
Durante o período pandêmico foram baixados inúmeros atos normativos dispondo sobre o funcionamento dos cartórios de registro de imóveis em regime de plantão. Há um franco estímulo à utilização de plataformas digitais para recepção e processamento dos pedidos de registro ou de emissão de certidões.
O Provimento CNJ 94/2020 inovou a praxe dos cartórios em muitos aspectos. Terá sido uma medida muito positiva. Tenho me dedicado neste espaço a estudar alguns tópicos que a norma suscita.
Neste episódio, vou tratar das chamadas cédulas emitidas “sob a forma escritural”. A sua referência se acha no inc. IV do art. 4º do dito Provimento. A redação do art. 4º é a seguinte:
Art. 4º. Durante a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), contemplada no caput, todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados, e processá-los para os fins do art. 182 e ss da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
IV – as cédulas de crédito[1] emitidas sob a forma escritural[2] [3], na forma da lei;
[1] – Cédulas de crédito.
A norma admitiu todas as modalidades de cédulas que progressivamente vêm sendo emitidas em formato digital e transitam entre os registros públicos e as chamadas centrais de registro e de custódia.
[2] – Cédula – forma cartular ou escritural?
As cédulas podem ser emitidas em formato cartular ou escritural. A forma escritural da cédula não significa que o título deva ser necessariamente emitido em formato eletrônico, embora essa seja uma prática consolidada no mercado. Serão escriturais somente os títulos de crédito que se destinam a custódia em instituições financeiras[1] e poderão ser lavradas por escrituras públicas ou particulares[2]. Significa dizer que toda a movimentação do título escritural é rastreada em sistemas eletrônicos de registro[3].
Importante salientar que as cessões, por exemplo, não são objeto de registro ou de averbação no Cartório de Registro de Imóveis competente (§ 2º do art. 22 da Lei 10.931/2002), embora representem uma modalidade de transmissão da propriedade fiduciária pela cessão do crédito. Essa heterodoxia assistemática foi denunciada por mim há muito tempo: A CCI cartular, a transmissão da propriedade e a ilusão do registro.
Seja como for, a indicação – “forma escritural” –, referida neste provimento, abrange todas as espécies formais, o que pode representar uma vantagem para os emitentes. Sejam escriturais ou não, sejam destinadas às entidades custodiantes ou não, desde que em ambos os casos sejam eletrônicas ou digitais, penso que o acesso ao Registro de Imóveis acha-se franqueado, desde que observados alguns requisitos formais.
[3] – Cédula escritural – emissão eletrônica.
As cédulas, como vimos, podem ser emitidas sob a forma escritural ou cartular, por meio de escritura pública ou instrumento particular.
Importante destacar uma tendência que se verifica no mercado financeiro que é a emissão dos títulos em formato eletrônico.
No caso, por exemplo, das CPR´s – Cédula de Produto Rural, a sua emissão, quando escritural, pode se dar em meios eletrônicos com o uso de “senha eletrônica, biometria e código de autenticação emitido por dispositivo pessoal e intransferível, inclusive para fins de validade, eficácia e executividade” (§ 4º do art. 3º da Lei 8.929, de 22/8/1994 com a redação pela Lei 13.986/2020).
Todavia, como já referido anteriormente (v. tópico Emissão de cédulas em meios eletrônicos, na postagem anterior), a emissão das cédulas, com a utilização de várias modalidades de assinatura digital, sempre deverá observar as “formas previstas na legislação específica”. Vejamos a redação do § 4º do art. 3º da Lei 8.929, de 22/8/1994:
§ 4º No caso de emissão escritural, admite-se a utilização das formas previstas na legislação específica quanto à assinatura em documentos eletrônicos, como senha eletrônica, biometria e código de autenticação emitido por dispositivo pessoal e intransferível, inclusive para fins de validade, eficácia e executividade.
Nada de novo no front.
Voltarei ao tema quando enfrentar o requisito do metadado – autor – nos títulos eletrônicos, tal e como previsto no anexo II do Decreto 10.278, de 18/3/2020.
Notas
[1] CIR – Cédula Imobiliária Rural v. § 2º do art. 18, § 2º do art. 19 da Lei 13.986/2020; Cédula de Crédito Rural, v. art. 10-A do Decreto-Lei nº 167, de 14/1/1967;
[2] Cédula de Crédito Imobiliária, v. § 4º do art. 18 da Lei 10.931/2004: “A emissão da CCI sob a forma escritural ocorrerá por meio de escritura pública ou instrumento particular, que permanecerá custodiado em instituição financeira”.
[3] A distinção acha-se na lei (§ 4º do art. 18 da Lei 10.931/2004). Cédula escritural é a que deve ser custodiada nas instituições financeiras. Remeto o leitor para um antigo roteiro elaborado por mim: item 4 – que diferença existe entre a CCI cartular e a escritural? In JACOMINO. S. Cédula de Crédito Imobiliário – roteiro prático para o registrador. In Boletim Eletrônico do IRIB n. 593. São Paulo: IRIB, 18/12/2002. Acesso: https://irib.org.br/boletins/detalhes/3248.