Teoria do Registro e Publicidade – entrevista com Carlos Ferreira de Almeida

ENTREVISTA REALIZADA COM O PROFESSOR DOUTOR CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA NO DIA 23 DE NOVEMBRO DE 2009, EM LISBOA, PORTUGAL, SOBRE O LIVRO TEORIA DO REGISTRO E PUBLICIDADE

Sérgio Jacomino – O que o inspirou a fazer esse livro? Qual foi a sua fonte de inspiração para escrever sobre publicidade e teoria do registro, temas tão pouco estudados não só entre os brasileiros, mas também entre os portugueses?

Sérgio Jacomino e Carlos Ferreira de Almeida. Lisboa, 23/11/2009

Carlos Ferreira de Almeida – Antes, deixe-me agradecer a sua ideia. Foi uma grande surpresa e uma alegria ver o interesse, ainda por cima no Brasil, que é distante da Europa, por um livro escrito por mim quando ainda era um menino, muito jovem. O meu pai era Registrador, primeiro do registro predial e depois do registro comercial. Na verdade eu passei uma parte significativa dos dias da minha meninice no meio dos livros dos registros. Aprendi a escrever à mão e à máquina na repartição que dirigia. Ao longo da minha juventude, em conversas com meu pai, esse foi um tema que sempre me atraiu. Acontece que fui para a guerra, em Angola, como oficial miliciano da Administração Militar, não como um combatente,  e eu tinha um tempo de ócio. Eu tinha muito tempo livre, então, mandei vir alguns livros de Portugal e foi quando surgiu a ideia de escrever a minha tese do mestrado, teorizando meu pai. Tinha contra mim a falta de experiência acadêmica, mas duas coisas a meu favor: primeiro, eu conhecia muito bem aqueles fenômenos, e segundo, eu tinha muito tempo…

SJ – O senhor acabou desenvolvendo temas relacionados com a eficácia do registro, que não era exatamente a preocupação de um registrador naquela altura. Basicamente, quando se fala em publicidade, fala-se em eficácia. Por que esse tema despertou a sua atenção?

CFA – Em parte teorizei a obra do meu pai, mas, na verdade, em alguns outros aspectos, ampliei-a. Procurei colocar o problema dos registros dentro de uma questão muito mais geral do direito, que é o problema do conhecimento no direito. O direito funciona em dois planos. Eu escrevi isso há quarenta anos e continuo a pensar do mesmo modo. Mas aquilo que é verdadeiramente eficaz são as situações jurídicas que se conhecem, daí a minha relação entre conhecimento, publicidade e registros. Colocados nessa ordem, é o registro uma parte de uma grande questão jurídica, muito mais ampla, que é a do conhecimento.

SJ – Os registros desempenham um papel muito importante. O senhor tem dito que os registros substituem com grande vantagem, por exemplo, os documentos em papel, e que eles estão preconcebidos a recepcionar essas mutações jurídicas com uma maior comodidade e eficácia. Como o senhor explica isso?

CFA – Na verdade, houve algumas mudanças na passagem do papel para o computador, mas uma das principais é que a possibilidade da circulação e transmissão de direitos se transmitiu do próprio papel, que era simultaneamente suporte e veículo de transmissão, e foi substituído por registros. Com a informática, só é possível a constituição de direitos pelos registros. Os registros se transformaram num fator que é um aliado natural da informática. Mas não só, diria que o registro pode ser considerado um precursor da informática, porque, em alguns aspectos, ele se antecipou àquilo que hoje é banal. Por exemplo, falamos em hipertexto, falamos em link, falamos na conexão entre textos para formar um texto harmonizado pela sua acurácia, e isso existe desde sempre nos registros públicos e privados. A ideia de averbações, de conexões, que existem também no Direito Internacional Privado. Enfim, quem lida com os registros lida com essas ideias desde sempre. Portanto, a informática para os registros não é nenhum obstáculo; pelo contrário, os registros estavam preparados para a informática.

SJ – É interessante a sua tese. E isso, de certa forma, vem justificar as reformas que se fazem não só em Portugal como também no Brasil de informatização dos registros. Como é que fica o papel do registrador na medida em que o registro, com toda sua tecnologia, pode representar a situação jurídica sem grandes dificuldades? O sistema eletrônico substituirá o homem nessa tarefa de expressar a situação jurídica?

CFA – Em primeiro lugar, quando se fala em registradores é preciso pensar que não estamos falando apenas dos registros públicos. Nos últimos anos, temos nos preocupados muito mais com os registros privados do que com os registros públicos. Quando estamos a falar de registros, estamos a falar, por exemplo, nos registros de ações, de obrigações e de todos os contratos que estão envolvidos. Em todo o mundo, esses registros são feitos, basicamente, pelos bancos. Os registradores são, neste momento, milhões e milhões, e não são apenas registradores públicos. Embora não tivesse visto isso há quarenta anos, de certa forma, explica porque o problema dos registros é uma questão muito mais ampla do que propriamente os registros públicos. Os registradores, tanto públicos como outros, ficaram no centro da eficácia dos fenômenos jurídicos. Mas a máquina não substitui coisa nenhuma. As máquinas e os programas são obras humanas, realizam apenas aquilo que lhes é ordenado. Os programas têm que ser concebidos em harmonia com o sistema jurídico. Os registradores são conservadores da legalidade, e máquinas e programas, hardware e software, não fazem mais do que serem os transmissores das cadeias imaginadas pelos legisladores e aplicadores do direito.

SJ – Já que falamos de meios, aproveitando este veículo, gostaria que o senhor transmitisse uma palavra aos registradores brasileiros que poderão ouvir essa entrevista na radio dos registradores.

CFA – É uma pena, não conheço muito bem o Brasil e, em especial, conheço mal o sistema brasileiro de registros públicos. Sei que, em matéria de valores imobiliários, o Brasil foi precursor, antes mesmo que os Estados Unidos, em relação à desmaterialização dos valores mobiliários. Hoje aprendi com o senhor, Sergio Jacomino, algumas coisas, mas ainda não o suficiente para ter uma ideia perfeitamente precisa. Agora, percebi, no contato consigo e com outras pessoas, que no Brasil existe uma elevada profissionalidade e que o espírito de serviço público é um aliado necessário de todos os serviços públicos.

Ouça o áudio da entrevista realizada em 23/11/2009:

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