Registro em tempos de crise – XII – Digitalização de títulos – metadados mínimos

No último post examinamos o Anexo I do Decreto nº 10.278/2020,  a fim de penetrar nos sentidos que se podem extrair do chamados títulos “digitalizados com padrões técnicos” (art. 4º do Provimento CNJ 94/2020).

Os chamados “padrões técnicos de digitalização” foram estabelecidos com o fim de “garantir a qualidade da imagem, da legibilidade e do uso do documento digitalizado” e figuram nos anexos do Decreto nº 10.278/2020.

Quais é a origem desse conjunto de regras e pressupostos que subjaz aos anexos do dito decreto? Eu sugeri no artigo anterior (Registro em tempos de crise XI) que esse conjunto de prescrições técnicas é oriundo do CONARQ e que o ONR deveria integrar o próprio SINAR – Sistema Nacional de Arquivos. Remeto o leitor para aquele artigo.

Vamos dar mais um passo, agora em direção ao Anexo II que nos revela uma tabela de metadados mínimos exigidos para os documentos digitalizados.

Anexo II
METADADOS[1] MÍNIMOS EXIGIDOS PARA TODOS OS DOCUMENTOS

METADADOSDEFINIÇÃO
Assunto[2]Palavras-chave[3] que representam o conteúdo do documento[4]. Pode ser de preenchimento livre ou com o uso de vocabulário controlado ou tesauro[5].

[1] – Metadados – o que são?

Metadados são dados estruturados que permitem classificar, descrever e gerenciar documentos – sejam eles natodigitais, digitalizados ou tradicionais. São dados sobre dados. Segundo a definição de HOUAISS, metadado é um “dado ou conjunto de dados sobre outro dado ou dados (p.ex., uma descrição de sua estrutura, características ou uma informação que torne tal dado inteligível, p.ex., para um computador)”.

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – XI – padrões técnicos para digitalização.

Os requisitos de digitalização de títulos e a constituição de repositórios digitais de confiança vêm sendo estudados há muitos anos pelo IRIB – especialmente após a chegada do NEAR-lab – Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados do SREI, com seus cientistas e juristas, associados ao Instituto numa iniciativa inovadora e criativa.

O tema em pauta foi objeto de uma longa exposição feita por mim no ano de 2011. Revendo aquelas imagens, constatei que estávamos, naquele exato momento histórico, elaborando o que viria a ser o SREI e o ONR. Estávamos enunciando o que mais tarde chamaria de “sinais prodrômicos dessa aventura conceitual”. O leitor pode ler o texto e ter acesso aos vídeos aqui: Registro Eletrônico – ontem, hoje e a construção do amanhã e História do Registro de Imóveis eletrônico em revista.

   

Antes de seguir adiante nas considerações abaixo, recomendo ao leitor que empreenda um passeio nos links acima indicados. Penso que podem iluminar as conclusões que, por síntese, apresentamos no texto a seguir.

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – X – falsidade do título

Caro leitor.

Sigo com os comentários a propósito do  Provimento CNJ 94/2020, hoje enfocando o seu art. 9º. Como sabe, estas pequenas digressões visam tão-somente a provocar estudos e debates. Os avanços que observamos nas sucessivas séries de normas editadas e de projetos de lei apresentados nos revelam problemas a que os juristas são convocados a dar soluções técnicas adequadas.

Vislumbro em alguns deles a ultrapassagem de certos paradigmas que sempre serviram de guia para a atuação dos registradores imobiliários.

Nesta nótula reflexiva, toco num ponto sensível: a aceitação dos títulos digitalizados “com padrões técnicos” para servir de suporte à inscrição registral.

O impacto das novas tecnologias de informação e comunicação nas atividades multisseculares dos notários e registradores há de produzir (e tem produzido) abalos importantes e substanciais na praxe cartorária. Vemos esse fenômeno espraiando-se por todas os lados. As bases de sustentação do modelo poderão ser subvertidas e nós, juristas, deveremos abrir os olhos para a prefiguração de uma perigosa extrapolação do métron institucional.

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – IX – cédulas escriturais

Durante o período pandêmico foram baixados inúmeros atos normativos dispondo sobre o funcionamento dos cartórios de registro de imóveis em regime de plantão. Há um franco estímulo à utilização de plataformas digitais para recepção e processamento dos pedidos de registro ou de emissão de certidões.

O Provimento CNJ 94/2020 inovou a praxe dos cartórios em muitos aspectos. Terá sido uma medida muito positiva. Tenho me dedicado neste espaço a estudar alguns tópicos que a norma suscita.

Neste episódio, vou tratar das chamadas cédulas emitidas “sob a forma escritural”. A sua referência se acha no inc. IV do art. 4º do dito Provimento. A redação do art. 4º é a seguinte:

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – VIII – títulos digitalizados com padrões técnicos

Dando seguimento aos textos que venho divulgando com o objetivo de lançar elementos para debates e discussões sobre os atos normativos baixados pela Corregedoria Nacional de Justiça no curso da pandemia do COVID-19, apresento-lhes breve comentários ao § 2º do art. 4º do Provimento CNJ 94/2020.

Na edição passada (Registro em tempos de crise VII) comentamos o referido artigo 4º do Provimento CNJ 94/2020, cujo teor é o seguinte:

Art. 4º. Durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), contemplada no caput, todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços

Vamos nos deter agora no § 2º do referido artigo.

Como já adverti anteriormente, este é um trabalho em curso. Aqui se lançam reflexões que serão aprofundadas em grupos de estudo do IRIB – especialmente a CPRI – Comissão do Pensamento Registral Imobiliário, hoje coordenada pelo registrador Jéverson L. Bottega.

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – VII – títulos em formato eletrônico

[atualizado em 2/6/2020]

A pandemia do COVID-19 desencadeou uma profusão de atos normativos e projetos de lei visando adequar o sistema registral às necessidades dos usuários dos serviços notariais e registrais em tempos de crise.

Tenho feito comentários esparsos sobre as implicações práticas e teóricas dos vários dispositivos de tais atos normativos neste espaço e há pouco tivemos notícia da proposição do PL 2942, de 2020, de autoria do Senador Flávio Arns (REDE/PR) que é, em certa medida, uma compilação dos atos normativos já baixados pelo CNJ.

Abaixo indiquei alguns pontos que podem servir à reflexão dos interessados na matéria. O art. 4º do Provimento CNJ 94/2020 é parcialmente reproduzido no art. 2º do PL 2942, de 2020. As observações feitas abaixo servem, naturalmente, e no que couberem, para a discussão do dito projeto de lei.

Os comentários devem ser considerados um working´n´progress e são passíveis de retificação – seja pela crítica dos leitores, seja pelo desenvolvimento dos estudos do autor.

Vamos aos comentários ao art. 4º do Provimento CN-CNJ 94/2020, de 28/3/2020.

Art. 4º. Durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), contemplada no caput, todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão[1] recepcionar os títulos nato-digitais[2] e digitalizados com padrões técnicos[3], que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados[4], e processá-los para os fins do art. 182 e ss da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973[5].

[1] – Dever – não faculdade. O verbo indica um dever, não uma mera faculdade. O ato normativo da Corregedoria Nacional de Justiça vincula os registradores (inc. XIV do art. 30 da Lei 8.935/1994) que devem observar seus termos com critério técnico. Não poderá o registrador negar acesso aos títulos recepcionados nos formatos indicados no ato normativo.

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – VI

Após a edição do Provimento CNJ 94/2020 uma série de novos atos normativos foram baixados pelo CNJ (acesso aqui) e pelas corregedorias dos estados.

Num primeiro impulso, dei-me à tarefa de comentar cada dispositivo do Provimento CNJ 94/2020, não só com o objetivo de conciliar os provimentos baixados no Estado de São Paulo (acesso aqui), onde atuo, mas igualmente para dar um sentido de orientação para os colaboradores do Quinto Registro de Imóveis, sob minha cura.

Iniciei com as consideranda do Provimento. Vamos seguindo passo a passo para adentrar nos temas instigantes que o provimento suscita e põe em relevo nestes dias de crise decorrente da COVID-19.

PROVIMENTO CN-CNJ 94, de 28 de março de 2020.

Dispõe sobre o funcionamento das unidades de registro de imóveis[1] nas localidades onde foram decretados regime de quarentena[2] pelo sistema de plantão presencial e à distância[3] e regula procedimentos especiais[4].

[1]Especialidade de Registro de Imóveis. O ato normativo abarca os serviços de Registro de Imóveis, embora contenha dispositivos que atinem a outras especialidades (v. § 1º do art. 4º, por ex.).

[2]Localidades em regime de quarentena. No artigo 1º deste Provimento há a indicação dos atos normativos que preveem quarentena nas localidades onde forem decretados regime de quarentena. Em São Paulo, o provimento se aplica, pois o governo estadual decretou a quarentena, embora não o lockdown (ao menos até a presente data).

Decreto 64.881 do Estado de São Paulo, de22/3/2020. Decreta quarentena no Estado de São Paulo, no contexto da pandemia do COVID-19 (Novo Coronavírus), e dá providências complementares.

[3]Presencial e à distância. A regulamentação acena para a atuação multimodal de atendimento aos usuários. Voltaremos ao tema nos comentários aos dispositivos específicos

[4]Procedimentos especiais. O caráter excepcional da norma deve ser levado em consideração para a exegese de algumas disposições do provimento.

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – V

No dia de hoje, sensível aos graves problemas enfrentados pelos registradores imobiliários de todo o Brasil, o ministro Dias Toffoli baixou o Provimento CNJ 94, de 28/3/2020, dispondo sobre “o funcionamento das unidades de registro de imóveis nas localidades onde foram decretados regime de quarentena pelo sistema de plantão presencial e à distância”, regulando os procedimentos especiais.

É um excelente ato normativo. Ele nos proporciona segurança e estabilidade, define com clareza as diretrizes e padrões que orientam o funcionamento do Registro de Imóveis neste tempo de crise.

É preciso reconhecer a importância das instituições no enfrentamento das ameaças e ataques, além das crises que nos assolam nestes tempos difíceis.

Registro o empenho e o trabalho do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. E o nome dos magistrados Alexandre Chini e Marcelo Martins Berthe, que sempre são sensíveis aos pleitos institucionais.

.

Registro em tempos de crise – IV

Nas nótulas anteriores visitamos o  Decreto Federal 10.278, de 18/3/2020, debruçando-nos sobre algumas hipóteses de autenticação extravagante de documentos e títulos inscritíveis. O objetivo é pavimentar o canal de intercâmbio de documentos eletrônicos criados pela ARISP em São Paulo.

Às pressas, e de modo um tanto improvisado – fato perfeitamente justificável em situações como as que estamos vivendo – vamos descobrindo que a maior dificuldade que talvez tenhamos que enfrentar é a cultura sedimentada ao longo de muitos anos na lida com documentos em papel.

É preciso encontrar meios de promover o aculturamento de processos tradicionais, substituindo-os por meios digitais.

É preciso reconstruir a doutrina registral – especialmente no que concerne à forma dos títulos inscritíveis.

Vão aqui algumas ideias, que podem – e serão – melhoradas no debate interno.

Continuar lendo

Registro em tempos de crise – III

No artigo anterior, visitamos o inc. I do art. 5º do  Decreto Federal 10.278, de 18/3/2020. Eles rezam:

Art. 5º O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:

I – ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;

O art. 5º do referido decreto se articula com o  art. 3º da Lei Federal 13.874, de 20/9/2019. Pode-se argumentar, e com boas razões, que o conjunto normativo não se aplicaria às atividades registrais, mas tão-somente às relacionadas à administração pública. Argumenta-se, igualmente, que a autenticidade e identidade não colhem os subscritores do escrito, mas tão-só o autor da digitalização.

É razoável o argumento. Todavia, o documento, assim digitalizado, poderá ser equiparado a documento físico “para todos os efeitos legais”. A oração se articula com a conjunção “e”, ligando-a a outro período, qual seja: “comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno”.

Continuar lendo