IRIB – até aqui viemos e daqui outros haverão de partir

Sérgio Jacomino

Chegamos ao final de mais uma jornada. Foi uma travessia dura, cheia de desafios e percalços, de erros e acertos, de incompreensões e intolerância, mas também de acolhimento, entendimento e sabedoria. Esse tempo foi igualmente de coincidências significativas – essa estranha combinação de eventos fortuitos que as Moiras entretecem e que nos surpreendem a cada passo. Os que acompanharam com atenção o desenrolar de todo o trabalho desenvolvido na última década – seja no IRIB, seja no CNJ, ou ainda no âmbito acadêmico – compreenderão imediatamente o que se contém nesta afirmação.

A peça dura e informe de mármore que os colegas veem na ilustração é um símbolo e um desafio que representam o que nos aguarda logo à frente e evoca o trabalho que deverá ser empreendido para desbastá-lo pela arte e perícia da categoria. Eu chego ao termo derradeiro desta que é a minha quarta gestão à frente do IRIB convocando os registradores brasileiros a uma grande tarefa, que é artefatar o material sólido e bruto, porém nobre, e plasmar o novo Registro de Imóveis eletrônico brasileiro.

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IRIB – cartas a um ex presidente II

Seneval Veloso da Silva, Sérgio Jacomino e Natal Cicote. Foto: Carlos Petelinkar, 12/11/2019, São Paulo

Pedras no caminho.
It´s only rock´n´roll
Natal Cicote

O Boletim do IRIB em Revista 363 dedica a você uma parte do que conseguiu realizar em prol do Registro Imobiliário do Brasil.

Seriam necessárias algumas edições para enumerar suas lutas e glórias dedicadas ao Registro Imobiliário.

Sei que não seria fácil enumerar os “feitos” durante as quatro brilhantes gestões à frente do nosso querido Instituto.

Deixa um legado para novas gerações. Sei também o quanto lhe teria custado para destinar tanto tempo em suas peregrinações pelos quatro cantos deste nosso Brasil, para espargir conhecimentos e modernizar um sistema quase anacrônico.

Suas lutas não foram em vão! Por mais que se queira, é impossível mensurar o “bem” que fizeste ao Brasil. Deixa uma literatura clara nos mais diversos setores de nossa atividade. Os Registradores devem se orgulhar, pois hoje o Registro de Imóveis faz parte integrante do sucesso deste Brasil. Somos conhecidos e respeitados.

Pedras houve, claro. Desbastá-las foi o seu objetivo, para nossa grandiosidade.

Tive o privilégio de acompanhar um pouco de suas lutas para o nosso sucesso. Fico orgulhoso por isso e por desfrutar da amizade de um homem sincero, destemido e dedicado às nossas causas. Estou tão feliz quanto os demais registradores dos mais distantes rincões deste Brasil continental.

Nas suas jornadas, descobriu raros “brilhantes” que enriqueceram a literatura em nossa área. Nos deu oportunidades de ouvir novos talentosos Registradores, que certamente aumentarão os volumes em nossa Academia. Seu labor será visto como o de um “visionário”, que eu prefiro chamar de “prevenido”.

Que Deus, que é o nosso Grande Arquiteto do Universo, continue a protegê-lo junto à sua sacrificada família, digna também de receber nossos agradecimentos por tê-lo “dividido” conosco.

Que tenha muito tempo para dedicar a si mesmo e muito tempo de vida e o nosso infinito agradecimento.

IRIB – cartas a um ex presidente I

Ao finalizar o Boletim do IRIB em Revista n. 363, de abril de 2021, abri um espaço para cartas e mensagens recebidas ao término da nossa quarta gestão à frente do Instituto, este IRIB que me acolheu e de certa forma foi o responsável pela minha formação profissional.

Depois de impressa e distribuída, acabei recebendo algumas mensagens que figurariam certamente naquela edição, mas vieram depois de impressa. É uma pena. São depoimentos emocionantes, de amigos e colegas com os quais mantenho um relacionamento profissional de várias décadas.

Divulgo-as aqui, com muita alegria e agradecimento.

Novas lutas – velhos desafios

Eu tenho, ao longo dos anos, visto a sua luta e o seu empenho pelo Registro de Imóveis como instituição. Nunca se apegou, acertadamente, a registradores. A alguns deles dedica amizade e sinceridade. A outros dedica apreço profissional. Você sabe separar tudo isso, e tem o respeito de muitos. De uma parcela deles tem a inveja… Mas a vida segue. Nunca desista! Nunca deixe de ter projetos mesmo quando se ache aborrecido e acreditando no fim próximo da atividade. Ouço sobre o nosso fim desde que entrei na atividade em 1965. Homens morreram outros nasceram e a atividade segue adiante.

Luta institucional? Tem todo dia, todo instante, em todos os campos de batalha. Ora ganhamos, ora perdemos e a vida continua.

Você é uma referência para muitos dos nossos. Tem admirador do calibre de um Manoel Valente, Ademar Fioranelli, Flauzilino entre muitos outros. Tem a admiração de uma boa parcela de juízes e advogados que usam a sua plataforma de informações (Kollemata). Tudo isto não tem preço. O legado é imenso e não pode sofrer parada. Jamais!

Você é corajoso mesmo que não se aperceba disso, uma qualidade que Deus lhe conferiu. Não a desperdice.

Eu, agora fazendo a retrospectiva da minha vida profissional , me penitencio por erros cometidos , muitos , e por

Não desanime, siga em frente. A luta está começando. Discussões, aborrecimentos já fazem parte do nosso cotidiano.

AJL, 11 de maio de 2021.

ONR – vésperas da Lei 14.118/2021

SJ entrevista Marcelo Martins Berthe e Flauzilino Araújo dos Santos

O ONR e o SREI, como organismos sócio corporativos, ainda lutam para se firmar. São muitos os desafios, inúmeros os obstáculos, imensos os interesses que, por aparentemente contrariados, resistem como podem às mudanças corporativas e institucionais.

É preciso, portanto, contar esta história de transformações por que passa o Registro de Imóveis. Faço-o em nome próprio, colhendo, de maneira a mais fidedigna possível, o testemunho daqueles que foram os principais artífices dessa grande transformação do sistema registral brasileiro.

Sei que as crônicas do processo poderão nos dar no futuro uma importante chave interpretativa dos eventos que se sucedem e que vivenciamos no interior desta vetusta e honorável atividade que é o Registro de Imóveis.

O custeio do ONR

Na véspera da publicação da Lei 14.118, de 13 de janeiro de 2021, aguardávamos, ansiosos, o desenlace do trabalho de articulação e convencimento dos atores políticos acerca da importância do custeio do ONR. A questão que se nos apresentava era clara: ou criávamos rapidamente um mecanismo de sustentação e custeio do sistema, que permitiria a autogestão, ou logo cairíamos reféns de iniciativas estritamente privadas, sem qualquer tipo de controle institucional ou regulatório.

Havíamos recebido um sinal positivo da Presidência da República informando-nos que os parágrafos incluídos no art. 76 da Lei 13.465/2017 não haviam sido vetados. A notícia nos veio como um bálsamo. Sabíamos que havia uma intensa campanha de desinformação que se disseminava sub-repticiamente nas antecâmaras do Congresso Nacional e da própria administração, visando entorpecer a discussão e deslocar o eixo que justificava e dava arrimo à ideia de institucionalidade e sustentabilidade do ONR.

Nas vésperas do advento da lei eu dava algumas pistas do que ocorria nos intestinos do sistema em dois pequenos artigos veiculados aqui e alhures:

Registro de Imóveis eletrônico – uma conquista da sociedade brasileira, texto que era uma resposta a uma série de perguntas formuladas por um jornalista da Folha de São Paulo. Na edição de 18/12/2020 constataríamos que as respostas, dadas de forma precisa e objetiva, aparentemente decepcionaram o entrevistador que as reproduziu imperfeitamente em um espaço da grande imprensa que busca desencavar, como ali mesmo se diz, informações dos “bastidores da notícia”.

ONR – Aberta a temporada de caça às narrativas, em que rebatia os argumentos de um grande advogado paulista que foram veiculados em breve artigo publicado no Estadão de 25/12/2020;

Perguntava-me: que “bastidores” seriam esses se todas as nossas iniciativas institucionais eram alardeadas aos quatro ventos? Todos os passos foram dados em conformidade com decisões do CNJ, registrados em processos públicos. De que narrativas se alimentavam os que me entrevistavam?

Toda essa movimentação revelava claramente que havia – e ainda os há – certos interesses que nunca se explicitam claramente e que sempre se apresentam sob as máscaras de slogans funcionais e auto justificadores. O rol desses mitologemas foi explicitado e enfrentado nos artigos supra referidos.

Ao final e ao cabo desse processo turbulento, não se forneceu suficiente combustível para alimentar as narrativas que já eram bastante evidentes nas perguntas formuladas pelo jornalista e nos artigos que adrede se sucediam na imprensa. A nótula publicada na FSP, confrontada com as respostas dadas, revelou-se simplesmente ridícula.

“Que tiro foi esse”?

Mas, afinal, que interesses se aninham por trás de tantas investidas que avançam por caminhos tão sinuosos?

Não se deve esquecer que uma ADI foi proposta no STF contra o ONR por uma entidade da qual nunca se ouvir falar em nosso meio. O curioso, nessa série de artigos, é que o ataque sempre se dá por intermédio de atores que igualmente são completamente desconhecidos do meio jurídico especializado, embora sejam personalidades muito respeitáveis em outras áreas do Direito. São ilustres desconhecidos do Registro de Imóveis.

O ONR e o SREI certamente mexem com interesses muito poderosos. Muitos têm a exata dimensão do que estou falando e não calha aqui explicitá-los. Na condição de presidente do IRIB, à época de todos esses acontecimentos, coube-me a defesa da instituição. Posso lhes garantir que não foi uma tarefa fácil. Não foi simples.

Passado já um certo tempo, hoje assisto aos novos lances como simples espectador, perplexo, mas atento aos movimentos que, longe de amainarem, somente recrudescem dia após dia.

Ainda agora há uma proposição em curso no Congresso Nacional em que o ONR é novamente alvejado. É possível identificar as impressões digitais daqueles que impulsionam essa guerrilha contra o ONR e enfrentam as decisões e iniciativas do próprio CNJ[1]. Acerca desses fatos já não me cabe mais falar, eis que são temas que as entidades corporativas devem curar como possam ou queiram.  

Feitas estas considerações preambulares, deixe-me revelar uma entrevista que fiz com Marcelo Berthe e Flauzilino Araújo dos Santos nas vésperas da lei – no dia 12 de janeiro de 2021.

O registro de nosso colóquio flagrou um instantâneo de alegria e descontração, depois de um estresse tremendo que foi o acompanhamento da tramitação da MP 996, de 2020. (SJ).

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LGPD e o Registro de Imóveis – informação à CGJSP

Apresentação

A informação que o leitor vê abaixo foi o resultado de debates internos da diretoria do IRIB. A informação que afinal foi encaminhada à CGJSP pode ter sido modificada em virtude de sugestões recebidas no transcurso das discussões.

Posteriormente, a 10/9/2020, seria publicado o parecer proferido no Processo CG 109.323/2019 e editado o Provimento CG 23/2020 que dispôs sobre “o tratamento e proteção de dados pessoais pelos responsáveis pelas delegações dos serviços extrajudiciais de notas e de registro de que trata o art. 236 da Constituição da República e acrescenta os itens 127 a 152.1 do Capítulo XIII do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça”.

O dossiê relativo ao dito processo pode ser consultado na Kollemata: http://kollsys.org/pdp

Disponibilizo aqui o teor da informação tal e como foi debatida no âmbito do IRIB. (SJ).

IRIB – passado e futuro

O INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO DO BRASIL – IRIB, entidade representativa da classe dos registradores de imóveis, inscrito no CNPJ sob o nº 44.063.014/0001-20, com sede na Av. Paulista, 2.073 – Horsa I – Conjuntos 1.201 e 1.202 – Bairro Cerqueira César, CEP.: 01311-300 – São Paulo/SP, vem, respeitosamente, por meio de seu Presidente, Sérgio Jacomino, à presença de Vossa Excelência, apresentar sua MANIFESTAÇÃO em relação ao processo em epígrafe, que tem por proposta a edição de norma regulamentando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709/2018), conforme segue adiante.

O IRIB, ao longo da última década, dedicou-se com especial interesse ao tema da proteção de dados pessoais na perspectiva da publicidade jurídico-registral. Assim, no já longínquo ano de 2005, na cidade de São Paulo, o Instituto promoveu o Encontro Internacional Proteção de Dados, Novas Tecnologias e Direito à Privacidade nos Registros Públicos [mirror], evento que congregou juristas brasileiros e do exterior, reunidos para discutir temas relacionados com os que são objeto deste processo [1].

Mais recentemente, no transcurso dos anos de 2011 e 2012, dedicamo-nos a construir o arcabouço conceitual do SREI – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, em projeto capitaneado pelo CNJ, com colaboração dos registradores imobiliários paulistas e apoio científico do LSITEC – Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico.

O resultado dos trabalhos empreendidos naquele núcleo foi repercutido em ato pioneiro, baixado pela Eg. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Provimento 42/2012, posteriormente assimilado e veiculado por meio da Recomendação CNJ 14/2014, com o estabelecimento de regras gerais e diretrizes que deveriam ser observadas pelas Corregedorias dos Estados [2].

Na documentação técnica recepcionada pelo Conselho Nacional de Justiça, há um claro delineamento das funções registrais em meios eletrônicos em atenção à tutela dos dados privados dos titulares de direitos inscritos. As diretrizes que visavam preservar, de um lado, a privacidade dos dados pessoais e por outro vincavam os limites da publicidade registral em meios eletrônicos, tal e como serão abordados no parecer que se segue, foram objeto de intensos debates. Sobre o tratamento de dados pessoais, no ambiente eletrônico do SREI, ficou assim consignado nos documentos do SREI:

“Os dados do SREI possuem informações críticas relacionadas à privacidade das pessoas, como, por exemplo, endereço, estado civil, bens de direito que possui e valores destes bens de direito. Apesar da obrigatoriedade de acesso público destas informações, este acesso deve ser controlado a fim de garantir a privacidade dos dados das pessoas.

Os dados dos colaboradores também são informações que devem ser tratadas de forma a garantir a privacidade das informações” [3].

A construção da arquitetura do SREI recepcionava as conclusões a que chegaram os registradores pelos trabalhos pioneiros desenvolvidos e promovidos pelo IRIB.

Posteriormente, no bojo da NEAR-lab (Laboratório do Núcleo Avançado do Registro Eletrônico de Imóveis), incubado na atual gestão no IRIB, sob a coordenação da engenheira mecatrônica, Mst. ADRIANA JACOTTO UNGER, promoveu-se a POC-SREI (proof of concept do SREI), em que os temas teóricos ventilados nos encontros e nos projetos desenvolvidos pelo CNJ ganharam concretude e aplicação prática [4].

Mais recentemente, entre os dias 2 e 3 de setembro de 2019, em parceria com a Escola Paulista da Magistratura e a ARPEN-SP, O NEAR-lab e o IRIB promoveram o seminário Proteção de Dados Pessoais e os Registros Públicos, evento que congregou registradores, magistrados e outros profissionais do direito interessado no tema. Os artigos e palestras foram registrados nas páginas do tradicional Boletim do IRIB em Revista, cuja edição circula entre juristas e profissionais da área de registros e notas [5].

O pequeno sumário do trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos pelo IRIB se justifica para que Vossa Excelência possa ter acesso ao material que reputamos de grande valia para as importantes decisões que serão tomadas pela Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

Diretrizes – a missão do IRIB

O IRIB congrega os registradores imobiliários de todo o Brasil. No intuito de se obter diretrizes potencialmente aplicáveis a todo o país, este Instituto buscou a elaboração de parecer sobre a repercussão da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – Lei Federal n. 13.709 de 2019 – nos registros de imóveis (v. anexo), coordenado e elaborado pelo Prof. Dr. Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no âmbito do Instituto Legal Grounds for Privacy Design (Instituto LGPD – www.institutolgpd.com).

Os objetivos que nos animaram a aprofundar os estudos com o Prof. Dr. Juliano Maranhão foram os de municiar os órgãos reguladores do Registro de Imóveis eletrônico no sentido de indicar diretrizes e traçar as linhas gerais que poderão ser aproveitadas para a atividade própria de órgãos reguladores e correcionais do Poder Judiciário.

Finalidades precípuas da publicidade jurídico-registral

Ao tratar do Registro de Imóveis e de suas finalidades essenciais, o Parecer, em suma, concluiu que a lavratura de certidões pelos registradores não se destina à veiculação de dados, mas sim à produção de um meio jurídico de prova. Esta conclusão serviu de base às proposições apresentadas adiante naquilo que diz respeito ao poder-dever dos registradores de “lavrar certidão do que lhes for requerido” e de “fornecer às partes as informações solicitadas”.

Segundo mencionado Parecer, os registradores imobiliários atuam como responsáveis pela configuração da realidade jurídica, ou do “mundo jurídico” (Rechtswelt), constituída por um conjunto de posições e relações jurídicas derivadas de regras jurídicas. Quando o registrador certifica que alguém é proprietário, ou usufrutuário, de um certo e determinado imóvel, está enunciando um conjunto de vínculos jurídicos, resultantes de regras constitutivas de direitos objetivamente válidas. O registrador, ao registrar e certificar, atua como longa manus da sociedade organizada na alocação de posições jurídicas pelos mecanismos da qualificação e da publicidade registrais.

Disso resultam consequências importantes para a publicidade registral. Segundo o Parecer, a publicidade, e a sua efetivação pelo registrador – por exemplo, ao emitir uma certidão – não tem por finalidade a difusão das informações contidas no registro, mas sim a criação de um fato institucional por meio de um ato performativo, ou seja, um ato consistente em um mecanismo válido de prova para quem pretenda realizar negócios jurídicos sobre um certo bem.

Diante destas conclusões, como uma primeira sugestão, mostra-se conveniente consagrar em texto normativo a inadmissibilidade, já reconhecida desde muito tempo pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo[6], da consulta direta aos livros pelo interessado. O papel do registrador como “mediador” entre os livros e o interessado é reforçado pela nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, ao torná-lo garante do direito à autodeterminação informacional.

Certidão de inteiro teor

Outro ponto relacionado à finalidade da publicidade registral, ainda segundo o mencionado Parecer, diz respeito à emissão de certidões pelos registradores contendo elementos históricos da matrícula que se revelem irrelevantes para garantir a segurança das transações imobiliárias atuais, tais como aquisições anteriores, ônus e constrições já cancelados direta ou indiretamente etc. O fornecimento indiscriminado de certidões com estes dados violaria, potencialmente, o direito à autodeterminação informacional.

Nessa medida, advém uma profunda mudança na prática atual na expedição de certidões pelo Registro de Imóveis, já que o fornecimento de certidões de inteiro teor não se coadunará com o novo ambiente legal. No fornecimento de certidão do Registro de Imóveis deverá se dar publicidade tão somente das situações jurídicas vigentes: direitos reais atuais e ônus ativos que recaiam sobre o imóvel, na forma da lei. Essa mudança, contudo, exigirá dos oficiais de registro um considerável período de adaptação, já que o fornecimento de certidões da situação consolidada do imóvel exigirá, dos registradores, análise detida e percuciente da situação do registro antes da expedição de cada certidão.

Período de transição – cronograma e planejamento

O planejamento de prazo e de medidas para a transição é questão que exige maiores estudos, já que trará implicações complexas na realidade prática na diuturnidade das tarefas empreendidas pelas delegações extrajudiciais.

Sugere-se, para tal mister, a criação de grupo de trabalho misto, composto de magistrados e registradores, para estudar especificamente esse tema, a fim de verificar as medidas necessárias a serem adotadas na prática e o prazo requerido para a adaptação.

Por outro lado, a definição de um cronograma temporal para saneamento de todas as matrículas pode ser igualmente uma solução. Outra possibilidade pode ser a postergação até a implementação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), já que ele tem norma que levará a resultado semelhante: conforme observa-se no art. 10, 3, do Provimento 89 do Conselho Nacional de Justiça, foi estabelecido como um dos pilares do SREI a realização da “primeira qualificação eletrônica” e a abertura da matrícula eletrônica. Esta primeira qualificação deverá ser feita de maneira a se obter a situação “consolidada” do imóvel quando da migração ao meio eletrônico, e o consequente descerramento da matrícula eletrônica, formada por dados estruturados. Esta matrícula eletrônica, por sua própria essência, será publicitada por meio de certidões fundadas na situação jurídica atual do imóvel no momento em que solicitadas, nada revelando, como regra, dos fatos e atos anteriores que não mais projetem efeitos jurídicos sobre o bem. Com isso, tem-se que a incompatibilidade da certidão em inteiro teor da matrícula com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais estará saneada, salvo melhor juízo, pela estruturação do SREI baseada no uso da matrícula eletrônica, tal como previsto no Provimento CNJ n. 89/2019.

A mudança na estrutura das certidões, contudo, não decorre da mudança da plataforma do registro em suporte papel para o registro em suporte eletrônico. A mudança se impõe pelo novo marco legal sobre a proteção de dados pessoais.

Ainda, é certo que caberá a esta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça definir o melhor momento e o período de transição para que tal mudança seja colocada em prática. Os estudos sobre a transição precisam levar em consideração as dificuldades inerentes à mudança de tal prática, de forma a compatibilizar as demandas do novo marco legal com as limitações operacionais existente na rotina das unidades extrajudiciais.

Assim, como uma segunda sugestão, apresenta-se a adoção como padrão de publicidade registral imobiliária, após período de transição a ser definido, do uso da certidão consolidada – espécie de certidão por quesitos – cujo fornecimento não exigirá qualquer justificativa do solicitante; e, por outro lado, o fornecimento da certidão integral de atos presentes e passados como modalidade excepcional de publicidade, demandando demonstração de interesse.

Observe-se que segundo o já mencionado Parecer, o art. 17 da Lei n. 6.015 de 1973 somente é compatível com o reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal do status constitucional do direito à autodeterminação informacional quando a dispensa de interesse estiver restrita às situações em que a certidão é expedida para que sejam produzidos os efeitos próprios da função registral.

Por conseguinte, naquilo que diz respeito aos deveres de indicação de um Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais (Lei n. 13.709 de 2018, art. 23, III), da formulação e adoção de regras de boas práticas e governança (Lei n. 13.709 de 2018, art. 50), de relatórios de impacto à proteção de dados pessoais (Lei n. 13.709 de 2018, art. 38) e o exercício de acesso facilitado pelo titular dos dados (Lei 13.709 de 2018, art. 9º), sugere-se a formulação de autorização para que possam os registradores adotar soluções coletivas ou colegiadas, por exemplo, por meio do Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).

Trânsito eletrônico de dados

Não é unicamente relevante, para as considerações trazidas a este processo, as questões relacionadas com o output do sistema – como a publicidade registral, expedição de certidões, informações etc. Releva, igualmente, o input, ou seja: o acesso e o trânsito de informações entre os usuários e os oficiais de Registro de Imóveis.

Merecem especial atenção a entrada de títulos, requisições e as várias demandas que aportam o sistema registral eletrônico em meios digitais, transitando por entidades intermediárias – como Centrais Estaduais e o próprio ONR. Ou seja, além da mudança na estrutura das certidões, o Parecer aponta ainda para outras importantes repercussões da LGPD no âmbito do Registro Imobiliário, impondo-se cuidadoso estudo na compreensão dos intercâmbios eletrônicos entre os usuários e as serventias, destinatárias e emissoras de informações – o que poderá ser apreciado pelo grupo de estudos ora proposto.

Por fim, há aspectos que, salvo superior entendimento de Vossa Excelência, igualmente devem merecer a consideração da autoridade judiciária: o compartilhamento de dados pessoais com terceiros (entidades públicas e privadas), além do planejamento da uniformização de práticas e estruturação de governança sobre proteção de dados e privacidade no âmbito registral, a elaboração de Relatórios de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, avisos de privacidade, designação de Encarregado pelo Tratamento de Dados Pessoais, entre outros temas relevantes e conexos.

Ao ensejo, renovamos nossos protestos da mais alta estima e distinta consideração, ao mesmo tempo em que permanecemos à disposição de Vossa Excelência para quaisquer esclarecimentos julgados necessários.

São Paulo, 9 de julho de 2020.

SÉRGIO JACOMINO
Presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB


Notas

[1] O encontro internacional foi promovido pelo Irib em parceria com a AASP – Associação dos Advogados de S. Paulo, e se realizou entre os dias 28 e 29 de setembro de 2005, reunindo cerca de cem operadores do direito, todos voltados para as palestras e debates com os maiores especialistas em direito registral e informatização de Espanha e Brasil. Buscou-se a melhoria do sistema registral imobiliário em face dos avanços tecnológicos e revelando preocupação com a preservação do direito à privacidade, indispensáveis ao Estado Democrático de Direito e ao desenvolvimento socioeconômico do país. O resultado pode ser conferido na Revista de Direito Imobiliário, ed. 59, de dezembro de 2005, com seção especial dedicada ao tema. Vide Boletim do IRIB n. 322, jul./set. 2005, pp. 118 et seq.

[2] V. art. 1°: “Recomendar às Corregedorias Gerais da Justiça que na regulamentação ou na autorização de adoção de sistema de registro eletrônico por responsável por delegação de Registro de Imóveis, inclusive quando prestados com uso de centrais eletrônicas, sejam adotados os parâmetros e requisitos constantes do modelo de sistema digital para implantação de Sistemas de Registro de Imóveis Eletrônico – S-REI elaborado pela Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos – LSI-TEC em cumprimento ao contrato CNJ n° 01/2011”.

[3] V. NAVA. Matteo, BERNAL, Volnys. SREI – Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário – Parte 4 – Auditoria Operacional de TIC – B – Requisitos para o Ambiente Operacional de TI. São Paulo: Lsitec/CNJ, 30/5/2012, item 3.2.10, p. 33. Acesso: http://kollsys.org/p4g.

[4] Para acesso à POC-SREI, acesse: https://near-lab.com/2020/02/14/poc-srei/.

[5] Para acesso integral à publicação: http://kollsys.org/p4h.

[6] Cf. Processo CGJSP 42.249/2005. Acesso: http://kollsys.org/8oz

Registro em tempos de crise – IX – cédulas escriturais

Durante o período pandêmico foram baixados inúmeros atos normativos dispondo sobre o funcionamento dos cartórios de registro de imóveis em regime de plantão. Há um franco estímulo à utilização de plataformas digitais para recepção e processamento dos pedidos de registro ou de emissão de certidões.

O Provimento CNJ 94/2020 inovou a praxe dos cartórios em muitos aspectos. Terá sido uma medida muito positiva. Tenho me dedicado neste espaço a estudar alguns tópicos que a norma suscita.

Neste episódio, vou tratar das chamadas cédulas emitidas “sob a forma escritural”. A sua referência se acha no inc. IV do art. 4º do dito Provimento. A redação do art. 4º é a seguinte:

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Registro em tempos de crise – VIII – títulos digitalizados com padrões técnicos

Dando seguimento aos textos que venho divulgando com o objetivo de lançar elementos para debates e discussões sobre os atos normativos baixados pela Corregedoria Nacional de Justiça no curso da pandemia do COVID-19, apresento-lhes breve comentários ao § 2º do art. 4º do Provimento CNJ 94/2020.

Na edição passada (Registro em tempos de crise VII) comentamos o referido artigo 4º do Provimento CNJ 94/2020, cujo teor é o seguinte:

Art. 4º. Durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), contemplada no caput, todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços

Vamos nos deter agora no § 2º do referido artigo.

Como já adverti anteriormente, este é um trabalho em curso. Aqui se lançam reflexões que serão aprofundadas em grupos de estudo do IRIB – especialmente a CPRI – Comissão do Pensamento Registral Imobiliário, hoje coordenada pelo registrador Jéverson L. Bottega.

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Sistemas Registrais e a sua Diversidade – Mónica Jardim

Entrevistei a professora Dra. Mónica Jardim nas vésperas da palestra online que a professora ministrará, na quarta-feira, 20 de maio de 2020, às 14 horas, na plataforma do Youtube Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Marília (PPGD – Unimar) .

Confira abaixo as inteligentes respostas dadas às perguntas formulados pelo IRIB.

Amanhã (20.05), às 14 horas no horário de Brasília, a professora doutora em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal, Mónica Jardim, vai proferir a palestra online “Sistemas Registrais e a sua Diversidade”, no canal do YouTube do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Marília (PPGD – Unimar). Participarão como debatedores a professora-doutora, Mariana Ribeiro Santiago, o professor-doutor Elias Marques de Medeiros Neto e o professor-doutor Ivan Jacopetti do Lago.  

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SREI – ONR – SINTER em discussão

Em pauta iniciativas para o segundo semestre de 2020

O Presidente do IRIB, Sérgio Jacomino, presidiu na tarde de ontem (12/5) a reunião da diretoria executiva e nominativa do Instituto para tratar de temas do interesse dos associados e para programar as próximas etapas e atividades do IRIB programadas para o segundo semestre de 2020, tendo em vista os grandes transtornos causados pelo COVID-19 aos registradores imobiliários e ao próprio Instituto, cujos colaboradores estão em quarentena.

Presentes à reunião, além do Presidente, Sérgio Jacomino (SP) os registradores Jordan Fabrício Martins (SC), Fabiane de Souza Rodrigues Quintão (MG), George Takeda (SP), Naila de Rezende Khuri (SP), Caleb Matheus Ribeiro de Miranda (SP), Daniel Lago Rodrigues (SP), Daniela Rosário Rodrigues (SP), Flauzilino Araújo dos Santos (SP), Ivan Jacopetti do Lago (SP), Izaias Gomes Ferro Junior (SP), além de Lourdes Andrade Capelanes (secretária), Fábio Fuzari e Daniela dos Santos Lopes Fuzari (corpo técnico do IRIB). Justificou a sua ausência o registrador João Baptista Galhardo.

O Presidente fez um prévio relato que serviu de base para as discussões de alguns dos tópicos tratados na reunião. Entre os assuntos enfrentados, arrolam-se os:

ONR, SREI e SINTER

Segue-se um breve relato aos Srs. diretores e Sras. Diretoras das notícias relativas às últimas decisões da Corregedoria-Nacional do CNJ a respeito dos temas – ONR, SREI e SINTER.

Todos tiveram conhecimento pela divulgação com destaque das sessões do CNJ que aprovaram o Provimento 89/2019, que dispôs sobre o “Código Nacional de Matrículas – CNM, o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI, o Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado – SAEC e o acesso da Administração Pública Federal às informações do SREI”. O CNJ fixou com o dito ato normativo “diretrizes para o estatuto do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – ONR”. 

Ministro Dias Toffoli conduziu no final de 2019 as sessões de aprovação do ONR
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ONR – nasce uma estrela

No dia 16 de abril de 2020 nasceu finalmente o ONR. Fruto do trabalho incansável de tantos registradores, a iniciativa finalmente veio ao mundo e tem à frente um imenso desafio.

Nesse dia de festa, na melhor tradição, comemoramos o nascimento de um ente que tem um longo passado. Essa é a maravilha dos homens e de suas criações: ambos têm um passado antes mesmo de nascerem! Na majestosa passagem do testamento, assim registrou o profeta: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci” (Jeremias 1:5).

Neste dia de dores e júbilo, quis, ainda que brevemente, levantar a voz em reconhecimento aos grandes nomes do Registro de Imóveis brasileiro. Penso que honro e dignifico a tradição. Recolho o tesouro legado por eles e lanço ao mar essa nave frágil e delicada. Que se cumpra o seu destino! (SJ)

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