Homer Simpson e os programas de cartório

Homer Simpson

A lista de discussões sobre informática e cartórios prospera com troca de e-mails sobre a tarefa crítica de informatizar cartórios de registro de imóveis com segurança e acerto sistemático.

Proximamente estaremos convidando as empresas prestadoras de serviços de informática para registros de imóveis a participar de um encontro, na sede do Irib, onde será apresentado o modelo de um projeto piloto de interconexão entre os registros. Enquanto agendamos o encontro, apresentamos abaixo um artigo postado na lista com o desejo de uma boa leitura e o convite para que as empresas prestadoras de serviços de informática para cartórios de RI integrem a lista Info·Irib.

Homer Simpson e os programas de cartório

Quem adora, como eu, a série de TV Os Simpsons , haverá de se lembrar de um episódio simplesmente hilário. Herbert Power, um fracassado CEO de Detroit, apresenta-se como meio-irmão de Homer insistindo que ele poderia inspirar o design de um carro que produzido salvaria a companhia que está à beira da quebra. Na versão original a voz de Herb é de Danny DeVito, uma das referências, só para entendidos, da constelação muito ao gosto de Groening. O episódio chama-se “ Oh, Brother, Where Are Thou ?”, escrito por Jeff Martin.

Como todos sabem, Matt Groening, o criador da série, amava a música de Frank Zappa e francamente se inspirou no grande músico e performer norte-americano na construção de seus personagens e episódios, sempre plenos de sarcasmo e ironia demolidora, pontilhados de referências e citações, constelando inumeráveis links e tiradas geniais. Nesta historieta há uma multifária galáxia de referências. Além de acenar ao filme de Francis Ford Coppola ( Tucker – The Man and His Dream) , uma das referências óbvias, e que vêm a calhar, é a história de Lee Iacocca, na sua rumorosa passagem pela Chrysler Corp.

Iacocca tinha uma opinião formada sobre o design de carros. Seu lema era surpreender o consumidor, apresentar-lhe o inusitado, inesperado, algo que pudesse arrebatá-lo pela força da irresistível surpresa. Jamais lhe passou pela cabeça que devesse saber de antemão o que o consumidor desejava, descobrir como o consumidor gostaria que os carros fossem, sua forma, design e utilidades. Ao contrário. A ele lhe parecia que idéia média que o consumidor pudesse apresentar estaria de tal forma contaminada por modelos já viciados que essa visão, sempre retrospectiva, jamais teria virtude suficiente para impulsionar a indústria automotiva rumo a novas (e rentáveis) fronteiras. Enfim, o consumidor médio é simplesmente medíocre.

Mas o que isso tudo tem a ver com o assunto que nos congrega nesta lista?

O episódio de Os Simpsons trata da contribuição que o mais ordinário dos mortais pode dar para o desenvolvimento de idéias que depois de aproveitadas pela indústria poderiam se revelar simplesmente geniais.

Eu lhes pergunto: como o mais estúpido dos usuários de sistemas para cartórios pode contribuir decisivamente para melhorar o software que roda no serviço ?

Talvez nada. Ou muito pouco, quem sabe? Mas talvez do outro lado do tubo catódico possa estar sentado um luminar. Aí as coisas mudam de figura.

Como lidar com as demandas que vêm dos usuários? O usuário é sempre um Homer Simpson que não consegue ultrapassar os limites da mais medíocre interface com o mundo?

Venho observando com imenso interesse o surgimento de iniciativas que visam capturar do imenso caudal de idéias inúteis outras verdadeiramente geniais; algo como uma lavra diligente para recuperar as gemas que de outra forma estariam perdidas para sempre em meio à lama e o lapidário.

A Internet é essa grande lavra global. A ocorrência de fenômenos como a Wikipedia – a enciclopédia livre da Internet (http://en.wikipedia.org/wiki/Main_Page ) e a democratização de acesso a idéias inovadoras, com os canais que a Internet disponibiliza para acesso e o trânsito de milhões de idéias e projetos, torna realmente possível a pavimentação do caminho de volta à planície, fazendo descer do Olimpo os inacessíveis “desenvolvedores” de software – para nos voltar ao nosso caso concreto.

Muitos enxergam na Internet uma quintessência do capitalismo, capaz de radicalizar uma espécie de neo-darwinismo em que os melhores, os mais aptos, os mais bem dotados, – tudo visto de uma particular perspectiva, coerente com a lógica do “mercado” – alcançam visibilidade e reconhecimento. A Internet proporciona o recrutamento de luminaresnas províncias e periferias do sistema como condição essencial para sua própria expansão e “supervivência”.

Álvaro D`Ors, um autor um pouco fora de moda nos círculos jurídico-economicistas, escrevendo um texto delicioso sobre os documentos notariais no direito romano pós-clássico, lança ao debate uma interessante suspeita. Procurando responder a uma questão muito relevante para os estudiosos do direito romano – por qual razão os documentos tiveram uma maior importância no direito pós-clássico do que jamais tiveram no clássico? – chega a uma interessante conclusão. Para ele, a idéia de documento não pode ser separada da de instrumento (aliás essa aproximação está muito bem vista no texto do notário mineiro João Teodoro da Silva – Ata Notarial – em http://www.irib.org.br/rdi/rdi53_169.asp ). E o instrumento não pode estar separado da idéia de tecnificação.

E essa tecnificação, que no caso do período em comento,  veio no bojo das influências helenísticas. Uma obra anônima – de rebus bellicis – escrita entre os anos 366 e 375 de nossa era, exorta o povo romano e seus governantes a observarem atentamente a irresistível capacidade de invenção dos povos bárbaros – barbarike epinoia – em muito superior à dos romanos; naquele texto medieval está registrado que “os povos bárbaros superam aos romanos, para vergonha destes, em inventiva, e todas as calamidades da sociedade romana derivam de sua tradicional desídia técnica, que se atribui ao sistema laboral escravista”.

Vejam só, “desídia técnica”! O que era uma cultura técnica do Egito helenístico (a escrita documental), agora é absorvida pelo Império que a reprocessa e a generaliza para todo o mundo romano: urbi et orbi . E nós somos tributários desse grande movimento que nasce de um “imperativo categórico” tecnológico que parece apresentar uma constância na história da humanidade.

Seja como for que consideremos a Internet e suas conseqüências culturais e econômicas – seja ela considerada tentáculo do sistema ou hiper-canal de tribos e singulares –, o fato é que os consumidores estão à espreita e à espera de um canal para chegar centros decisórios, sejam eles políticos, tecnológicos.

A reportagem publicada no The Economist de 10/3/2005 , abaixo reproduzida (com tradução do Valor Econômico), mostra que o Sr. Usuário deve ser levado em conta.

Vale a pena ler e refletir sobre a ocorrência de luminares entre os usuários de sistemas para cartórios.

Quem sabe isso não faça a diferença? (SJ)

Consumidor substitui os gênios da tecnologia

Em novembro do ano passado, engenheiros da divisão de cuidados com a saúde da General Electric (GE) anunciaram um aparelho chamado “LighSpeed VCT”, um scanner que cria uma imagem tridimensional surpreendente de um coração em funcionamento.

Neste segundo trimestre, a Staples, varejista americana que opera com artigos para escritório, vai exibir em suas prateleiras um aparelho chamado “wordlock”, um cadeado que usa letras em vez de números nas senhas. Em Munique, engenheiros da BMW começaram a construir protótipos que combinam computação e telecomunicações e serviços on-line de uma nova geração de automóveis de luxo.

Qual a conexão entre isso tudo? Em cada caso, os clientes das empresas tiveram grande participação (GE, BMW) ou papel de liderança (Staples) no desenho dos produtos. Como a inovação acontece? Essa história familiar sempre envolveu gênios de institutos acadêmicos e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Mas ultimamente a prática corporativa começou a desafiar essa antiga noção.

Os softwares de fonte aberta já são bem conhecidos. Mas não o fato de a Bell, uma fabricante americana de capacetes para motociclistas, ter recolhido centenas de idéias para novos produtos juntos aos seus clientes, e estar colocando várias delas em produção. Ou o caso da Electronic Arts (EA), uma fabricante de jogos para computador, envia ferramentas de programação para seus clientes e coloca as modificações que realiza on-line, introduzindo as criações dos consumidores em novos jogos.

Hoje, o cliente não só manda, como é o diretor de pesquisa de mercado, chefe de pesquisa e desenvolvimento e gerente de desenvolvimento de produtos.

Tudo isso não é novidade. Pesquisadores como Nikolaus Franke, da Universidade de Viena, e Christian Lüthje, da Universidade Técnica de Hamburgo, já demonstraram a importância das contribuições dos usuários para a evolução de tudo, de equipamentos esportivos a materiais de construção e instrumentos científicos.

Mas o surgimento das comunidades on-line, junto com o desenvolvimento de ferramentas para projetos poderosas e fáceis de serem usadas, parece estar alavancando o fenômeno, assim como atraindo para ele a atenção de uma audiência maior, diz Eric Von Hippel, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que está prestes a publicar um livro intitulado “Democratising Innovation”.

“As inovações pelos usuários sempre existiram”, diz ele. “A diferença é que as pessoas não podem mais negar que elas estão acontecendo.” Na verdade, “é bastante provável que a maioria das inovações ocorram dessa maneira”, diz Von Hippel. “Tais inovações têm uma taxa de sucesso bem maior”.

Segundo Von Hippel, no passado as empresas resistiam às inovações apresentadas pelos clientes, ou não sabiam o que fazer com elas. Em 1909, os agricultores americanos já faziam lobby junto às companhias automobilísticas para que elas produzissem assentos destacáveis. Detroit precisou de mais de uma década para “inventar” as caminhonetes (pickups).

Ainda hoje as montadoras respondem a modificações sugeridas pelos clientes invalidando a garantia. Três semanas depois do lançamento do “Mindstorms”, um sistema de desenvolvimento de robôs do tipo faça-você-mesmo, em 1997, a Lego enfrentava cerca de mil hackers que baixaram seu sistema operacional, fizeram melhorias e colocaram seu trabalho de volta na internet, de graça.

Depois de um longo e atordoante silêncio, a Lego parece ter aceitado os méritos do trabalho de sua comunidade: programas desenvolvidos na linguagem dos hackers podem agora ser transferidos para o site do Mindstorms.

Os esforços da BMW para aproveitar a criatividade de seus clientes começaram dois anos atrás, diz Joerg Reimann, diretor de administração de inovações de marketing da companhia, quando ela disponibilizou um kit de ferramentas em seu site na internet.

Esse kit permitiu aos clientes da BMW desenvolver idéias mostrando como a empresa poderia tirar vantagem dos avanços em telemática e dos serviços on-line dentro de automóveis. Dos 1.000 clientes que usaram o kit de ferramentas, a BMW escolheu 15 e os convidou para se encontrarem com seus engenheiros em Munique.

Algumas de suas idéias (que ainda permanecem secretas) chegaram, desde então, ao estágio dos protótipos, afirma a BMW. “Eles ficaram muito felizes por terem sido convidados e pelo interesse de nossos técnicos por suas idéias”, diz Reimann. “Eles não queriam dinheiro.” A BMW está ampliando seus esforços na área de inovações apresentadas por clientes.

A Westwood Studios, uma empresa que desenvolve jogos e que é hoje controlada pela EA, percebeu pela primeira vez o potencial de inovação apresentado pelas sugestões dos clientes, depois do lançamento de um jogo chamado “Red Alert”, em 1996: os jogadores começaram a produzir conteúdo novo para os jogos já existentes e disponibilizá-lo de graça para os fãs através da internet. A Westwood “tomou a decisão consciente de abraçar o fenômeno”, diz Mike Verdu, da EA.

Logo, ela estava distribuindo ferramentas básicas para o desenvolvimento de jogos e em 1999 já tinha um departamento dedicado a alimentar designers e produtores que trabalhavam em novos projetos com inovações apresentadas pelos clientes sobre jogos já existentes. “A comunidade dos fãs vem tendo uma influência enorme sobre o desenvolvimento dos jogos”, afirma Verdu, “e como resultado, os jogos estão melhores.”

Tradicionalmente, as empresas inovam encarregando pesquisadores de mercado a descobrir “necessidades não atendidas” entre seus clientes. Esses pesquisadores fazem seus relatórios. A empresa decide quais as idéias que vai desenvolver e as encaminha às equipes de desenvolvimento. Estudos sugerem que cerca de três quartos desses projetos fracassam.

Incentivar as inovações dos clientes exige métodos diferentes, afirma Von Hippel. Ao invés de tomar a temperatura de uma amostra representativa de clientes, as empresas precisa identificar os poucos clientes especiais que de fato inovam.

Os pesquisadores chamam esses clientes de “usuários líderes”. A divisão de cuidados com a saúde da GE os chama de “luminares”. A GE diz que eles tendem a ser doutores com muitos trabalhos publicados e cientistas pesquisadores de grandes instituições médicas, o que chegar a reunir até 25 luminares em sessões regulares do conselho de consultoria médica, para discutirem a tecnologia da GE.

A GE então compartilha algumas de suas tecnologias avanças com um sub-conjunto de luminares que formam um “santuário interno de bons amigos”, diz Sholom Ackelsberg, da GE Healthcare. Os produtos da GE então emergem da colaboração com esses grupos.

A Staples encontrou seus luminares realizando uma competição entre clientes, convocando-os a apresentarem novas idéias para produtos. Ela conseguiu 8.300 inscrições, diz Michael Collins, chefe do Big Idea Group, companhia iniciante que ajudou a Staples a organizar sua competição.

No cerne do pensamento sobre a inovação está a crença de que as pessoas esperam ser pagas por seu trabalho criativo: daí a necessidade de proteger e recompensar a criação intelectual. Mas algo realmente excitante sobre as inovações apresentadas por usuários é que os clientes parecem querer doar livremente a sua criatividade, diz Von Hippel.

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