“…conhecendo o que os que esto leerem que nom screvo do que ouvy, mes daquello que per grande custume tenho aprendido”. (Dom DUARTE I, 1391-1438. Livro da Ensinança do Bem Cavalgar toda Sela)
Introdução
Toda reforma institucional tem uma história. O SERP – Sistema Eletrônico de Registros Públicos não foge à regra. Este organismo artificial, resultado de tour de force empreendido por agentes do mercado financeiro e de capitais[1] e de representantes do setor imobiliário – apoiados por alguns registradores, impulsionados pelo Ministério da Economia – desde cedo despontou no cenário legislativo no afã de reformar o sistema registral, reconvertendo-o segundo modelos, referências e matrizes alienígenas – como o notice-based registry, sobre o qual muito já se falou[2].
A partir 2017 iniciaram-se várias tentativas de transformar o tradicional sistema registral pátrio em algo novo, moderno, ágil, eficiente, barato. Um novo Registro. O paradigma que primeiro se insinuou foi a criação de um ente privado centralizado de prestação de serviços de registro e informação – numa palavra, em uma entidade registradora “registral”, a exemplo dos modelos recomendados por organismos internacionais e que vicejaram por aqui[3]. Sob o pálio da “modernização” do sistema registral, as tentativas de reforma foram se sucedendo até que, finalmente, elas vieram consagradas, parcial e imperfeitamente, na Lei 14.382/2022.
Alguns registradores se inclinariam a esta iniciativa de modo muito entusiasmado, sem que o assunto fosse posto em amplo debate com a sociedade e especialistas[4], como se verá ao longo destas páginas. Aliados a representantes de centrais de serviços eletrônicos compartilhados de vários estados brasileiros, os registradores deram impulso às reformas legais que culminaram no SERP[5].
Há duas grandes vertentes identificáveis no cerne destas reformas: (a) a criação de uma central de serviços notariais e registrais (o que se consumou com a repristinação do art. 42-A incrustrado na Lei 8.935/1994) e (b) criação do SERP, com a figuração de central nacional de registros públicos, criada à imagem e semelhança de suas matrizes, exequíveis pela assimilação de novas tecnologias econômico-financeiras, como a segregação patrimonial e mobilização do crédito (securitização), aliadas a novas ferramentas de comunicação e informação próprias de plataformas digitais.
Sistemas de registro centralizados, eletrônicos e de baixo custo
A ambas as vertentes, se achegavam, ainda, ideias de reforma do sistema de garantias que inspirou e orientou sua disciplina no código civil pátrio (de matriz tudesca), buscando assimilar um novo espartilho jurídico. Esta abordagem propunha um tratamento “funcional” e “unitário” de garantias, como bem desenvolvido por FÁBIO ROCHA PINTO E SILVA em sua monografia[6]. A reforma da base material das garantias haveria de levar, inexoravelmente, à reconformação do arcabouço formal de publicidade registral. O autor anelava a reforma do direito positivo brasileiro, reorientando-o no rumo dos sistemas adotados em outros países, abandonando a tradição do nosso direito[7]. Perguntava-se, de modo impressivo: dever-se-ia “propor uma reforma global das garantias, apesar de todas as dificuldades daí decorrentes?” E logo responderia, de modo categórico e imperativo: “outra abordagem não nos parece ser possível ou satisfatória: é necessário alterar a estrutura do Direito Positivo das garantias!”[8].
Curiosamente, as reformas relativas ao processo de registro, que culminaram na Lei 14.382/2022, foram implementadas sem o rigor sistemático colimado. O fato é que as ideias de gabinete sempre experimentam, cedo ou tarde, o choque de realidade. Não se altera um monumento legislativo – como é o caso da LRP – de modo ligeiro, sem debates, consensos e aprofundamento. Veremos que outra abordagem, não satisfatória, redundou na mixórdia legislativa essencialmente assistemática e disfuncional que o impulso corporativo, acadêmico e governamental nos revelou. Perdemos a chance de reformar adequadamente o sistema registral brasileiro por conta de iniciativas erráticas e açodadas.
Demos um passo e alcancemos a monografia de CONSTANZA BODINI. A partir das ideias já ensaiadas no plano do direito material, ela buscaria demonstrar em sua monografia a superioridade dos modelos de registro decalcados das matrizes que se achavam engastadas na base dos estudos já aludidos. Assim, propunha a desregulamentação do modelo registral pátrio, reorganizando-o pela via de concessão pública a ente privado, com centralização e modicidade de custos emolumentares. Em boa síntese, concluiria: “sistemas de registro centralizados, eletrônicos e de baixo custo”. Demos voz à monografista:
“Quanto à implementação das propostas apresentadas, observamos que a plataforma registral central deveria ser criada por Lei Federal e idealmente administrada por um ente privado sob concessão pública, tomando como referência as experiências da[o] ONR/SREI e do SINTER. A redução do custo dos registros decorrerá muito provavelmente da implementação de um registro eletrônico e centralizado, o qual agilizará e simplificará os processos e, assim, diminuirá consideravelmente seus custos. Medidas mais profundas podem ser a alteração da Lei n. 10.169/2000 a fim de estabelecer um teto para a cobrança de emolumentos igual para todos os Estados, padronizar os repasses dos emolumentos cobrados incluindo entre as obrigações dos cartórios a de publicar em seus respectivos sites, além do site da plataforma de registro central, as tabelas com os valores dos emolumentos conforme nomenclatura padronizada. Por fim, no que tange ao registro eletrônico, não é preciso nenhuma alteração legislativa, mas apenas alguma melhora prática para superar obstáculos operacionais”[9].
A ideia original de reengenharia de registros de garantias acabou alcançando os Registros Públicos como um todo (Lei 6.015/1973), com os remendos legislativos que alcançaram as Notas (§ 5º do art. 7º da Lei 8.935/1994) e o Protesto (1, “c”, inc. X do art. 3º da Lei 14.382/2022). Na infraestrutura do SERP deu-se um tratamento homogêneo a registros de garantias reais de bens móveis e imóveis[10]. BODINI nos indica que as experiências do ONR/SREI e SINTER (note-se aqui o contubérnio entre cadastro e registro)[11] podem servir para as reformas de modernização do sistema registral brasileiro:
“Mesmo assim, o SINTER é mais uma fonte valiosa de conhecimento, que servirá como prova piloto para o desenvolvimento de um registro central, sobretudo em virtude das especificações de assinatura digital, padrões de conexão, políticas de segurança da informação, perfis de acesso e modelos de comunicação utilizados. Sublinhe-se também a ainda incipiente experiência prática de intercâmbio de informações com as centrais de registros e de notas”[12].
A ideia de centralização era central… Diz a autora que “essa plataforma registral central deveria ser criada por Lei Federal. A “implantação de um registro centralizado não é um tema menor, especialmente se considerarmos que o volume de informação que será administrado pelo registro unificado é de um valor imensurável”[13]. Valor imensurável… Yes, data is the new oil! Entretanto, dados não são informação e esta não se confunde com a proclamação de situações jurídicas de transcendência real, o que presentemente se realiza pela atividade de um jurista especializado. As funções essenciais do registro imobiliário são de cariz jurídico, pressupõem a atuação de um profissional do direito, não de um mero birô de informações centralizadas operado por processos “algoritimizáveis”.
O mesmo PINTO E SILVA propunha um sistema de central unificada nacional, “concebido e facilmente implementado para as garantias, de modo que as informações atualmente difusas entre as diversas instâncias e circunscrições de registro poderiam ser digitalmente enviadas e consolidadas por uma central de registro eletrônico, submetidas e armazenadas em formulário padrão que permita a interoperabilidade entre as diversas entidades participantes, bem como a indexação automática dos dados a partir dos critérios requeridos para o registro, tais como os elementos de especialização subjetiva e objetiva”[14]. Esta ideia de certa forma prosperou no corpo da Lei 14.382/2022, embora de modo disfuncional.
O certo é que as ideias centralizadoras visaram converter o Registro de Imóveis numa espécie de RENAVAM imobiliário[15], com base nas mesmas premissas estabelecidas pelos autores já citados. Registro centralizado, baixo custo operacional, modicidade emolumentar, solução livre de asperezas sistêmicas representadas pela qualificação jurídica… Tudo isso seria mobilizado e atualizado por meio de borderaux digitais, a cargo de pessoas jurídicas legitimadas por via de concessão (art. 175 da CF e Lei 8.987/1995). Neste ambiente, desponta, propriamente, a figura desconhecida entre nós de serviços públicos eletrônicos registrais. Nota bene: esta configuração – concessão – viabiliza-se “por conduto da concessão ou da permissão, normadas pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos”, conforme notou AYRES BRITO. Segundo ele, a concessão ou permissão são típicos “instrumentos contratuais de privatização do exercício dos serviços públicos”[16]. Ainda que se não queira exatamente isso, a reforma dá ensanchas a que se abra este caminho alvissareiro para alguns, desastroso para outros.
O Eldorado Registral, portanto, se instauraria com ares de modernidade e inovação tecnológica, com o protocolo centralizado, distribuição aleatória dos títulos a registradores de todo o estado (ou do país) por meio de borderaux, decréscimo de custos emolumentares, consulta de ônus e gravames na CNG – Central Nacional de Gravames, supressão da predefinição de autoria documental pela utilização de assinaturas eletrônicas avançadas, dispensa da escritura pública notarial, degradação da qualificação registral etc. etc. São ideias que, em essência, podem facilmente levar à supressão do papel do registrador natural, arrastando consigo o princípio da territorialidade comarcal e fulminando a qualificação jurídica – “exame de legalidade” – que se realiza em caráter pessoal e indelegável. Pense na distribuição algorítmica de títulos registráveis. Com base na automação dos processos de distribuição será possível compatibilizar o sistema com o princípio de não eleição do decisor a partir do uso de padrões tecnológicos que promovam a atribuição segura, inescrutável e aleatória dos extratos entre todos os registradores reunidos à távola registral[17]. O espaço e o tempo tradicionais tenderão, neste contexto, a ser substituídos por sítios eletrônicos e algoritmos de inteligência artificial, tendencialmente desterritorializantes e instantâneos, inspirados por padrões referenciais como o malfadado Doing Business[18].
Registros líquidos, portanto, com profissionais afastados da vida comunitária, postos a “decidir” sobre a registrabilidade de quaisquer “títulos” (extratos), sejam de onde forem oriundos, tudo controlado por entidades privadas com base em algoritmos. Exonerando-se o registrador do contexto econômico e social que envolve as transações jurídico-reais, desde as mais simples às mais complexas, acabaremos por transformar o registrador em mero amanuense, sem qualquer poder decisório, sem independência jurídica, sem autonomia. Um registrador que não é um registrador, não se acha no mundo da vida jurídico-registral em toda a sua dimensão ontológica. Ainda que as atividades registrais se restrinjam à produção de novas titularidades – lotes, unidades autônomas, decorrentes de regularizações fundiárias, parcelamentos, programas habitacionais etc. – com a “comoditização” registral, caso estabelecido este padrão minimalista, os registradores poderão ser afastados dos processos de constituição e publicidade das garantias reais nos cartórios, traindo a mais lídima tradição do Direito brasileiro que nos revelou o Registro Hipotecário (Decreto 482/1846). A tendência que se observa é a entrega do ativo (título) para acolher “gravames” constituídos ex tabula.
Os impulsos de centralização, com a constituição de entidades para-registrais, assimilando atividades próprias de registradores, suprimindo-se a territorialidade e a natureza jurídica da atividade, administrativizando-as (ou privatizando-as totalmente), são ideias que despontam no horizonte de possibilidades aberto pelas reformas.
Propostas desse mesmo jaez foram reveladas em vários projetos de leis apresentados no curso do tempo, como se verá nesta série em detalhes mais adiante. A brecha criada pelo novo paradigma da Lei 14.382/2022 açulam agentes de mercado e do próprio estado. Vejam-se as iniciativas empreendidas pelo Conselho Federal de Corretores de Imóveis[19] e por entidades registradoras que se organizam a latere do ONR[20].
Por outro lado, no âmbito das centrais, buscou-se, com grande empenho, a consagração, em lei, de previsão de cobrança de taxas de portagem pelo envio de títulos a registro e pela prestação de serviços eletrônicos em plataformas digitais, o que no fundo representa a intermediação da própria atividade delegada, feita pelos próprios delegatários, prática reiteradamente vedada pela Corregedoria Nacional de Justiça e que expressa, no fundo, o agravamento dos custos transacionais relacionados ao processo de titulação e registração[21].
Do ponto de vista corporativo, os pontos fulcrais que permearam as diatribes internas foram basicamente estes: centralização versus descentralização de dados e serviços, subdelegação de atribuições e funções a entes privados, além de cobrança de “taxas” pela prestação de serviços complementares executados por birôs de informações estaduais (Centrais Estaduais de Serviços Eletrônicos Compartilhados, criadas pelo Provimento CNJ 47/2015, em boa hora revogado pelo art. 37 do Provimento 89/2019). Delineou-se, ao longo do tempo, a criação de um organismo para-registral que é dessemelhante às matrizes tradicionais do direito brasileiro[22].
Algumas iniciativas do Registro de Imóveis brasileiro, ao longo de toda a sua história, são virtuosas, outras defectivas, outras extemporâneas; outras foram esquecidas e enterradas no lixo das experiências malogradas – e bastaria nos lembrarmos da Lei 11.922, de 13/3/2009, por exemplo[23]. Entretanto, há algumas que são consagradas em leis malsãs que acabam por abalar o edifício do microssistema tradicional e bem estabelecido do direito registral imobiliário. Como tive ocasião de assinalar, com estas reformas da LRP e da LNR acabamos, afinal, com os pés plantados em duas canoas[24] – de um lado, os modelos que serviram de inspiração à reforma (como o Notice Registration), de outro os tradicionais Registros de Direitos, afeiçoados ao modelo da Europa Continental, incluído neste rol o Reino Unido e seu emblemático Land Registry.
Os cartórios têm culpa no cartório?
É certo que as transformações tecnológicas eram reclamadas pela sociedade, mercado e pelo próprio governo, não há qualquer dúvida a respeito disso. As críticas assacadas pelos autores anteriormente citados são em parte procedentes. Assimetria no modo de prestação de serviços em todo o país, descoordenação, falta de padrões e standards decisórios, inexistência de mecanismos de governança corporativa, falta de universalização de acesso e concentração de informações juridicamente relevantes, regulação disfuncional e pulverizada (inc. XIV do art. 30 da Lei 8.935/1994), assimilação inadequada de tecnologia da informação e comunicação, atomização dos cartórios, custos excessivos[25] e desbalanceamento financeiro entre serventias miseráveis e outras opulentas. Alie-se a tudo isto a leniência na realização de concursos públicos…
Como se vê, uma série enorme de graves problemas infraestruturais realmente reclamavam a reforma do sistema registral. Entretanto, o impulso das mudanças deveria surgir a partir das virtudes do próprio sistema registral pátrio. O alarme que desencadeou e justificou a sanha reformista, propalada pelas media, era afinal uma false flag. Longe de termos sido emparedados e colhidos de surpresa por iniciativas de “modernização” e “eficiência”, assimiladas de experiências alienígenas, o que sempre esteve em causa é – sempre foi – a mudança paradigmática do sistema registral, que cede passo progressivamente aos interesses do mercado e de seus ramais de registração privada, apoiados por uma rede de centrais estaduais que se esboroa com o passar do tempo à exata medida que o ONR-SREI se estabelece, sempre a duras penas[26]. Prova-o o fato de que, publicada a Lei 14.382/2022, tudo continua como “dantes no Quartel de Abrantes”, com os registradores dependentes de regulação da lei pelo CNJ.
O fato é que se desconsiderou, adrede, os grandes avanços que a iniciativa do CNJ/SREI consagrava há mais de uma década. Nunca é demais lembrar que as respostas às demandas de modernização do sistema registral já haviam sido oferecidas à comunidade registral desde 2010. Poucos terão se dado ao trabalho de ler (e menos ainda de compreender) o que significava o Projeto CNJ-SREI/ONR em sua inteireza. A resistência oposta à iniciativa original do SREI foi irracional e francamente obtusa, quando não tisnada por interesses econômicos, fato que acabou por nos conduzir a este estado de capitulação e de certa anomia pela imperfeita assimilação dos modelos representados pelas Leis Modelos Interamericana da OEA, da UNCITRAL etc. Até mesmo neste aspecto, sejamos honestos: a reforma foi defectiva, pois ficamos a meio caminho dos modelos higiênicos propostos pelos arautos da modernidade. O advogado paulistano retirado, Dr. ERMITÂNIO PRADO, comentou, sardonicamente, que “queimamos a ponte à frente e à retaguarda; sentados, esperamos Godot”[27]. Em suma, eis o Monstro de Horácio – muito distante dos pesadelos mitológicos de Goya, como alguém sugeriu, mas muito próximo da ridícula figuração retratada na poética horaciana…
O núcleo duro da reforma – o desenvolvimento do Registro de Imóveis eletrônico propriamente dito (SC – sistema do cartório) – não foi tangido pela reforma[28]. Continuamos ainda hoje a realizar o registro como fazíamos na década de 70 do século passado. Os livros tradicionais não foram encerrados (o art. 173 da LRP continua em vigor)[29], embora se fale, de modo abstrato, em registros “escriturados, publicizados e conservados em meio eletrônico” (§ 3º do art. 1º c.c. art. 7º da LRP). Como pauta programática, tudo muito bem, tudo muito bom, porém não avançamos muito além da Lei 11.977/2009. Diga-se de passagem, vínhamos construindo organicamente uma boa regulação do Projeto SREI em toda a sua complexidade, sem descurar da interoperabilidade entre as várias especialidades registrais, tudo em parceria com o próprio CNJ. A criação de centrais prestadoras de serviços registrais foi um desvio sistemático, o que representou uma tentativa de reforma do sistema que se revelou improvisada, episódica, acessória, disfuncional, meramente cosmética, tudo embalado por slogans edificantes[30].
O SERP será, portanto, a mais perfeita tradução desse estado de anomia que vivemos, à espera de uma regulamentação que se estima adequada e funcional, a cargo do CNJ, sem o que não haveremos de prosperar como uma das mais tradicionais instituições do direito brasileiro. A figuração assumida pelo SERP é, portanto, um imperfeito arremedo do que vinha sendo feito e revela a compreensão limitada do que seja realmente o fólio real eletrônico, um paradigma infraestrutural defendido há décadas[31]. Em vez disso, tomamos a parte (SERP) pelo todo (ONR/SREI = SAEC + SC), e chegamos a uma boa sinédoque, não a uma boa solução tecnológica e institucional.
Enfim, a viragem paradigmática representada pela edição da MP 1.085/2021 tem uma pré-história e ela deve ser contada. Nesta série, compartilho com o leitor nótulas reflexivas dedicadas a um tema que parece ter despertado vivo interesse entre registradores – especialmente após o advento do Provimento CNJ 89/2019, fato que deu concretude e novo alento às discussões travadas interna corporis ao regulamentar o ONR – Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis. A partir de sua edição, houve renovado ânimo e até mesmo a conversão tardia de seus detratores. Críticas acérrimas foram assacadas contra o modelo do SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico, previsto desde o advento da Lei 11.977/2009, passando por inúmeros atos normativos baixados pelo CNJ, por corregedorias estaduais, pela Lei 13.465/2017 até que chegássemos, finalmente, ao SERP – Sistema Eletrônico de Registros Públicos. O resultado pode ser assim sintetizado: obnubilação corporativa, defasagem tecnológica, derruimento institucional.
Progressiva mudança de paradigmas
Veremos que o impulso destas mudanças era facilmente perceptível. As instituições financeiras e o mercado imobiliário buscavam de certa forma modernizar para com isso controlar o sistema de garantias mobiliárias e imobiliárias. Os Ofícios Públicos são organismos registrais autônomos, imparciais e independentes (in suo ordine[32]), criados, regulamentados e fiscalizados pelo poder público, com emolumentos fixados em lei, atuando na defesa dos interesses da sociedade – consumidores, meio ambiente, urbanismo, segurança jurídica preventiva, prova pré-constituída, inoponibilidade, fé pública etc.
Todos estes aspectos são paradoxalmente percebidos por setores da sociedade e da economia como estorvo ao desenvolvimento econômico e social. Para “desburocratizar” e “modernizar” o processo de registro, buscou-se a mitigação da qualificação registral, tornada light (“a”, I, § 1º do art. 6º da Lei 14.382/2022), atacando a ideia de descentralização de atribuições e competências, com a diminuição dos custos transacionais — não se esquecendo, jamais, de apropriar margem considerável de lucro com o decote dos valores emolumentares envolvidos…
Nesse sentido, é bastante revelador o teor do documento apresentado pela ABRAINC – Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias ao CNJ. Segundo o texto, o extrato por si só será suficiente para a consagração do registro:
“O Oficial de Registro competente qualificará o título e realizará o registro exclusivamente a partir dos elementos constantes do extrato, sendo vedado o exame da íntegra contratual, ainda que apresentada para fins de conservação, seja em relação a aspectos de forma, de assinatura ou de conteúdo” [33].
A responsabilidade pelo dados ministrados aos Registros Públicos desloca-se ao apresentante (interessado), já que “o extrato é uma declaração feita unilateralmente pelo apresentante, de modo a eximir a responsabilidade dos Oficiais pelas informações recebidas”. A regulamentação do CNJ deve prever, portanto, a obrigatoriedade de se “constar do extrato as declarações de assunção de responsabilidade civil e criminal do apresentante”. Em suma: suprime-se a qualificação registral, diminui-se a responsabilidade do registrador, institui-se heterodoxo poder chancelador e de autenticação do interessado/apresentante (§ 4º do art. 6º da Lei 14.382/2022), e logo transformamos o modelo paradigmático de registro de direitos substituindo-o por birô de arquivamento de boletos (extratos) digitais.
Trata-se de um movimento de franca captura de atividades essenciais à administração da Justiça que historicamente predestinavam-se à proteção e tutela preventiva dos interesses das partes e de terceiros[34]. Numa palavra: os registros imobiliários tendem a se transformar em meros ramais acessórios de instituições financeiras e do mercado imobiliário, por eles coordenados[35]. Basta ler com certa atenção e compreender a infraestrutura criada pelo SERP[36].
É preciso reconhecer que os registradores foram incapazes de compreender e abraçar o que de melhor a própria categoria havia produzido: um bom sistema de registro público de direitos em meios eletrônicos (SREI), descentralizado e funcional, e um excelente instrumento de governança corporativa (CNJ – Corregedorias Estaduais – ONR)[37].
Visto em retrospectiva, nada de original se implementou na vaga que calhou entre as iniciativas pioneiras de São Paulo, capitaneadas por FLAUZILINO ARAÚJO DOS SANTOS e pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado, e o advento do SERP. As propostas que foram encaminhadas ao governo federal expressam uma leitura ligeira e equivocada de tudo o que se produziu no curso da história das ideias e das boas práticas desenvolvidas por registradores de escol[38]. No interregno que calha entre os estudos do SREI e o advento da Medida Provisória 1.085/2021, houve apenas iniciativas cosméticas, muitas delas despiciendas, outras de valor e utilidade discutíveis, todas consumindo imensos recursos humanos e materiais[39].
Antes de encerrar estas pequenas notas, e como forma de adendo, é preciso fazer constância de que não se propõe a consumação e concretização efetiva das ideias que podem ser colhidas das várias fontes aqui citadas. O que aqui se fez foi por de manifesto os equívocos sistemáticos e os desvios a que nos podem levar uma reforma precipitada e inorgânica. Ainda há um bom espaço para aperfeiçoar o modelo que nos foi apresentado pela Lei 14.382/2022.
Com este objetivo, vamos revisitar os principais lances dessa jornada até que se revelasse o SERP. No próximo capítulo, conheceremos o que são entidades registradoras, bem assim como despontou a série de iniciativas legislativas que buscaram reformar o sistema registral brasileiro.
Notas
[1] Por parte do Governo, desempenhou importante papel o IMK – Iniciativa de Mercado de Capitais, lançado pelo Banco Central em parceria com outras instituições. https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/351/noticia [mirror]. Veremos em detalhe na parte II deste trabalho o papel do IMK na MP 992/2020.
[2] Vide defesa do modelo em ABELHA. André. CHALHUB. Melhim Namem. VITALE. Oliver. Org. Sistema Eletrônico de Registros Públicos – Lei 14.382 de 27 de junho de 2022 comentada e comparada, p. 7, n. 2 et seq.
[3] UNCITRAL. V. UNCITRAL – Legislative Guide on Secured Transactions. New York: UN, 2010. Vide especialmente pp. 110, passim.
[4] Ainda agora, no Congresso Nacional, no âmbito dos debates e discussões relacionados à tramitação da MP 1.162/2022, civilistas firmaram em 19/5/20223 a Carta Aberta de Civilistas dirigida ao relator, Dep. FERNANDO MARANGONI, em que criticam a utilização dos extratos no processo de registração.
[5] Como veremos mais à frente em detalhes, o processo de reforma da LRP ganhou impulso com a provocação dos próprios registradores em parceria com setores do Governo Federal. Indico o dossiê que retrata o processo de discussão interna: Dinamização do crédito – índice. Acesso: https://wp.me/p6rdW-2xG.
[6] SILVA. Fábio Rocha Pinto e. Garantias das Obrigações – Uma análise sistemática do Direito das Garantias e uma proposta abrangente para a sua reforma. São Paulo: Ed. IASP, 2017.
[7] Usava como referência os códigos civis francês, espanhol, português, italiano ou do Québec. Diz o autor que, por conta da influência do BGB, não se logrou, no Brasil, a evolução de um Direito das Garantias uno e funcional. SILVA. Fábio Rocha Pinto e. Op. cit. pp.788, 797, passim.
[8] Op. Cit. p. 789.
[9] BODINI. Constanza. Registro de garantias mobiliárias: uma proposta para sua modernização. Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da FGV. São Paulo: FGV, 2019, p. 95.
[10] A ideia original, e que consta da mensagem governamental firmada por PAULO GUEDES, era o envio, ao Registro, pelo credor, do extrato (notice) eletrônico, o que dispensaria “a apresentação do contrato para requerimento de registro de garantias sobre bens móveis. Assim, a medida trará maior eficiência para o sistema de crédito, com a manutenção de sua segurança jurídica”. EMI nº 169/2021 ME SG MJSP, de 19 de novembro de 2021. Acesso: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Exm/Exm-MP-1085-21.pdf.
[11] Neste sentido, segue os passos já traçados no Encontro CNF e registrados em publicação: Os instrumentos internacionais e o regime das garantias do crédito – Perspectivas e propostas para um melhor ambiente de negócios no Brasil. CNF, 2017. Além disso, reproduz a ideia que se fez corrente de que o SINTER não seria “um cadastro que pretende substituir os atuais registros, mas um sistema de integração dos cadastros existentes”, o que se choca frontalmente com os documentos originais da própria RFB que apontavam para a criação de um verdadeiro Registro de Imóveis eletrônico regulamentado por decreto do Governo Federal. As minutas do decreto original e os documentos que lhe davam suporte, podem ser consultados no dossiê organizado por JACOMINO. Sérgio. SINTER – Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais. São Paulo: Círculo Registral, 1/1/2016. Acesso: https://circuloregistral.com.br/sinter. V. tb. JACOMINO. S. SINTER – riscos e benefícios. In Boletim do IRIB em Revista n. 359, maio de 2019, p. 130 e ss.
[12] BODINI. Constanza. Op. cit. p. 85. A incipiente experiência entre as centrais e os tabelionatos de notas não logrou qualquer êxito. As primeiras foram extintas pela regulamentação do CNJ; os segundos criaram sua própria estrutura tecnológica, rejeitando as soluções alvitradas pelo SINTER.
[13] BODINI. Constanza. Op. cit. p. 86.
[14] SILVA. Fábio Rocha Pinto e. Op. cit., p. 685.
[15] A matéria da FSP alude ao “RENAVAM imobiliário”. V. Governo regulamenta sistema de registro único de imóveis in FSP, edição de 11/5/2016, Caderno Mercado. Vide reprodução da matéria e outras considerações em JACOMINO. Sérgio. Registro de Imóveis Eletrônico Nacional. São Paulo: Observatório do Registro, 12/5/2016. Acesso: https://wp.me/p6rdW-1xS.
[16] O Min. AYRES BRITO distinguiu com precisão o que diferencia o sistema registral brasileiro em face de tais entidades. V. ADI 2.415, rel. min. AYRES BRITTO, j. 10/11/2011, DJe de 9/2/2012. Acesso: http://kollsys.org/kmq.
[17] Sobre a ideia da supressão da territorialidade e distribuição aleatória de títulos a amanuenses v. TORRES. Marcelo Krug Fachin. Princípio da Territorialidade: estudo sobre a sua relevância no registro (eletrônico) de imóveis. RDPRIV, vol. 69, set. 2016; JARDIM, Mónica. A delimitação de Jurisdição, Territorial e na Matéria – Reflexos nos efeitos registais. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: IRIB/RT, n. 72 jan./jun. 2012; TEIXEIRA, Madalena. O registro electrónico – Vantagens e desvantagens. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo. IRIB/RT, n. 78. Jan./jun. 2015.
[18] Com o Doing Business deu-se uma crônica de uma morte anunciada. Desde o XVIII International Congress of IPRA-CINDER, realizado em Amsterdam, Holanda, em 2012, os registradores apontavam os defeitos insanáveis do modelos. V. .Fernando P. MÉNDEZ GONZÁLEZ. Mercado hipotecario y sistemas registrales. Especial referencia a la ejecución hipotecaria. In 18th IPRA-CINDER International Land Registration Congress. Madrid: CORPME, 2012. p. 226, passim. ARRUÑADA. Benito. RIP Doing Business. São Paulo: Observatório do Registro. 21/9/2021. Acesso: https://wp.me/p6rdW-2Ks. Do mesmo autor, Pitfalls to Avoid when Measuring Institutions: Is Doing Business Damaging Business? In Journal of Comparative Economics, 2007, 35[4], 729-47.
[19] A Resolução COFECI 1.487, de 18/11/2022 (DOU de 29/12/2022, Ed. 245, Seção 1, p. 1.075) acabou instituindo o “Sistema de Governança e Registro (SGR) de Contratos e Documentos”. É certo que a iniciativa padece de vícios insanáveis e não resistirá ao questionamento de patente inconstitucionalidade. Uma autarquia não se pode sobrepor às regras insculpidas na própria Constituição Federal (art. 236). O que leva, entretanto, a entidade a postular um registro a latere dos sistemas registrais? Responde-nos o seu presidente que explicou que “o SGR foi idealizado a fim de tornar digitais as vistorias de imóveis e as ações fiscais, mas que em face da novel Lei nº 14.382/22, que criou o Sistema Eletrônico Unificado de Registros Públicos (SERPE[!]) e considerando a condição de autarquia federal e a fé pública, conferidas por lei ao Sistema Cofeci-Creci, decidiu elevá-lo à condição de Sistema Registrador de contratos e documentos em geral, oferecido a baixíssimo custo a todos os corretores e imobiliárias do Brasil”. Ou seja: o SERP[E] (lapsus linguae hilário) é um órgão centralizado, “uno e funcional”, barato e acessível. V. https://conteudoimob.com.br/coluna-imob/sgr-sistema-eletronico-de-registro-de-contratos-pareceres-e-opcoes-do-sistema-cofeci-creci/. [mirror]. Não se deve esquecer o que ocorreu com os registros de alienações fiduciária de veículos automotores no RTD. Eles não se esqueceram (inc. I, § 2º, art. 129 da LRP)…
[20] Um bom exemplo, dentre vários, pode ser acessado aqui: “primeira e única plataforma 100% digital para registro eletrônico de contratos e garantias”. Entre seus objetivos consta: “contratos eletrônicos e assinaturas digitais, integrando às centrais registrais brasileiras com todos os cartórios do país e fornecendo acompanhamento completo de workflow das etapas de registro eletrônico”. https://valid.com/pt-br/v-hub/. [mirror].
[21] O CNJ decidiu que “tem-se por cristalino o entendimento de que não se afigura possível a cobrança, aos usuários do serviço público delegado, pelas centrais de serviços eletrônicos compartilhados, de quaisquer valores, a qualquer título e sob qualquer pretexto, pela prestação de serviços eletrônicos relacionados com a atividade dos registradores de imóveis, inclusive pela intermediação dos próprios serviços, à luz do artigo 14 da Lei 6.015/73, artigo 28 da Lei 8.935/94 e artigo 18 do Provimento 109/2020, por constituírem atos típicos dos registradores de imóveis”. CNJ PP 0010562-97.2020.2.00.0000, j. 10/8/2021, Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Acesso: http://kollsys.org/qqh. A Lei 14.382/2022 incluiu o § 5º no art. 7º da Lei 8.935/1994. Os tabeliães de notas estão agora autorizados a prestar “outros serviços remunerados, na forma prevista em convênio com órgãos públicos, entidades e empresas interessadas, respeitados os requisitos de forma previstos na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)”. Vide Processo CG 129.100/2022, São Paulo, decisão de 5/5/2023, Dje 10/5/2023, Des. FERNANDO ANTÔNIO TORRES GARCIA. Acesso: http://kollsys.org/sqx.
[22] Já em 2018, em reunião com a diretoria da CEF, chamaríamos a atenção para o fenômeno de “para-registralidade”. A CEF promovia, de modo entusiasmado, o desenvolvimento das centrais estaduais confundindo-as com verdadeiros registros imobiliários. Confira a síntese do encontro em JACOMINO. Sérgio. Subdelegação de funções e a subversão do sistema registral e notarial. São Paulo: Observatório do Registro, 15.9.2018. Acesso: https://wp.me/p6rdW-2bS.
[23] V. arts. 7º e 8º da dita lei. JACOMINO. Sérgio. A opacidade dos registros eletrônicos privados e o risco sistêmico ao crédito imobiliário. In Registro Público de Imóveis Eletrônico – riscos e desafios. MÉNDEZ GONZÁLEZ. Fernando. DIP. Ricardo. JACOMINO. Sérgio, org. São Paulo: Quinta Ed., 2012, p. 140 et seq.
[24] JACOMINO. Sérgio. SERP – havia uma pedra no caminho. São Paulo: Observatório do Registro, 9.1.2023, acesso: https://wp.me/p6rdW-36S.
[25] Quando se cotejam os sistemas norte-americano e brasileiro é possível estabelecer uma impressiva base comparativa. Segundo BIANCA CASTELLAR DE FARIA, os custos relacionados com as transações imobiliárias em Dellaware e Santa Catarina, usados como referência no estudo por ela empreendido, são sensivelmente menores no Brasil. Os dados, apresentados em forma de gráficos, são eloquentes e instrutivos. Os prazos e os custos de registração em ambos os países revelam o equívoco de base que deu arrimo ao Projeto Doing Business, em boa hora descontinuado pelo motivos aludidos acima. FARIA. Bianca Castellar de. Análise constitucional e econômica do sistema registral imobiliário do Brasil e dos Estados Unidos: segurança jurídica, eficiência e custo. 2022. Tese de doutoramento, mim., prelo.
[26] Averbe-se que o ONR não se acha imune à captura por entes privados – sejam associações corporativas dos próprios registradores ou de outros, exógenos à atividade. O CNJ deve estar atento aos movimentos intestinos que visam atrair para si o protagonismo cometido a organismo que se deve timbrar pela institucionalidade.
[27] JACOMINO. Sérgio. O que é bom para os Estados Unidos… São Paulo: Observatório do Registro, 17/4/2023. Acesso: https://wp.me/p6rdW-39w.
[28] O SAEC (parcialmente implantado) reclama a contraparte infraestrutural – o SC – sistema de cartório. Sem ela, o sistema claudica e não ultrapassa a barreira de mero hub de mensageria e distribuição de impulsos (aka – central estadual). Para uma ideia do sistema integral: BERNAL. Volnys. UNGER. Adriana J. SREI – Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário – Parte 1 – Introdução ao Sistema de Registro Eletrônico Imobiliário. São Paulo: CNJ/LSITEC, 20.5.2012, p. 14 et seq. Acesso: https://bit.ly/CNJ_LSITEC. Para uma visão geral da prova de conceito do SREI: https://near-lab.com/2020/02/14/poc-srei/.
[29] Os antigos livros do Decreto 4.857/1939 deveriam ser encerrados com o advento da atual LRP (consoante o comando dos arts. 295 e 297). Temos uma situação bizarra: nem os antigos livros de 1939 foram (como deveriam) ser definitivamente encerrados, nem os livros da Lei de 1973 o foram. Haveremos de conviver com 3 sistemas concorrentes e redundantes. V. JACOMINO. Sérgio. O estado agônico dos antigos livros de registro. Uma proposta de encerramento após o encerramento. RDI n. 77, jul./dez. 2014, p. 107.
[30] Sempre considerei o crescimento de centrais estaduais, em detrimento do SC, uma espécie de deformação sistemática. “Um organismo é sempre maior do que a soma de seus órgãos. A neoplasia registral é uma espécie de deformação que promove o crescimento, sem controle, das centrais estaduais, tornando cada órgão mais importante do que o próprio organismo, comprometendo-o progressivamente. Ao final, aniquila-o”. JACOMINO. Sérgio. Sendas para o futuro do Registro de Imóveis. São Paulo: Observatório do Registro, 17/8/2018. Acesso: https://wp.me/p6rdW-2aI.
[31] JACOMINO. Sérgio. Dos Livros do Registro ao Fólio Real Eletrônico. São Paulo: Observatório do Registro, 1997. Este trabalho foi apresentado no transcurso do XXIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, realizado entre os dias 15 e 19 de setembro de 1997 na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Acesso: https://wp.me/p6rdW-1QF.
[32] DIP. Ricardo. Sobre a natureza jurídica da instituição registral. RDI 85, 2018, p. 215. V. Ap. Civ. 1000786-69.2017.8.26.0539, Santa Cruz do Rio Pardo, j. 19/12/2017, Dje 19/7/2018, rel. Des. GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO. Vide voto de RICARDO DIP. Acesso: http://kollsys.org/m1p.
[33] ABRAINC. Sugestões para a regulamentação da Lei 14.382/22: registro por extrato e assinatura eletrônica. São Paulo, 15/1/2022.Acesso: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/12/associacao-brasileira-de-incorporadoras-imobiliarias-abrainc.pdf. [mirror].
[34] A defesa que estes setores da própria classe fizeram do SERP pode expressar duas ordens de ideias bastante distintas: ou não se deram conta da derruimento institucional que estava em curso, ou abraçaram a reforma na certeza de que a iniciativa representava um avanço na “modernização” do sistema registral. No fundo trata-se de fetichismo tecnológico embalado por boas intenções.
[35] JACOMINO. Sérgio. IRIB – até aqui viemos e daqui outros haverão de partir. Observatório do Registro, 5/6/2021. Acesso: https://wp.me/p6rdW-2Gt.
[36] Vide algumas nótulas críticas aqui: JACOMINO. Sérgio. Extratos, Títulos e outras notícias – pequenas digressões acerca da reforma da LRP. São Paulo: Forense, 2022, p. 369 passim.
[37] Jamais se ultrapassou os cânones estabelecidos na especificação do SREI, nem qualquer iniciativa substitutiva veio a lume. O consórcio do CNJ, LSITEC e registradores imobiliários foi frutuoso e pode ser consultado aqui: https://folivm.com.br/srei/. A especificação do sistema de registro de imóveis eletrônico foi objeto de prova de conceito (POC) que pode ser visitada aqui: https://near-lab.com/poc-srei/.
[38] Um só exemplo calharia à perfeição: a ideia da certidão da situação jurídica atualizada do imóvel, prevista no Provimento CNJ 89/2019 como resultado da implementação do SREI, foi descolada do contexto e consagrada na reforma. Para maiores detalhes, JACOMINO. Sérgio. A MP 1.085/2021 – Breves comentários – Parte III: Certidão da situação jurídica atualizada do imóvel. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 2021. Acesso: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/361567/a-mp-1-085-2021–breves-comentarios–parte-iii.
[39] As ideias que germinaram no interregno não passaram de macumba para turista, na feliz expressão de OSWALD DE ANDRADE. Assimilação de tecnologia de geoprocessamento (já previstas na documentação do SREI), com a indicação, na planta cadastral, dos imóveis matriculados, investimento em iniciativas frustrâneas como o Doing Business, produção de índices e estatísticas (que servem muito mais a empresas do que à gestão territorial), criação de centrais estaduais que são como imensos viadutos que ligam o nada a lugar nenhum… São atividades acessórias; o principal foi deixado de lado. Tais iniciativas estavam especificadas na documentação técnica do SREI e bastaria tão somente implementá-las no interior da própria instituição.
Rev. 27/5/2023, 11h:00.
A camada mais crítica do SREI, e que criaria os maiores ganhos de eficiência, seria a camada do Sistema do Cartorio (SC / Sistema de Automação), mas como termos um sistema padrão nacional para ser implantando em todas as serventias? Já imaginou um grande banco nacional tendo um sistema de automação diferente em cada agencia? É exatamente isso que temos nos Registros Públicos. Somos cobrados por um padrão, e somos avaliados com base nas serventias mais ineficientes.
Caro Alysson. Obrigado pelo comentário. Na documentação técnica do SREI há a previsão de oferecimento de toda a infraestrutura do SC na nuvem. O pequeno cartório não necessitaria investir no desenvolvimento do sistema para o próprio cartório. Backup, soluções web service, interação na rede etc. Além disso, a padronização estabelecida pelo agente regulador (CNJ) impediria a proliferação de “soluções” assimétricas que poderiam ser adotadas pelos maiores. Além disso, sempre houve a ideia de se criar um market place onde soluções específicas poderiam ser oferecidas e adquiridas pelos cartórios segundo sua conveniência (apps de automação, gestão etc.). Embora o core dos dispositivos tenha um sistema operacional basal, nada impede que o usuário configure-o a seu talante.
Por fim, o estado-da-arte dos bons sistemas aponta para descentralização das bases de dados com acesso universalizado. Vide a experiência das moedas virtuais e seu paradigmático blockchain.