóvel”.
O secretário de Finanças de Luziânia, Edson Brás, é consciente de que os contratos celebrados à margem dos cartórios representam o caminho da evasão fiscal. Diz que “os negócios feitos por meio de contratos de gaveta desfalcam uma importante fonte de arrecadação do município. E segue:
“Se o cartório [onde foi registrada a compra e venda] nos informasse do negócio feito de forma particular, teríamos a obrigação de tributar, mas isso nunca acontece. Agora, este imposto já deve estar até prescrito”.
O cenário que pouco a pouco se vai delineando é o inferno que sempre denunciamos: os contratos opacos, celebrados à margem dos mecanismos institucionais de publicidade imobiliária, subtraídos do escrutínio público, são a forma predileta para ocultação patrimonial e para malbaratar a fiscalização.
Por longos anos, os cartórios sofreram a condenação pública justamente pelo fato de responderam, à perfeição, às modernas exigências de um mercado imobiliário: transparência, modicidade, concentração e prevenção de conflitos e litígios.