
Cheguei em casa tarde, cansado, depois da travessia do tramo caótico da minha cidade. Deitei uma rápida olhadela nos e-mails e me deparei com um belo texto. Recolhi-me em silêncio. No quarto, às escuras, finas teias de luz penetram a persiana e me conduzem suavemente no colo da memória. Fiquei a meditar na minha trajetória pessoal, no itinerário percorrido, na dura faina de escrever, escrever, escrever…
Tenho dito aos meus colegas de ofício (no qual estou metido há mais de 50 anos): “vivemos uma espécie de crepúsculo. Ragnarök Registral”. Isto dizemos para nós mesmos, velhos escribas, e rimos, rimos feito crianças. “Tudo o que no mundo existe começa e acaba num livro”, todos sabemos. Especialmente nós, os escribas, que temos a nota inaugural e final da sinfonia inacabada dos homens.
Ingressei no nobile officium ainda muito jovem. Inscrevi, transcrevi, averbei… lavrei a verba elegante da praxe cartorária em pesados livros de registros manuscritos. Experimentei a mecanização dos processos registrais nos 90 e agora vivo para testemunhar o derruimento do edifício da fides publica pela vaza da novilíngua computacional. Pesada onda que suplanta a segurança jurídica pela vaga tecnológica e econômica.
Quem nos lê, quem ainda nos lerá? Haverá quem nos compreenda essencialmente? Ou seremos tragados e traduzidos por uma máquina? A lavra que encarna o espírito do tempo (e de certo modo o traduz) é varrida pelo vento, como as folhas secas no quintal. É tão lindo e triste o ocaso — pensei antes de fechar os olhos.
Desperto “obstinado, impaciente, azafamado pelas urgências e solicitudes esquecidas” (https://cartorios.org/about/). Eis-me aqui, diante da máquina, a pensar que devo por no mundo um livro de crônicas e o livro do Senhor Doutor Victor Ehrenberg.
Me senti personagem do belo texto. SJ sempre pensando. Ícone prá todos nós.
Querido Natal. Sempre bom receber notícias suas. Abraços!
De modo semelhante, compartilho de sua trajetória, seguindo-a com admiração.
” para todo propósito há um tempo, o restante são vaidades …. ” (Eclesiastes).
Pois é Dr. Sérgio… aqui vão-se “4.9” já completados. Não tal qual a vossa trajetória, onde iniciei como Notário e há poucos anos no R.I., sem comparações. E não “me oportunizei” (mesmo que a vontade tenha cantado muito alto), a escrever… Mas de há muito me preocupa, vosso preocupardes: “… e agora vivo para testemunhar a derruimento do edifício da fides publica pela vaza da novilíngua computacional, a pesada onda que suplanta a segurança jurídica pela vaga tecnológica e econômica”, em suas várias narrativas neste veículo admirável e prazeroso de leitura. O que “o preocupas” que nós devamos nos preocuparmos? rsrsrsrsrs abraços.
Continue escrevendo meu querido amigo … Belo texto.