Registro em tempos de crise – VI

Após a edição do Provimento CNJ 94/2020 uma série de novos atos normativos foram baixados pelo CNJ (acesso aqui) e pelas corregedorias dos estados.

Num primeiro impulso, dei-me à tarefa de comentar cada dispositivo do Provimento CNJ 94/2020, não só com o objetivo de conciliar os provimentos baixados no Estado de São Paulo (acesso aqui), onde atuo, mas igualmente para dar um sentido de orientação para os colaboradores do Quinto Registro de Imóveis, sob minha cura.

Iniciei com as consideranda do Provimento. Vamos seguindo passo a passo para adentrar nos temas instigantes que o provimento suscita e põe em relevo nestes dias de crise decorrente da COVID-19.

PROVIMENTO CN-CNJ 94, de 28 de março de 2020.

Dispõe sobre o funcionamento das unidades de registro de imóveis[1] nas localidades onde foram decretados regime de quarentena[2] pelo sistema de plantão presencial e à distância[3] e regula procedimentos especiais[4].

[1]Especialidade de Registro de Imóveis. O ato normativo abarca os serviços de Registro de Imóveis, embora contenha dispositivos que atinem a outras especialidades (v. § 1º do art. 4º, por ex.).

[2]Localidades em regime de quarentena. No artigo 1º deste Provimento há a indicação dos atos normativos que preveem quarentena nas localidades onde forem decretados regime de quarentena. Em São Paulo, o provimento se aplica, pois o governo estadual decretou a quarentena, embora não o lockdown (ao menos até a presente data).

Decreto 64.881 do Estado de São Paulo, de22/3/2020. Decreta quarentena no Estado de São Paulo, no contexto da pandemia do COVID-19 (Novo Coronavírus), e dá providências complementares.

[3]Presencial e à distância. A regulamentação acena para a atuação multimodal de atendimento aos usuários. Voltaremos ao tema nos comentários aos dispositivos específicos

[4]Procedimentos especiais. O caráter excepcional da norma deve ser levado em consideração para a exegese de algumas disposições do provimento.

O CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA em exercício, usando de suas atribuições constitucionais, legais e regimentais e

CONSIDERANDO o poder de fiscalização e de normatização do Poder Judiciário[1] dos atos praticados por seus órgãos[2] (art. 103-B, § 4º, I, II e III, da Constituição Federal);

[1] Fiscalização e normatização do Poder Judiciário.  O Poder Judiciário é o poder de estado a que se cometeu o controle do sistema notarial e registral e a “execução, modo privato, de serviço público, não lhe retira essa conotação específica” [1].

A fiscalização dos atos pelo Poder Judiciário não se limita aos chamados atos próprios (art. 37 da Lei 8.935/1994), mas alcança, inclusive, todos os atos administrativos que guardam estreita relação com os primeiros, pois o “conceito de ato estabelecido pelo legislador constitucional tem conteúdo amplo, abrangendo todos os atos inerentes ao exercício do serviço notarial e de registro”, como registrou o Min. Néri da Silveira em precedente do STF. E segue o aresto citado:

“A regulamentação da fiscalização exercida pelo Poder Judiciário feita especialmente nos artigos 37 e 38 da Lei n. 8935/94 marca exatamente essa necessidade de controle de toda a atividade notarial e registral. Embora o crescimento da autonomia dos serviços notariais e de registro tenha estabelecido uma nova equação na sua relação com o poder de controle dos órgãos judiciários, não houve extinção da fiscalização e da orientação”.

Veremos, mais abaixo, que entre as várias atividades dos registradores há aquelas que, servindo-se de plataformas digitais, se estendem à sociedade por intermédio de centrais estaduais de serviços eletrônicos compartilhados, espécie de longa manus do registrador. Nesses casos a atuação fiscalizatória sobre esses organismos pelo Poder Judiciário se justifica plenamente, fato potencializado pelo disposto no § 4º do art. 76 da Lei 13.465/2017.

[1-a]Regulamentação e normatização – competência judiciária. Grassa certa controvérsia a respeito do poder regulador das atividades registrais. O Executivo tem baixado decretos que visam regulamentar o registro eletrônico de imóveis e o exemplo mais impressivo foi o Decreto 8.764, de 10/5/2016, que buscou regulamentar “o disposto no art. 41 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009”. Temos sustentado que a competência para normatização acerca das atividades registrais é o Poder Judiciário [2].

[2] Órgãos dos serviços notariais e registrais. A expressão é cara à doutrina. De alguma forma o art. 103-B, inserido pela EC 45/2004, honra a melhor tradição da doutrina notarial e registral que, pela voz de João Mendes de Almeida Jr., qualificou essa atividades de “órgão da fé pública”. Órgãos de um grande organismo que é o Poder Judiciário.


Notas

[1] STF, RE 255.124, j. 11/4/2002, DJ de 8/11/2002, rel. min. Néri da Silveira.

[2] V. JACOMINO. Sérgio. CRUZ. Nataly. Registro Eletrônico – competência regulamentar do Poder Judiciário. Acesso: http://bit.ly/2DYbpuS. A EC 45, de 30/12/2004, no inciso I, § 4º, do artigo 103-B, prevê a expedição de “atos regulamentares” pelo Poder Judiciário. Pelo texto constitucional, o CNJ poderá “[…] expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências”.

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