Por que ontologia registral?

Por que ontologia registral?
Sérgio Jacomino

“Na ontologia registral trabalhamos sobre um modelo de dados que vincula os elementos de um conjunto no âmbito de um domínio (SREI), estabelecendo regras de relacionamento entre os dados. A partir de objetos básicos (elementos ou indivíduos do conjunto de dados do RI), pode-se atribuir significados e propriedades, ordenando-os em classes, permitindo, assim, relacionamentos complexos que podem ser perfeitamente automatizados com apoio tecnológico.”

Eu conduzi, na presidência do Instituto, uma série de encontros, debates, discussões acerca de múltiplos assuntos relacionados com a progressiva transformação dos meios de registração no Ofício Imobiliário. Criamos, ainda fora da presidência do IRIB, o NEAR – Núcleo de Estudos Avançados de Registro de Imóveis[1].

Ao tratar de “meios” buscávamos conceituar os novos suportes da informação registral – antes assentada sobre meios seculares como o papel e a cartolina. Agora desvela-se o admirável mundo novo dos “meios digitais”. Mais recentemente, após a introdução da microfilmagem e do processamento eletrônico de dados nas serventias, mostrava-se imperiosa a constituição de um núcleo de estudos devotado exclusivamente a esta matéria. Mais do que simples mudanças infraestruturais, percebe-se claramente uma mudança de paradigmas no que respeita ao Registro de Imóveis em meios eletrônicos.

Nenhum tema nos tocava mais de perto do que a definição de um rigoroso dicionário controlado de termos técnicos implicados no ato de inscrição de direitos. Havia necessidade de modelar a matrícula eletrônica, tal e como esboçada na série de documentos seminais produzidos e publicados no âmbito do Projeto SREI-CNJ/LSITEC, que teve curso entre os anos de 2010-2012, basicamente[2].

A série de discussões travadas no âmbito daquele profícuo período, em que nascia a especificação do SREI, fazia despontar em nosso horizonte teórico vários temas que mais tarde se revelariam com maior nitidez à sociedade. Falávamos, então, de controle de integridade dos registros lavrados na matrícula eletrônica, feitos com base em certificação sucessiva dos atos lançados no SREI. Tratou-se de uma investigação verdadeiramente premonitória do que viria a ser conhecido mais tarde como Blockchain[3].

Outras frentes de pesquisa se abririam e todas elas seriam aprofundadas no âmbito agora do NEAR-lab – Laboratório do NEAR. Uma delas seria a necessidade de visitar os temas relacionados à ontologia aplicada ao Registro de Imóveis eletrônico. Ivan Jacopetti do Lago seria convidado para conciliar os conceitos basilares do Direito Registral com os novos influxos recebidos das tecnologias de informação e comunicação da sociedade digital. Adriana Jacoto Unger coordenaria os trabalhos, com o notável domínio e conhecimento que granjeou ao longo de mais de uma década de estudos. Por fim, Nataly Cruz enfrentaria o desafio de construir a ponte entre os domínios teóricos e a prática registral.

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SERP – havia uma pedra no caminho

O Congresso Nacional acabou por derrubar alguns vetos de dispositivos da Lei 14.382/2022. Entre outros, já apontados e comentados[1], gostaria de chamar a atenção, especificamente, para a derrubada do veto ao seguinte dispositivo da Lei:

“Art. 6º Os oficiais dos registros públicos, quando cabível, receberão dos interessados, por meio do Serp, os extratos eletrônicos para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos, nos termos do inciso VIII do caput do art. 7º desta Lei.

§ 1º ……………………………………………………………………………………………………………….

III – os extratos eletrônicos relativos a bens imóveis deverão, obrigatoriamente, ser acompanhados do arquivamento da íntegra do instrumento contratual, em cópia simples, exceto se apresentados por tabelião de notas, hipótese em que este arquivará o instrumento contratual em pasta própria”.

O inciso foi promulgado, nos termos do § 5º do art. 66 da Constituição Federal, e se acha agora em pleno vigor.

Geleia geral notarial e registral

Já havia me dedicado ao tema aziago da substituição dos títulos, em sentido material e formal, por meras notícias digitais (notes), afeiçoadas a sistemas de registração alienígenas. Sobre a substituição paradigmática do sistema de registro de direitos pelo de registração por mera indicação, remeto o leitor aos argumentos já expendidos anteriormente[2]. A derrubada do veto introduz um novo elemento que haverá de render algumas discussões, razão pela qual retorno ao tema.

O notário ganhou uma atribuição heterodoxa: arquivamento de instrumentos particulares em suas “pastas próprias”, seja lá o que isto queira significar em tempos de digitalização. O tabelião de notas possivelmente concorrerá com o SERP neste mister, a fiar-se no disposto no inc. VIII do art. 3º da Lei 14.382/2022, alçados, ambos, a uma espécie de ente para-registral[3].

Entretanto, o notário ganha uma atribuição ainda mais inusitada: recebido o instrumento e arquivado em suas “pastas próprias”, dele expedirá (ou concertará) o extrato, que se torna, assim, uma espécie de traslado do documento por ele arquivado. De outra forma, terá sentido que receba o instrumento, arquivando-o em suas pastas, e acate o extrato elaborado por terceiros? Como estará seguro de que este não se acha em descompasso com o instrumento contratual?

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O doloroso cansaço do mundo

SIC TRANSIT GLORIA MUNDI (2005) Giorgio Salmoiraghi

À época do 38º Encontro Regional do IRIB, realizado entre os dias 24 e 25 de junho de 2019 na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, estava imerso em especulações acerca da transitoriedade das coisas. A beleza dos homens, e tudo de nobre e belo que pudessem criar, tudo parece fadado à extinção.

Igualmente as instituições cumprem um itinerário, um certo desígnio, repleto de encontros e desencontros e de desenlace incerto.

Já àquela época se anunciavam as mudanças que o Registro de Imóveis experimentaria logo em seguida, embaladas nas reformas que nos colheram a todos desarmados. Lembrei-me, então, da Transitoriedade, pequeno artigo de Freud, de onde retiro a seguinte passagem:

“Algum tempo atrás, fiz um passeio por uma rica paisagem num dia de verão, em companhia de um amigo taciturno e de um jovem poeta, mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário que nos rodeava, porém não se alegrava com ela. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava condenada à extinção, pois desapareceria no inverno, e assim também toda a beleza humana e tudo de belo e nobre que os homens criaram ou poderiam criar. Tudo o mais que, de outro modo, ele teria amado e admirado, lhe parecia despojado de valor pela transitoriedade que era o destino de tudo.”[1]

De certa maneira a melancolia que então experimentava era análoga à do amigo taciturno. Em Cuiabá, apresentaríamos os resultados de nossos estudos acerca do SREI – Registro de Imóveis eletrônico, um extraordinário esforço humano, belo, singular, que parecia fadado ao perecimento.

As conclusões de Freud não calham e, de fato, não me interessavam minimamente. Sou um homem de fé. Acredito, firmemente, que nossas obras estão inscritas no Grande Livro da Vida, são perenes. Algo torna-se eterno quando entra na dimensão tangível da realidade. Além disso, podemos sempre nos lembrar de que “a beleza salvará o mundo”, como disse Dostoiévski.

A passagem do texto freudiano tocava-me especialmente por expressar a perplexidade essencial que experimentamos diante da constatação do destino inevitável de tudo que é humano e belo.

Não cabe neste opúsculo digressões metafísicas ou teológicas. Vale, quiçá, uma pequena crônica sobre as transformações experimentadas por homens e suas instituições e o modo pelo qual encaramos os desafios e os transcendemos. Busquei, naquela oportunidade, tocar a consciência dos meus pares.

Segue, com alterações, o discurso proferido na abertura dos trabalhos. O título é atribuído ao mesmo Freud.  

SÉRGIO JACOMINO

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Serpentina registral. No caminho do Registro tinha uma pedra

No caminho do registro tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho…

Como diria Oswald de Andrade, somo tudo, incorporo – e como! Mas não digeri como deveria, amiga.

O Bispo Sardinha era um gajo velho e sarado.

A senda dos sistemas de informação é rica e especializada. Acha-se além da capacidade deste escriba esforçado. Fiz o que pude, mas deixei uma alameda como pista que pode nos levar a uma vasta planície. Hoje posto no Migalhas.

Alguém poderá se aventurar e escrever sobre os sistemas tradicionais e os modernos sistemas de informação que a serpentina registral inaugura como soluço de má-digerida modernidade.

Intuo que os sistemas registrais tenham outra natureza ontológica e uma etiologia distintas. Distingui-los da SERPE é muito tentador e pode ser revelador. E instrutivo.

A isso me dedico, querida amiga.

Agonia central – ou anomia registral?

A consumação do texto aprovado no Congresso Nacional e que redundou na alteração da Lei 8.935/1994 é um evidente “jabuti”, como é chamado no jargão jurídico as emendas que não guardam qualquer pertinência temática com o objeto da medida provisória encaminhada à apreciação do Poder Legislativo.

Trata-se de um “contrabando legislativo”, como também ficou conhecida essa prática inconstitucional. Segundo o STF, viola “a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória”[1].

É de uma clareza solar que a criação das tais centrais eletrônicas estaduais para prestação de serviços complementares e facultativos – a latere das centrais criadas, regulamentadas e fiscalizadas pelo Poder Público – é manifestamente inconstitucional. Sua figuração em MP que instituía o “Documento Eletrônico de Transporte” é um corpus alienum incrustrado no objeto originário da MP 1.051/2021, convertida afinal na Lei 14.206/2021.

Essas tentativas erráticas têm uma larga história. Para efeitos de registro, passo a relatar algumas das iniciativas aziagas que despontaram no cenário da classe de notários e registradores brasileiros, dividindo opiniões e instaurando a cizânia institucional.

Antes, porém, um disclaimer: entendo perfeitamente o impulso que tem levado alguns colegas a conceber estruturas complexas de prestação de “serviços de natureza complementar”. São iniciativas bem-intencionadas, embora as julgue precipitadas e assistemáticas. As críticas que lanço pretendem alçar-se a um diálogo eminentemente técnico e acadêmico. Pretendo detalhar em breve, num pequeno artigo, os fenômenos de disrupção que provocam temores e iniciativas precipitadas[2]. Por ora, indico as digressões que lancei na despedida da presidência do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, em logo texto sob a epígrafe – disrupção é destruição, do qual destaco:

“Vivemos uma época de crise, um período turbulento. A aceleração violenta dos processos sociais – impactados pela crescente influência das tecnologias da informação e comunicação – nos levará a encruzilhadas inesperadas, a caminhos inauditos. Seremos desafiados por demandas da sociedade e do mercado que já não podem ser atendidas de maneira improvisada, nem de modo anacrônico. Já não podemos nos fiar em conceitos enrijecidos, decalcados de uma pseudo tradição que não é tradição e que talvez não passe mesmo de mero reacionarismo – quando não de tecnofobia de luditas ilustrados”[3].

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Indisponibilidade de bens – inauguração

O desembargador Marcelo Berthe falou aos inscritos na abertura do curso Indisponibilidade de Bens (4/10) enfatizando a importância do evento para dar o aperfeiçoamento do sistema registral. Promovido pela Fundação Arcadas da Faculdade de Direito da USP, OAB-SP – Comissão de Direito Notarial e Registral e NEAR-lab – Laboratório de Estudos Avançados do Registro de Imóveis na abertura. O evento contou com o apoio do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e CNB – Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil.

Senhoras e senhores,

Peço licença para enviar esta mensagem diante da falta de disponibilidade de sinal de internet que me permita acessar a rede aqui de Boa Vista, Roraima, onde me encontro em trabalho de inspeção da Corregedoria Nacional.

O evento acadêmico que tem por tema a Indisponibilidade de Bens, promovido pela Fundação Arcadas, com a Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB São Paulo , com o apoio do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB e do Colégio Notarial do Brasil, toca em ponto sensível e de grande relevância para o direito e, em especial, para os serviços registrais e notariais.

Há muito a questão vem sendo objeto de preocupação da Corregedoria Nacional de Justiça, porque ao mesmo tempo em que assegura grande efetividade para as ordens judiciais e administrativas, o assunto reclama grande preocupação na busca pelo aprimoramento do instituto, cada vez mais utilizado em diversas situações, justamente por suas repercussões, muitas vezes indesejáveis, porque pode trazer um efeito contrário desnecessário e indesejável aos interesses econômicos relacionados com a circulação da riqueza, princípio de economia política importante para assegurar o desenvolvimento econômico.

Há muitas preocupações e interesses que envolvem a matéria, o que muito justifica sejam aprofundados os estudos que cercam o tema da indisponibilidade de bens.

A Corregedoria Nacional de Justiça vem promovendo o funcionamento do Operador Nacional do Registro Imobiliário Eletrônico – ONR, hoje já o responsável pela gestão e aprimoramento do funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens e, nesse sentido, congratula-se com os mencionados organizadores e apoiadores deste evento acadêmico, que contará com grandes nomes de estudiosos do direito, na certeza que as palestras e debates que se travarão durante a programação em muito virão contribuir para a melhor compreensão do direito material aplicável ao instituto da indisponibilidade de bens, como para o aprimoramento da regulação dos sistemas e meios eletrônicos existentes, que hão de merecer o desenvolvimento de novas funcionalidades, com a utilização das mais recentes tecnologias e o aproveitamento das inovações disponíveis.

Com esta breve mensagem, e na episódica impossibilidade de comparecer, mesmo que a distância, peço licença para cumprimentar a todos os envolvidos no evento que hoje se instala, organizadores, apoiadores, palestrantes, debatedores, e o faço na pessoa do ilustre Professor Celso Campilongo, a quem rendo homenagens e cumprimento, em nome da Coordenadoria de Gestão dos Serviços de Notas e Registro -CONR, da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ.

Com os votos de muitas felicidades e de pleno êxito, a todos parabenizo pela iniciativa.

Marcelo Martins Berthe

Marcelo Berthe é Desembargador do TJSP e Supervisor da Coordenadoria de Notas e Registro da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ.

Leia também:

  1. Programa do Curso Indisponibilidade de Bens.
  2. INDISPONIBILIDADE DE BENS: curso teve início com mais de 100 participantes em Abertura Solene. Site: IRIB.
  3. Indisponibilidade de Bens: entre o Direito, a Política e a Economia. Celso Fernandes Campilongo

Indisponibilidade de Bens: entre o Direito, a Política e a Economia

Celso Fernandes Campilongo*

O número de escândalos, golpes e desvios de recursos públicos praticados por políticos – de todas as esferas administrativas e partidos – é mais do que conhecido. As soluções supostamente redentoras também: “Operação Mãos Limpas”, “Lava Jato” e congêneres mundo afora. Nem as ilicitudes atreladas às bandalheiras dão tréguas, nem as ferramentas do Direito parecem detê-las. Parafraseando Mário de Andrade, no país de Macunaíma, dentre tantas mazelas, “Pouca Justiça e muita corrupção, os males do Brasil são”!

Na busca por instrumentos mais eficientes no enfrentamento dos problemas, a ordem jurídica constrói mecanismos que preservem o patrimônio público, inibam a bandidagem e restaurem a confiança nas instituições. Dentre eles, sem dúvida alguma, a decretação de “indisponibilidade de bens” avulta de importância. Aparentemente célere, liminar e poderosa, satisfaz a sede por mais Justiça e menos corrupção. Também é “vingativa”: regenera e revigora, tempestivamente, a sociedade dos “bons” diante dos “malfeitores”. Tudo muito maniqueísta e simplório para funcionar sem abusos, distorções e perversidades.

A força do Direito não reside no uso indiscriminado dos meios coercitivos. É antes o inverso: deve ter dosagem adequada e ser fruto da prudência, ponderação e técnica do aplicador do Direito, sob pena de desencadear efeitos perversos, não previstos e contrários aos objetivos do sistema jurídico.

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ONR – vésperas da Lei 14.118/2021

SJ entrevista Marcelo Martins Berthe e Flauzilino Araújo dos Santos

O ONR e o SREI, como organismos sócio corporativos, ainda lutam para se firmar. São muitos os desafios, inúmeros os obstáculos, imensos os interesses que, por aparentemente contrariados, resistem como podem às mudanças corporativas e institucionais.

É preciso, portanto, contar esta história de transformações por que passa o Registro de Imóveis. Faço-o em nome próprio, colhendo, de maneira a mais fidedigna possível, o testemunho daqueles que foram os principais artífices dessa grande transformação do sistema registral brasileiro.

Sei que as crônicas do processo poderão nos dar no futuro uma importante chave interpretativa dos eventos que se sucedem e que vivenciamos no interior desta vetusta e honorável atividade que é o Registro de Imóveis.

O custeio do ONR

Na véspera da publicação da Lei 14.118, de 13 de janeiro de 2021, aguardávamos, ansiosos, o desenlace do trabalho de articulação e convencimento dos atores políticos acerca da importância do custeio do ONR. A questão que se nos apresentava era clara: ou criávamos rapidamente um mecanismo de sustentação e custeio do sistema, que permitiria a autogestão, ou logo cairíamos reféns de iniciativas estritamente privadas, sem qualquer tipo de controle institucional ou regulatório.

Havíamos recebido um sinal positivo da Presidência da República informando-nos que os parágrafos incluídos no art. 76 da Lei 13.465/2017 não haviam sido vetados. A notícia nos veio como um bálsamo. Sabíamos que havia uma intensa campanha de desinformação que se disseminava sub-repticiamente nas antecâmaras do Congresso Nacional e da própria administração, visando entorpecer a discussão e deslocar o eixo que justificava e dava arrimo à ideia de institucionalidade e sustentabilidade do ONR.

Nas vésperas do advento da lei eu dava algumas pistas do que ocorria nos intestinos do sistema em dois pequenos artigos veiculados aqui e alhures:

Registro de Imóveis eletrônico – uma conquista da sociedade brasileira, texto que era uma resposta a uma série de perguntas formuladas por um jornalista da Folha de São Paulo. Na edição de 18/12/2020 [mirror] constataríamos que as respostas, dadas de forma precisa e objetiva, aparentemente decepcionaram o entrevistador que as reproduziu imperfeitamente em um espaço da grande imprensa que busca desencavar, como ali mesmo se diz, informações dos “bastidores da notícia”.

ONR – Aberta a temporada de caça às narrativas, em que rebatia os argumentos de um grande advogado paulista que foram veiculados em breve artigo publicado no Estadão de 25/12/2020 [mirror];

Perguntava-me: que “bastidores” seriam esses se todas as nossas iniciativas institucionais eram alardeadas aos quatro ventos? Todos os passos foram dados em conformidade com decisões do CNJ, registrados em processos públicos. De que narrativas se alimentavam os que me entrevistavam?

Toda essa movimentação revelava claramente que havia – e ainda os há – certos interesses que nunca se explicitam claramente e que sempre se apresentam sob as máscaras de slogans funcionais e auto justificadores. O rol desses mitologemas foi explicitado e enfrentado nos artigos supra referidos.

Ao final e ao cabo desse processo turbulento, não se forneceu suficiente combustível para alimentar as narrativas que já eram bastante evidentes nas perguntas formuladas pelo jornalista e nos artigos que adrede se sucediam na imprensa. A nótula publicada na FSP, confrontada com as respostas dadas, revelou-se simplesmente ridícula.

“Que tiro foi esse”?

Mas, afinal, que interesses se aninham por trás de tantas investidas que avançam por caminhos tão sinuosos?

Não se deve esquecer que uma ADI foi proposta no STF contra o ONR por uma entidade da qual nunca se ouvir falar em nosso meio. O curioso, nessa série de artigos, é que o ataque sempre se dá por intermédio de atores que igualmente são completamente desconhecidos do meio jurídico especializado, embora sejam personalidades muito respeitáveis em outras áreas do Direito. São ilustres desconhecidos do Registro de Imóveis.

O ONR e o SREI certamente mexem com interesses muito poderosos. Muitos têm a exata dimensão do que estou falando e não calha aqui explicitá-los. Na condição de presidente do IRIB, à época de todos esses acontecimentos, coube-me a defesa da instituição. Posso lhes garantir que não foi uma tarefa fácil. Não foi simples.

Passado já um certo tempo, hoje assisto aos novos lances como simples espectador, perplexo, mas atento aos movimentos que, longe de amainarem, somente recrudescem dia após dia.

Ainda agora há uma proposição em curso no Congresso Nacional em que o ONR é novamente alvejado. É possível identificar as impressões digitais daqueles que impulsionam essa guerrilha contra o ONR e enfrentam as decisões e iniciativas do próprio CNJ[1]. Acerca desses fatos já não me cabe mais falar, eis que são temas que as entidades corporativas devem curar como possam ou queiram.  

Feitas estas considerações preambulares, deixe-me revelar uma entrevista que fiz com Marcelo Berthe e Flauzilino Araújo dos Santos nas vésperas da lei – no dia 12 de janeiro de 2021.

O registro de nosso colóquio flagrou um instantâneo de alegria e descontração, depois de um estresse tremendo que foi o acompanhamento da tramitação da MP 996, de 2020. (SJ).

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Publicidade Registral Imobiliária e a LGPD

1. Pressupostos

  • Regras formais e a publicidade material do Registro. As regras formais de expressão da publicidade material do registro imobiliário devem guardar estreita correspondência com os conteúdos das inscrições – especialmente no sistema brasileiro em que se dá a constitutividade dos direitos reais pela inscrição. As certidões e informações do registro – regra de caráter processual ou formal – devem guardar estrita relação com as inscrições e os direitos materiais que delas decorrem, devendo tê-las como objeto[2].
  • Teleologia do sistema. O conjunto que disciplina o processo da publicidade registral imobiliária busca consumar de modo eficiente a finalidade do sistema registral imobiliário. Não é possível dar eficácia plena à publicidade material sem as ferramentas que permitam a cognoscibilidade das situações jurídicas-reais por meios idôneos, reconhecidos legalmente e certificados.
  • Certidão é DO registro. O artigo 17 da LRP reza que “qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”. A certidão, em regra, não abrange vários registros de maneira indiscriminada, nem a combinação de vários elementos que, associados, formam blocos de interesse informativo que transcendem as finalidades do registro de imóveis.
  • Princípio da finalidade. A finalidade da publicidade registral é dúplice: defesa do titular inscrito e segurança do tráfico imobiliário. Esse binômio representa a segurança jurídica estática e dinâmica do registro. Para revelar aos interessados a situação jurídica de um determinado bem, busca-se a publicidade registral por meio de certidões e informações. Assim, calha, aqui, à perfeição, as regras do art. 6º da LGPD, especialmente o respeito e observância da finalidade, adequação, necessidade e segurança do sistema. Para tratamento e disponibilização de dados albergados no SREI, para efeitos de publicidade, devem ser observados os princípios de “finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização” (§ 3º do art. 7º da LGPD).
  • O sistema é privacy by design. O sistema registral brasileiro não foi concebido para municiar terceiros de dados e informações desconexas dos princípios e regras legais que estruturam o Registro de Imóveis[3].

2. Dados, informação, conhecimento

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As especialidades notariais e registrais e sua natureza

Reforma da LEI 6.015/1973. Sugestões de Aperfeiçoamento

Sérgio Jacomino [1]

Introdução

Recebi de um colega de estudos um alentado texto com propostas de redação para a reforma da Lei de Registros Públicos com o pedido de estudo e opinião jurídica.

Em vez de debruçar-me sobre o articulado da proposta, julguei ser oportuno, preliminarmente, traçar uma diretriz crítica a fim de iluminar os intrincados problemas que a iniciativa representa e sugerir um rumo sistemático nas discussões.

Penso que estas singelas advertências devam merecer prudente reflexão antes do encaminhamento da proposta aos canais competentes do Governo Federal.

Notários e registradores – especialização e natureza

O princípio essencial que deve nortear a concepção da reforma legal da Lei 6.015/1973 (LRP) é o seguinte: cada especialidade representa um núcleo autônomo e singular que deve ser mantido organicamente no corpo da lei.

O § 1º do artigo 1º da LRP nos revela um conjunto harmônico e diversificado que dá coerência a todo o sistema. A parte geral da lei, dedicada ao conjunto de especialidades dos registros públicos, representa menos de 10% do total de 299 artigos do diploma. Os demais dispositivos são dedicados a cada especialidade, com delimitação de atribuições e de funções de modo muito bem definido e particularizado.

Registro Civil, de Pessoas Jurídicas, de Títulos e Documentos e de Imóveis são especialidades que vêm experimentando ao longo dos anos um processo de progressiva singularização em tudo consentânea com as exigências do mercado e do desenvolvimento orgânico das próprias atividades.

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