O doloroso cansaço do mundo

SIC TRANSIT GLORIA MUNDI (2005) Giorgio Salmoiraghi

À época do 38º Encontro Regional do IRIB, realizado entre os dias 24 e 25 de junho de 2019 na cidade de Cuiabá, Mato Grosso, estava imerso em especulações acerca da transitoriedade das coisas. A beleza dos homens, e tudo de nobre e belo que pudessem criar, tudo parece fadado à extinção.

Igualmente as instituições cumprem um itinerário, um certo desígnio, repleto de encontros e desencontros e de desenlace incerto.

Já àquela época se anunciavam as mudanças que o Registro de Imóveis experimentaria logo em seguida, embaladas nas reformas que nos colheram a todos desarmados. Lembrei-me, então, da Transitoriedade, pequeno artigo de Freud, de onde retiro a seguinte passagem:

“Algum tempo atrás, fiz um passeio por uma rica paisagem num dia de verão, em companhia de um amigo taciturno e de um jovem poeta, mas já famoso. O poeta admirava a beleza do cenário que nos rodeava, porém não se alegrava com ela. Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava condenada à extinção, pois desapareceria no inverno, e assim também toda a beleza humana e tudo de belo e nobre que os homens criaram ou poderiam criar. Tudo o mais que, de outro modo, ele teria amado e admirado, lhe parecia despojado de valor pela transitoriedade que era o destino de tudo.”[1]

De certa maneira a melancolia que então experimentava era análoga à do amigo taciturno. Em Cuiabá, apresentaríamos os resultados de nossos estudos acerca do SREI – Registro de Imóveis eletrônico, um extraordinário esforço humano, belo, singular, que parecia fadado ao perecimento.

As conclusões de Freud não calham e, de fato, não me interessavam minimamente. Sou um homem de fé. Acredito, firmemente, que nossas obras estão inscritas no Grande Livro da Vida, são perenes. Algo torna-se eterno quando entra na dimensão tangível da realidade. Além disso, podemos sempre nos lembrar de que “a beleza salvará o mundo”, como disse Dostoiévski.

A passagem do texto freudiano tocava-me especialmente por expressar a perplexidade essencial que experimentamos diante da constatação do destino inevitável de tudo que é humano e belo.

Não cabe neste opúsculo digressões metafísicas ou teológicas. Vale, quiçá, uma pequena crônica sobre as transformações experimentadas por homens e suas instituições e o modo pelo qual encaramos os desafios e os transcendemos. Busquei, naquela oportunidade, tocar a consciência dos meus pares.

Segue, com alterações, o discurso proferido na abertura dos trabalhos. O título é atribuído ao mesmo Freud.  

SÉRGIO JACOMINO

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Indisponibilidade de bens – inauguração

O desembargador Marcelo Berthe falou aos inscritos na abertura do curso Indisponibilidade de Bens (4/10) enfatizando a importância do evento para dar o aperfeiçoamento do sistema registral. Promovido pela Fundação Arcadas da Faculdade de Direito da USP, OAB-SP – Comissão de Direito Notarial e Registral e NEAR-lab – Laboratório de Estudos Avançados do Registro de Imóveis na abertura. O evento contou com o apoio do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e CNB – Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil.

Senhoras e senhores,

Peço licença para enviar esta mensagem diante da falta de disponibilidade de sinal de internet que me permita acessar a rede aqui de Boa Vista, Roraima, onde me encontro em trabalho de inspeção da Corregedoria Nacional.

O evento acadêmico que tem por tema a Indisponibilidade de Bens, promovido pela Fundação Arcadas, com a Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB São Paulo , com o apoio do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB e do Colégio Notarial do Brasil, toca em ponto sensível e de grande relevância para o direito e, em especial, para os serviços registrais e notariais.

Há muito a questão vem sendo objeto de preocupação da Corregedoria Nacional de Justiça, porque ao mesmo tempo em que assegura grande efetividade para as ordens judiciais e administrativas, o assunto reclama grande preocupação na busca pelo aprimoramento do instituto, cada vez mais utilizado em diversas situações, justamente por suas repercussões, muitas vezes indesejáveis, porque pode trazer um efeito contrário desnecessário e indesejável aos interesses econômicos relacionados com a circulação da riqueza, princípio de economia política importante para assegurar o desenvolvimento econômico.

Há muitas preocupações e interesses que envolvem a matéria, o que muito justifica sejam aprofundados os estudos que cercam o tema da indisponibilidade de bens.

A Corregedoria Nacional de Justiça vem promovendo o funcionamento do Operador Nacional do Registro Imobiliário Eletrônico – ONR, hoje já o responsável pela gestão e aprimoramento do funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens e, nesse sentido, congratula-se com os mencionados organizadores e apoiadores deste evento acadêmico, que contará com grandes nomes de estudiosos do direito, na certeza que as palestras e debates que se travarão durante a programação em muito virão contribuir para a melhor compreensão do direito material aplicável ao instituto da indisponibilidade de bens, como para o aprimoramento da regulação dos sistemas e meios eletrônicos existentes, que hão de merecer o desenvolvimento de novas funcionalidades, com a utilização das mais recentes tecnologias e o aproveitamento das inovações disponíveis.

Com esta breve mensagem, e na episódica impossibilidade de comparecer, mesmo que a distância, peço licença para cumprimentar a todos os envolvidos no evento que hoje se instala, organizadores, apoiadores, palestrantes, debatedores, e o faço na pessoa do ilustre Professor Celso Campilongo, a quem rendo homenagens e cumprimento, em nome da Coordenadoria de Gestão dos Serviços de Notas e Registro -CONR, da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ.

Com os votos de muitas felicidades e de pleno êxito, a todos parabenizo pela iniciativa.

Marcelo Martins Berthe

Marcelo Berthe é Desembargador do TJSP e Supervisor da Coordenadoria de Notas e Registro da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ.

Leia também:

  1. Programa do Curso Indisponibilidade de Bens.
  2. INDISPONIBILIDADE DE BENS: curso teve início com mais de 100 participantes em Abertura Solene. Site: IRIB.
  3. Indisponibilidade de Bens: entre o Direito, a Política e a Economia. Celso Fernandes Campilongo

Indisponibilidade de Bens: entre o Direito, a Política e a Economia

Celso Fernandes Campilongo*

O número de escândalos, golpes e desvios de recursos públicos praticados por políticos – de todas as esferas administrativas e partidos – é mais do que conhecido. As soluções supostamente redentoras também: “Operação Mãos Limpas”, “Lava Jato” e congêneres mundo afora. Nem as ilicitudes atreladas às bandalheiras dão tréguas, nem as ferramentas do Direito parecem detê-las. Parafraseando Mário de Andrade, no país de Macunaíma, dentre tantas mazelas, “Pouca Justiça e muita corrupção, os males do Brasil são”!

Na busca por instrumentos mais eficientes no enfrentamento dos problemas, a ordem jurídica constrói mecanismos que preservem o patrimônio público, inibam a bandidagem e restaurem a confiança nas instituições. Dentre eles, sem dúvida alguma, a decretação de “indisponibilidade de bens” avulta de importância. Aparentemente célere, liminar e poderosa, satisfaz a sede por mais Justiça e menos corrupção. Também é “vingativa”: regenera e revigora, tempestivamente, a sociedade dos “bons” diante dos “malfeitores”. Tudo muito maniqueísta e simplório para funcionar sem abusos, distorções e perversidades.

A força do Direito não reside no uso indiscriminado dos meios coercitivos. É antes o inverso: deve ter dosagem adequada e ser fruto da prudência, ponderação e técnica do aplicador do Direito, sob pena de desencadear efeitos perversos, não previstos e contrários aos objetivos do sistema jurídico.

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Kollemata é base para dissertação de mestrado na USP

Defesa da tese ocorreu hoje, 4/5/2021, a partir das 11h.

Intitulada “Algoritmos baseados em atenção neural para a automação da classificação multirrótulo de acórdãos jurídicos”, a dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP), para obtenção do título de Mestre em Ciências de Felipe Ribas Serras, teve como base a Kollemata, sistema de dados baseado exclusivamente no rico repertório jurisprudencial administrativo e registral imobiliário das últimas décadas, desenvolvido pelo Quinto Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo e Ex-Presidente do IRIB, Sérgio Jacomino.

Momento da proclamação do resultado. Felipe Serras foi aprovado por unanimidade.

O trabalho foi orientado pelo Professor Doutor Marcelo Finger e o tema faz parte do programa do curso de Ciência da Computação da USP. A foi apresentada no dia de hoje.

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LGPD. Centrais Estaduais de Serviços Eletrônicos Compartilhados

LGPD. Centrais Estaduais de Serviços Eletrônicos Compartilhados. adequação das Centrais à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais[1].

Senhor Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
Desembargador RICARDO MAIR ANAFE.

Honrados com a vista dos autos para oitiva do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, entidade que congrega todos os registradores imobiliários do Brasil, prestamos respeitosamente as seguintes informações.

Em síntese, o objetivo do requerente é a proibição de centralização de dados na ARISP, segundo ele, em virtude de potencial risco à privacidade de dados. Roga-se que os serviços prestados pela Central Estadual “sejam acessíveis apenas de maneira descentralizada”. Requer-se, ainda, seja concedido prazo “para que todas as associações privadas que controlam as Centrais venham a publicar padrões de comunicação para todos os serviços disponíveis em suas plataformas” e que se fixe um prazo para a “destruição das bases de dados pessoais externas aos cartórios, eliminando-se o modelo de bases de dados pessoais sob controle das associações de classe”, adequando-se as Normas de Serviço no que couber.

Passamos a expor nosso entendimento, articuladamente.

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Registro em tempos de crise – XII – Digitalização de títulos – metadados mínimos

No último post examinamos o Anexo I do Decreto nº 10.278/2020,  a fim de penetrar nos sentidos que se podem extrair do chamados títulos “digitalizados com padrões técnicos” (art. 4º do Provimento CNJ 94/2020).

Os chamados “padrões técnicos de digitalização” foram estabelecidos com o fim de “garantir a qualidade da imagem, da legibilidade e do uso do documento digitalizado” e figuram nos anexos do Decreto nº 10.278/2020.

Quais é a origem desse conjunto de regras e pressupostos que subjaz aos anexos do dito decreto? Eu sugeri no artigo anterior (Registro em tempos de crise XI) que esse conjunto de prescrições técnicas é oriundo do CONARQ e que o ONR deveria integrar o próprio SINAR – Sistema Nacional de Arquivos. Remeto o leitor para aquele artigo.

Vamos dar mais um passo, agora em direção ao Anexo II que nos revela uma tabela de metadados mínimos exigidos para os documentos digitalizados.

Anexo II
METADADOS[1] MÍNIMOS EXIGIDOS PARA TODOS OS DOCUMENTOS

METADADOSDEFINIÇÃO
Assunto[2]Palavras-chave[3] que representam o conteúdo do documento[4]. Pode ser de preenchimento livre ou com o uso de vocabulário controlado ou tesauro[5].

[1] – Metadados – o que são?

Metadados são dados estruturados que permitem classificar, descrever e gerenciar documentos – sejam eles natodigitais, digitalizados ou tradicionais. São dados sobre dados. Segundo a definição de HOUAISS, metadado é um “dado ou conjunto de dados sobre outro dado ou dados (p.ex., uma descrição de sua estrutura, características ou uma informação que torne tal dado inteligível, p.ex., para um computador)”.

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História do Registro de Imóveis eletrônico em revista

[Episódio #1]

Neste primeiro episódio, detalhamos o plano de trabalho que orientou as ações do grupo criado pelo CNJ para promover a modernização do sistema registral brasileiro. As parcerias com o Arquivo Nacional, a Biblioteca Nacional, o LSITec, a criação do e-Folivm, com o registro de suas atividades, tudo isso o registrador por acessar.

[Episódio #2]

Neste episódio, há um delineamento de uma nova perspectiva a respeito da gestão documental dos Registros Públicos brasileiros. Quais são as referências legais para que o acervo tradicional e digital possa ser conservado nas Serventias prediais de todo o Brasil?

[Episódio #3]

Aqui o espectador vai penetrar nas ideias que estavam em discussão no âmbito do Projeto SREI – suas referências tecnológicos, breve discussão sobre o poder normativo do Poder Judiciário, a distinção, que já se delineava claramente, entre os aspectos internos e externos do Registro de Imóveis eletrônico.

Registro em tempos de crise – VII – títulos em formato eletrônico

[atualizado em 2/6/2020]

A pandemia do COVID-19 desencadeou uma profusão de atos normativos e projetos de lei visando adequar o sistema registral às necessidades dos usuários dos serviços notariais e registrais em tempos de crise.

Tenho feito comentários esparsos sobre as implicações práticas e teóricas dos vários dispositivos de tais atos normativos neste espaço e há pouco tivemos notícia da proposição do PL 2942, de 2020, de autoria do Senador Flávio Arns (REDE/PR) que é, em certa medida, uma compilação dos atos normativos já baixados pelo CNJ.

Abaixo indiquei alguns pontos que podem servir à reflexão dos interessados na matéria. O art. 4º do Provimento CNJ 94/2020 é parcialmente reproduzido no art. 2º do PL 2942, de 2020. As observações feitas abaixo servem, naturalmente, e no que couberem, para a discussão do dito projeto de lei.

Os comentários devem ser considerados um working´n´progress e são passíveis de retificação – seja pela crítica dos leitores, seja pelo desenvolvimento dos estudos do autor.

Vamos aos comentários ao art. 4º do Provimento CN-CNJ 94/2020, de 28/3/2020.

Art. 4º. Durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), contemplada no caput, todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão[1] recepcionar os títulos nato-digitais[2] e digitalizados com padrões técnicos[3], que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados[4], e processá-los para os fins do art. 182 e ss da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973[5].

[1] – Dever – não faculdade. O verbo indica um dever, não uma mera faculdade. O ato normativo da Corregedoria Nacional de Justiça vincula os registradores (inc. XIV do art. 30 da Lei 8.935/1994) que devem observar seus termos com critério técnico. Não poderá o registrador negar acesso aos títulos recepcionados nos formatos indicados no ato normativo.

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ONR – eis a boa nova!

ONR – eis a boa nova!
Marcelo Martins Berthe*

Faz quase treze anos que isso aconteceu.

E finalmente hoje o registrador Flauzilino Araújo dos Santos chega à presidência do ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis brasileiro.

Considero que o ONR é a mais importante iniciativa que já se pode concretizar, porque trata de uma entidade civil de direito privado criada por lei e integrada, também por força de lei, pela Corregedoria Nacional de Justiçã, o seu Agente Regulador.

O ONR materializa e concilia, assim, o regime constitucional de delegação, fiscalizado pelo Poder Judiciário.

É uma pessoa jurídica de direito privado, diretamente regulada pelo Poder Público, que, embora dela não participe, porque ela é integrada pelos registradores que exercem a atividade em caráter privado, a ela empresta a autoridade do Poder Público, como seu Agente Regulador por força de expressa disposição legal.

Assim, o ONR tem personalidade jurídica de direito privado sui generis, sem paradigma, porque traz na sua gênese a estatalidade que lhe empresta a autoridade do Poder Público.

É nesse sentido de que o ONR se torna o mais legítimo interlocutor entre os delegados que exercem esse serviço público e o Poder Público delegante.

Na verdade é o cordão umbilical do serviço público de Registro de Imóveis, que liga o poder delegante aos delegados privados, numa única entidade civil criada por lei e instituída por registradores e sob supervisão do Poder Público, com o objetivo comum de implantar o registro imobiliário em meios eletrônicos.

Agora, depois de criado por lei e instituído na forma da lei em Assembléia Geral, há de ser registrado, adquirir personalidade jurídica e, finalmente, instalado, para que inicie o cumprimento de seus fins legais e estatutários.

Eis a boa nova.

*Marcelo Martins Berthe é Desembargador do TJSP e Juiz-Auxiliar da Presidência do CNJ – Conselho Nacional de Justiça.

ONR – nasce uma estrela

No dia 16 de abril de 2020 nasceu finalmente o ONR. Fruto do trabalho incansável de tantos registradores, a iniciativa finalmente veio ao mundo e tem à frente um imenso desafio.

Nesse dia de festa, na melhor tradição, comemoramos o nascimento de um ente que tem um longo passado. Essa é a maravilha dos homens e de suas criações: ambos têm um passado antes mesmo de nascerem! Na majestosa passagem do testamento, assim registrou o profeta: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci” (Jeremias 1:5).

Neste dia de dores e júbilo, quis, ainda que brevemente, levantar a voz em reconhecimento aos grandes nomes do Registro de Imóveis brasileiro. Penso que honro e dignifico a tradição. Recolho o tesouro legado por eles e lanço ao mar essa nave frágil e delicada. Que se cumpra o seu destino! (SJ)

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