Lei 6.015/1973 – passado, presente e futuro

A LRP comemora o seu cinquentenário no corrente ano de 2023. Outra lei, igualmente importante, cumpre o seu 178º ano do aniversário neste 2023. Ela inaugurou o que se poderia chamar de regime de publicidade hipotecária no país. Trata-se da Lei Orçamentária 317, de 21 de outubro de 1843, ancestral sobre cuja base a atual LRP se assentaria. Além disso, comemorou-se, no ano passado (com evento comemorativo realizado neste ano em Bruxelas, na Bélgica), o cinquentenário da fundação do CINDER – Centro Internacional de Direito Registral, evento que guarda importante relação com o advento da Lei 6.015/1973, como brevemente veremos logo abaixo.

A Lei de Registros Públicos, como toda obra humana – especialmente a legislativa –, alicerça-se nos seus antecedentes, renova-se a cada caso concreto sobre o qual incide, e projeta-se rumo ao futuro, suportando as reformas contínuas que inexoravelmente experimenta ao longo do tempo.

Afrânio de Carvalho, XIII Encontro do IRIB, Rio de Janeiro, 1985.

Afrânio de Carvalho, XIII Encontro do IRIB, Rio de Janeiro, 1985.

Quem terá sido o autor intelectual da reforma representada pela Lei 6.015/1973 é matéria ainda sob investigação. IVAN JACOPETTI DO LAGO nos dá excelentes pistas no livro que publicou – História do Registro de Imóveis (São Paulo: RT, ed. 2020, p. 248, item 4.4.4, passim). Muitos terão sido os protagonistas, mas em todos os cenários desponta a figura proeminente de AFRÂNIO DE CARVALHO, professor emérito no Rio de Janeiro, autor de obra de referência sobre Registro de Imóveis, conhecido no âmbito acadêmico e na jurisprudência, onde a obra fez fortuna.

AFRÂNIO havia apresentado um projeto de lei já em 1947 (DOU de 15/1/1948) versando sobre reforma agrária e encaminhando-o ao Congresso Nacional a 12/1/1948. Neste projeto, buscava conciliar duas instituições – cadastro e registro – um objetivo que perseguiria por toda a sua vida. O projeto não prosperaria no Congresso Nacional, mas desencadearia intensa discussão sobre a conexão que deve existir entre duas instituições: o Cadastro e o Registro de Imóveis. A Lei 10.267/2001 é uma espécie de botão tardio das discussões que se iniciaram ainda no começo do século XX.

Mais tarde, AFRÂNIO apresentaria anteprojeto que antecedeu o advento do Decreto-Lei 1.000, de 1969 (DOU de 21/10/1969) e o PLC 2.267/1970, que se converteria afinal na Lei 6.015/1973. Ambas as iniciativas se tornariam alvo de severas críticas. AFRÂNIO revela, em seu famoso livro (Registro de Imóveis, Rio de Janeiro: Forense, 1982, pp. 10 et seq.) que havia apresentado, em fevereiro de 1969, anteprojeto de sua autoria ao Ministério da Justiça que o remeteria às Corregedorias-Gerais dos Estados para coleta de sugestões. Acabou por redigi-lo de modo açodado, pois visava antecipar-se ao regulamento que estava sendo elaborado pelos Serventuários de Justiça, coordenado pelo Desembargador LUIZ ANTÔNIO DE ANDRADE, do Rio de Janeiro.

A vigência do Dec.-Lei 1.000/1969 seria postergada várias vezes e, numa delas, lê-se que o Poder Executivo remeteria ao Congresso Nacional, por meio de mensagem, projeto de lei visando à alteração de várias de suas disposições, almejando que, ao entrar em vigor a nova lei, já se tivesse a estrutura legal definitiva (dicção do Decreto 67.375/1970). A iniciativa viria, contudo, de projeto apresentado pelo deputado ACCIOLY FILHO a 19 de agosto de 1970 (PLC 2.267/1970 – DCN I, 20/8/1970, p. 4043). A foto do deputado e senador vai abaixo:

Faltam-nos elementos para verificar, com precisão, a origem tanto do anteprojeto que redundou no Decreto-Lei 1.000/1969, quanto das propostas de suspensão de vigência da própria Lei 6.015/1973, que dormitaria ainda alguns anos até que entrasse plenamente em vigor em 1976. Sabemos que a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo atuou intensamente no sentido do aperfeiçoamento do PLC 2.267/1970, apresentado na Câmara Federal em 1970. Sabemos disso pelos depoimentos que se colhem aqui e acolá, mas, especialmente, pelo reconhecimento expresso feito no relatório do Dep. JOSÉ SALLY (DCN 1/12/1971, p. 7.454).

Na verdade, o PLC 2.267/1970 visou alterar o Dec.-Lei 1.000/1969, ainda na sua vacatio. A fiar-se no que nos revela GLACI MARIA COSTI, foram os defeitos do Decreto-lei 1.000/1969 que motivaram a apresentação do projeto de lei que redundou, afinal, na Lei 6.015/1973 (Boletim da ASJESP 98/33, 1974).

O PL seria retirado de tramitação, mas logo retornaria, a pedido do Dep. ÍTALO CONTI, do Paraná (22/5/1971). O dito PLC foi elaborado a partir da contribuição feita pelo conterrâneo do Dep. ACCYOLI, o registrador imobiliário curitibano, Dr. RUY FERREIRA DA LUZ, como resultado das “perplexidades a que conduziria a aplicação do Decreto-Lei 1.000, pelas suas omissões e equívocos”, como disse o deputado na justificativa do projeto. Diria mais: a execução DL 1.000/1969 achava-se prejudicada por impropriedades em seu texto, crítica a que se uniu o nosso ELVINO SILVA FILHO (RT 413/410, 1970), entre outros registradores de escol.

O trabalho elaborado e apresentado ao Ministério da Justiça contou com a colaboração de vários registradores. Diz GLACI que o seu Estado (Rio Grande do Sul) participou por meio de seus Oficiais de Registro de Imóveis, mas terá sido o Estado de São Paulo “o maior colaborador, o maior patrocinador, através, também, de sua Corregedoria-Geral, de todos os trabalhos que resultaram na sustação do Decreto-lei 1.000/69 e de alguns dos méritos existentes na Lei 6.015 de 1973”. O sistema introduzido na lei, segundo a registradora gaúcha, é resultado do estudo, do trabalho de colaboração, trazidos principalmente de São Paulo (idem, p. 35, passim).

O PLC 2.267/1970 teria ainda um percurso acidentado. Apresentou-se substitutivo no Senado e outro novamente na Câmara federal, até que, por fim, na sessão do dia 4/12/1973, depois de aprovado o requerimento de urgência formulado pelo Dep. GERALDO FREIRE, em discussão única encaminhada pelos Dep. FRANCISCO AMARAL e SINVAL GUAZELLI, o substitutivo foi aprovado e logo encaminhado à sanção presidencial, tomando a lei o número 6.015, de 1973.

Mudança de paradigmas – inovações tecnológicas e o fólio real

A Lei 6.015/1973 recolheu as contribuições dos registradores imobiliários que, afinados com as tendências mundiais, propuseram reformas estruturais na legislação pátria. Digno de nota, é o fato de que no ano de 1972, entre os dias 27 de novembro e 2 dezembro, congregados na cidade de Buenos Aires, Argentina, os registradores imobiliários de vários países se reuniriam para fundar o CINDER – Centro Internacional de Direito Registral. Na ocasião, temas muito importantes foram debatidos, como a mecanização e informatização dos registros imobiliários e a adoção do fólio real. Participaram desse importante encontro delegações da Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, Costa Rica, Equador, Espanha, França, Grécia, Honduras, Itália, Nicarágua, México, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Suíça, Uruguai e Venezuela. A delegação brasileira seria chefiada pelo registrador ELVINO SILVA FILHO, em virtude da ausência justificada do então presidente da Associação dos Serventuários de Justiça de São Paulo, JÚLIO DE OLIVEIRA CHAGAS NETO. Ela foi composta por PEDRO SILVEIRA GONÇALVES (SP), ELVINO SILVA FILHO (SP), NELSON LOBO (SP), ELY GUEDES (SP), JOSÉ FERNANDO DE CONTI (SP), ACRÍSIO CARDOSO DE SOUZA (SP), EDSON JOSUÉ CAMPOS OLIVEIRA (SP), LÉA EMÍLIA BRAUNE PORTUGAL (Brasília), FRANCISCO CASIMIRO MARTINS FERRAZ (MG), CARLOS HENRIQUE SALLES (MG), ANTONIO PÁDUA RAMOS MELLO (RJ), FERNANDO BEZERRA FALCÃO (RJ), SILVÉRIO XIMENEZ AZEVEDO (RJ) e ROBERTO BAIER (SC). 

Elvino Silva Filho, ao lado de Léa Emília Braune Portugal, nas reuniões do I Encontro Internacional do CINDER, 1972, Buenos Aires, Argentina.

Participaram, como convidados, o desembargador JOSÉ CARLOS FERREIRA DE OLIVEIRA, Corregedor-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, e o Dr. RUI DE MELO ALMADA, Juiz de Direito da Vara dos Registros Públicos da Capital de São Paulo. Vê-se a importância, desde cedo, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo ao lado da Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo na reforma da Lei 6.015/1973. Antes mesmo de sua entrada em vigor, GILBERTO VALENTE DA SILVA e EGAS DIRSON GALBIATTI, juízes da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos de São Paulo, baixariam os Provimentos 2/1975, 5/1975, 1/1976, 2/1976, consolidando-os no Provimento 3/1976, de 17/2/1976 (http://kollsys.org/gmo), adiantando-se, assim, à entrada em vigor da LRP, alterada na altura com as alterações da Lei 6.216, de 30 de junho de 1975. Já nas vésperas da entrada em vigor da LRP, previa-se a utilização de sistemas de processamento de dados (art. 2º).

Voltando ao CINDER, a Delegação Brasileira participou ativamente das comissões temáticas. O documento final aprovado (CARTA DE BUENOS AIRES), recebeu a assinatura dos Presidentes das Delegações da Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Canadá, Costa Rica, Equador, Espanha, França, Grécia, Honduras, Itália, Nicarágua, México, Paraguai, Peru, Porto Rico, República Dominicana, Suíça, Uruguai e Venezuela. A Delegação Brasileira encaminharia um relatório, acompanhado de memorial, ao Ministro da Justiça e ao Corregedor Geral da Justiça paulista oferecendo sugestões para a modificação do Decreto-lei 1.000/1969 com a finalidade “de que o Registro da Propriedade Imóvel no Brasil, e, principalmente, nos grandes centros urbanos, possa ser feito de acordo com a conquista da tecnologia moderna, aproveitando os avanços da cibernética, e, ganhando em celeridade e racionalização”. ELVINO SILVA FILHO, ao lado de OSCAR A. SALAS MARRERO (Costa Rica), FERNANDO MUÑOZ CARIÑANOS (Espanha), FRANCISCO VASQUEZ FERNANDES (México), IVÁN ESCOBAR FÓRNOS (Nicarágua) e RAÚL R. GARCIA CONI (Argentina), redigiriam as conclusões da Comissão III, encarregada de discutir e aprovar seus termos (vide box abaixo).

As propostas oferecidas pelos registradores brasileiros seriam, posteriormente, encaminhadas às autoridades brasileiras e dariam fundamento para a reforma do Dec.-Lei 1.000/1969. Verifica-se que a mecanização do registro, com a adoção da microfilmagem e a utilização de meios eletrônicos, além da adoção do fólio real –  pontos centrais da reforma – já haviam sido debatidos no encontro de 1972 e 1974, e repercutiram no sentido da reforma.

IRIB – e a reforma da Lei 6.015/1973

É perfeitamente possível retraçar claramente a influência que os encontros internacionais, dos quais os registradores brasileiros participaram ativamente, tiveram na Lei de Registros Públicos. Das discussões em fóruns internacionais foram recolhidos os elementos que seriam apresentados e fundamentariam os debates legislativos.

Dois anos após o Encontro de Buenos Aires, no transcurso do II Congresso Internacional de Direito Registral, realizado em Madri entre os dias 30 de setembro a 5 de outubro de 1974, o Brasil, por decisão unânime, assumiria Vice-Presidência da Primeira Assembleia e da Mesa Diretiva do Congresso. No retorno ao país, os registradores, já representados à altura pelo recém fundado IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, se entrevistaria com o Ministro da Justiça ARMANDO FALCÃO, igualmente colega registrador imobiliário do Rio de Janeiro. O IRIB seria então convidado para colaborar na reformulação da Lei n. 6.015, trabalho que contou com a participação de TABOSA DE ALMEIDA (Recife – PE), JOÃO MARTINS DA COSTA NETO (Salvador – BA), FRANCISCO CASIMIRO MARTINS FERRAZ (Belo Horizonte – MG), MARIA HELENA LEONEL GANDOLFO, JETHER SOTTANO, ELVINO SILVA FILHO (São Paulo), EIBE POSPISSIL e RUY FERREIRA DA LUZ (Curitiba – PR), ROBERTO BAIER (Blumenau – SC), OLY ÉRICO DA COSTA FACHIN e GLACI MARIA COSTI (Porto Alegre – RS).

Oswaldo de Oliveira Penna, Lydia Chagas, Júlio de Oliveira Chagas Neto, Desembargador Márcio Martins Ferreira, Nestor Osvaldo Goméz, Ministro José Geraldo Rodrigues de AIckmin

Contando com a efetiva colaboração desses Oficiais de Registro de Imóveis, foi elaborado um anteprojeto de Lei que foi entregue ao Ministro JOSÉ GERALDO RODRIGUES DE ALCKMIN, submetido à consideração do Ministro JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, coordenador, na época, dos códigos e leis que seriam enviados para a apreciação do Congresso Nacional. Sabemos que o dito anteprojeto foi encaminhado ao General ERNESTO GEISEL como colaboração do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil.

Glaci Maria Costi (RS) teve importante papel nos debates que antecederam a entrada em vigor da Lei 6.015/1973 (ao lado, foto do III Encontro do CINDER, San José de Porto Rico, 1977).

ELVINO e seus colegas brasileiros estiveram nos congressos inaugurais do CINDER – Buenos Aires (1972), Madri (1974), São José de Porto Rico (1977). Nestes certames internacionais discutiram e debateram temas de importância para o aperfeiçoamento das atividades registrais. Assim, a adoção do fólio real (instituído sobre a base física imobiliária), a mecanização do registro, a função institucional do registrador, parcelamento do solo etc. entraram na pauta e figuravam nas conclusões. Destaco dois importantes depoimentos acerca de temas que agitavam os debates e que seriam cruciais na modernização do Registro de Imóveis brasileiro, o primeiro deles de ELVINO SILVA FILHO:

“E, nesta oportunidade, não poderíamos deixar de nos referir, também, à utilização de computadores, uma vez que os Registros de Imóveis, além de serem os repositórios dos imóveis e das pessoas dos titulares de direitos sobre eles, devem possibilitar precisas informações sobre esses dois dados ou elementos”.

“A mecanização dos registros possibilitará, assim, no Brasil, em futuro não muito remoto, a aplicação da cibernética, mediante a utilização de computadores, para o processamento das informações sobre os imóveis e os titulares do seu domínio” […].

“Dir-se-á que tais previsões são um tanto quanto visionárias de nossa parte, para a implantação no Brasil. Não comungamos, todavia, dessa opinião. Se o homem dispõe da máquina para a sua utilização, por que não a utilizar para u’a maior eficiência nos seus serviços?” (RT 1975, 477/34).

Júlio de Oliveira Chagas Neto (Primeiro Presidente do IRIB), Lydia Chagas; Desembargadores Márcio Martins Ferreira, José Carlos Ferreira de Oliveira; Ministro José Geraldo Rodrigues de Alckmin; Desembargador Gentil de Carmo Pinto e Dona Luisa Berlingeri Fuster.

O desembargador paulista MÁRCIO MARTINS FERREIRA – que contribuiu enormemente com a reforma da lei –, vaticinava o impacto que as novas tecnologia da informática haveriam de ter nas atividades registrais:

“E tudo isso sugere uma outra advertência: será preciso, desde logo, que o estudo da Cibernética entre nas cogitações dos responsáveis pela eficiência dos Registros Imobiliários. A Cibernética ‘filha da simbiose de necessidades científicas e militares, é apenas um belo nome, de estirpe grega, para a segunda revolução industrial’. Dela podemos dizer que será a alavanca de alterações e de adaptações sociais e irá reformular o próprio Direito. […]”.

“Ela se apressa a penetrar em todas as áreas da atividade humana, como o ‘fruto da árvore da ciência do bem e do mal’. Como já se tem notícia à medida em que o Brasil vai entrando na era do computador, sua aplicação vai se difundindo e se multiplicando’: registros públicos e controles sobre propriedades (móveis e imóveis); registros de comércio, aplicações no terreno fiscal; contabilidade computada em bancos, INPS etc.” (Márcio Martins Ferreira – Discurso na fundação do IRIB).

Conclusões

Há muito ainda a ser investigado a respeito das mudanças que ao longo do tempo a legislação registral experimentou e vem ainda sofrendo. De um modo geral, não temos apreço pela história da nossa instituição. Ainda agora, com o advento da Lei 14.382/2022, outra reforma alteraria a vetusta LRP sem que houvesse uma ampla e profunda discussão no âmbito do IRIB, instituto que desempenhou ao longo de quase cinquenta anos o papel de principal interlocutor do Registro de Imóveis brasileiro. Poder-se-ia perfeitamente parafrasear o grande ELVINO SILVA FILHO na crítica corajosa que fez ao projeto do Regime Militar: “Não nos parece que a sistemática dos Registros Públicos existente no Brasil necessitasse de uma urgente reforma, para que fosse promulgado um decreto-lei de afogadilho [nos dias que correm por meio de medida provisória…], no final de um governo que iria ser substituído, cujo projeto ninguém viu, ninguém previamente o conheceu para que pudesse estudá-lo, debatê-lo, e, assim, apresentar sugestões que viessem melhorá-lo, escoimando-o de imperfeições e obstáculos insuperáveis que, fatalmente, ocorrerão na sua execução prática” (RT 413/410, 1970).

GLACI MARIA COSTI faz coro a este persistente desconforto: “Parece-me que as várias tentativas empreendidas no sentido de se modificar o sistema de execução do registro imobiliário, tem até o presente fracassado, em parte, pela maneira restrita, limitada, quase hermética, a bem dizer, com que têm sido tratados os assuntos respectivos, na fase de sua elaboração legislativa” (Boletim da ASJESP 98/32, 1974).

De fato, assim como foi em 1969-1973, hoje temos uma legislação que não honrou as tradições e a história do nosso direito registral, enxertando, na frondosa árvore do Registro Imobiliário pátrio, institutos jurídicos alienígenas que não guardam coerência sistemática com o nosso exemplar modelo de registro de direitos.

Entretanto, estes são outros quinhentos. Na próxima oportunidade, poderemos falar um pouco mais sobre esta e outras histórias do registro de imóveis e de suas vicissitudes.

Carta de Buenos Aires – Comissão III – Conclusões.

I) A mecanização – simples meios instrumentais – deve estar sempre subordinada aos princípios substantivos e aos propósitos essenciais do sistema de registro.

II) O grau de mecanização a ser alcançado também é condicionado pelas peculiaridades legais e pelas circunstâncias geopolíticas e socioeconômicas de cada país.

III) Os órgãos competentes de cada país, neste particular campo de direito, estudarão e implementarão, nos Registros da Propriedade, as modernas técnicas de racionalização do trabalho administrativo e mecanização.

Elvino Silva Filho – CINDER, Buenos Aires, 1972.

IV) Considerando a natureza jurídica da registração, seus fins de autenticação dimanam unicamente do processo documentário, cuja elaboração é exclusiva de quem expede o documento inscritível de um lado e, por outro, de quem, no exercício da função registral, redige e prática assento. Do exposto, resulta que não é suficiente, do ponto de vista do seu valor legal, o simples armazenamento de informações em um suporte material como o cibernético, senão que é indispensável, em contraste, a constância formal, redigida e firmada pelo registrador.

V) A mecanização não pode limitar o nascimento de novas figuras jurídicas que devem ter acesso ao Registro ou obrigar o uso de modelos para contratação.

VI) Deve adotar-se como base para o registo da unidade imobiliária e sua manifestação formal por meio do fólio ou ficha real que facilita a vinculação com o cadastro e o uso de procedimentos técnicos de registração compatíveis com a segurança jurídica e de celeridade que reclama o tráfego [jurídico] contemporâneo.

VII) Não devem ser incluídos no fólio real, atos ou cláusulas de conteúdo puramente pessoal ou que não tenham transcendência real, sem prejuízo de sua correlação com assentos que são praticados separadamente. VIII) Considera-se aconselhável utilizar a técnica de fólios móveis como elemento de suporte do registro em substituição a livros encadernados ou protocolos.

Elvino Silva Filho. CINDER, 1972, Buenos Aires, Argentina

IX) O acesso às informações registradas deve se dar por meio de índices auxiliares mecanizados e atualizados de bens e pessoas a permitir a sua localização tanto pelos dados identificadores do imóvel como pelo nome do titular do direito inscrito.

X) Recomenda-se o uso de microfilmagem e, em geral, de qualquer procedimento de segurança a fim de facilitar a reconstrução total ou parcial do Registro e a conservação de documentos e livros antigos que devam ser arquivados.

XI) A legislação que disponha sobre o funcionamento dos Registros deverá prever os seguintes aspectos fundamentais:

a) requisitos e condições pessoais dos registradores que assegurem a sua formação ética, jurídica e técnica para o exercício das suas funções, incluindo a exigência de título universitário que o habilite para o desempenho de atividades e funções jurídicas e acesso ao cargo mediante um adequado sistema de concursos públicos e avaliação de antecedentes, além da inamovibilidade garantida enquanto perdurar sua boa conduta.

b) Os recursos econômicos e financeiros dos cartórios e sua administração autárquica, mediante taxas, emolumentos ou honorários que permitam o cumprimento de suas finalidades específicas, com pessoal devidamente remunerado.

XII) Recomenda-se a realização de cursos e seminários sobre Direito Registral e Técnica de Registro para o pessoal de registro.

XIII) É necessário estabelecer normas legais que regulem o relacionamento entre registos imobiliários e organismos cadastrais que preservem suas respectivas autonomias funcionais, que estabeleçam a devida coordenação e eliminem subordinações e interdependências.

XIV) As modernas técnicas de registro devem ser usadas como um meio de assegurar não somente os legítimos direitos privados e a segurança e agilidade do tráfego jurídico-imobiliário, mas também a efetiva função social da propriedade e a melhor distribuição da riqueza, a factibilidade de programas massivos de titulação de terras, estatísticas que proporcionem aos governos o conhecimento da realidade imobiliária e sejam úteis para o planejamento econômico e provejam um controle adequado do cumprimento das leis de interesse social relacionadas à riqueza imobiliária. [Buenos Aires, 2 de dezembro de 1972. Elvino SILVA (Brasil), Oscar A. SALAS MARRERO (Costa Rica); Fernando MUÑOZ CARIÑANOS (Espanha), Francisco VAZQEZ FERNANDES (México), Iván ESCOBAR FÓRNOS (Nicaragua) y Raúl R. GARCIA CONI (Argentina). – Secretario: Ernesto Emilio CALANDRA].

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