Carimbos voadores são um perigo!

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo de instrumento apresentado por Vitória Cartório do Registro Civil da 1ª Zona e Tabelionato (Cartório Sarlo).

Com isso, está mantida a condenação imposta ao cartório pelo Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo) quanto ao pagamento de indenização de R$ 10 mil a uma funcionária agredida por um superior que arremessou carimbos em sua direção. ###

O relator do agravo, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, ressaltou que o Tribunal Regional, com base no conjunto fático-probatório, fixou o valor da indenização por dano moral “por entender presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, que no caso dos autos refere-se à agressão”. Segundo ele, não cabe ao TST reexaminar a prova para constatar a alegação do empregador de que se trata de prática corriqueira no ambiente de trabalho o lançamento de carimbos de uma mesa para a outra.

A empregada trabalhava como auxiliar administrativo no cartório gerenciado pelo irmão do tabelião. Segundo ela, era costume do gerente ter atitudes “ásperas e grosseiras” com os empregados. No dia do episódio gerador da ação trabalhista, o gerente constatou excesso de tinta no carimbo, ao manchar um cheque de R$ 15,55. Em seguida, atirou dois carimbos grandes, de madeira, em sua direção, atingindo-a no braço e no rosto, além de xingá-la com palavras de baixo calão. Laudo médico diagnosticou contusão no pulso da trabalhadora, que ingressou com ação na 6ª Vara do Trabalho de Vitória.

O juiz de primeiro grau acolheu o pedido da empregada, concedendo-lhe indenização por dano material e moral, pois ela teve gastos com exames de raio X, ataduras e consultas. O juiz considerou que “restou provado que o gerente, em comportamento fora do normal e alterado, expôs a figura da empregada perante a opinião pública”, gerando-lhe o direito à indenização por dano moral. A defesa do cartório recorreu ao TRT/ES, alegando que o chefe apenas tentou jogar sobre a mesa da empregada os carimbos, acertando-lhe acidentalmente. O Regional manteve a decisão da Vara do Trabalho e confirmou que o gerente abusou do seu poder diretivo com o “lançamento de carimbos em direção ao corpo da empregada, caracterizando verdadeira agressão, principalmente pelo fato de que não era comum o arremesso aéreo de carimbos”.

No TST, o empregador insistiu na retirada da condenação, dizendo não ter ferido a honra e a imagem da funcionária. Os ministros da Sexta Turma discordaram das alegações do empregador e negaram provimento ao agravo de instrumento apresentado. A decisão do TST esclareceu que a matéria foi examinada pelo TRT/ES, que constatou o ocorrido “ante o lançamento de carimbos, indicando os fatos que determinaram o comportamento do gerente do cartório”. O ministro Aloysio Corrêa concluiu ainda que “há constatação de dano moral no presente caso, não havendo se falar, ainda, em violação do artigo 186 do Código Civil, estando a decisão devidamente amparada na prova e na sua apreciação”. (AIRR 1472/2004-006-17-40.1)

Consulte a nota aqui.

Receita anual dos cartórios

O Valor Econômico de hoje traz em manchete uma matéria que vai render muita discussão. Você pode consultá-la aqui.

O jornalista Felipe Frisch entrevistou-me e as respostas que dei foram perfeitamente compreendidas e reproduzidas na matéria afinal publicada. Mas não é bem isso que importa. Na verdade, há alguns problemas que comprometem essencialmente as conclusões da matéria.

Vamos enumerar o que nos parece discutível:
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a) Cartórios – “setor sobre o qual pouco se conhece como negócio”. A comparação com outros setores da economia – empresas da construção civil, máquinas, minerais etc. – é descabida. Não se comparam coisas essencialmente distintas. Os cartórios não são empresas, não são “negócios”: são serviços públicos. Os dados que o repórter reclama para compor o cenário da atividade são protegidos pelo sigilo fiscal. Os emolumentos são como que honorários da pessoa física. Já os dados relativos às empresas são divulgados em balanços, publicados no próprio jornal Valor Econômico. E o são em decorrência de exigência legal. Seria o mesmo que sustentar que os advogados, considerados como uma instituição única, teriam um faturamento superior ao setor de supermercados. Ou pior, que a OAB teria a obrigação de divulgar os honorários dos advogados.

b) PIB – participação de São Paulo. É um argumento falacioso considerar como paradigma a relação feita a partir da fatia paulista no PIB para derivar as receitas de outros Estados. É falacioso por uma razão palmar: as tabelas são estaduais e variam de Estado a Estado. A regra de três falha fragorosamente. Depois, as porcentagens de emolumentos (parte do Oficial) variam igualmente de Estado a Estado. Finalmente, a atividade econômica com a notarial e registral num Estado como São Paulo será fundamentalmente diferente em comparação com outros Estados. Basta o exemplo do Amazonas, onde a propriedade informal representa, nalgumas regiões centrais de Manaus, perto 90% dos casos. Enfim, o valor de R$ 6.8 bilhões de faturamento é tão impreciso quanto o número de papagaios na Serra do Cachimbo no último censo do Ibama.

c) Estimativas desestimadas pela lógica. Diz a reportagem que ao resultado assim estimado se chegou a partir dos valores recolhidos ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), “correspondentes a 3,29%.” Ok. Considera-se rendimento bruto os restantes 97%? Hum… a reportagem não diz – e nisto presta um baita desserviço. Provavelmente o repórter considerou o resto simplesmente resto, bagatela de alguns bilhões de reais.

d) Empresas de pequeno porte. Pode-se pinçar uma conclusão importante na reportagem – embora os dados não sejam confiáveis, nem o enquadramento adequado. Por esses números, diz Felipe Frisch, “a receita de cada cartório anualmente seria de R$ 461 mil em média, valor equiparável a empresas de pequeno porte, com faturamento de até R$ 2,4 milhões”. Na verdade é muito menos. Mas a conclusão é ainda assim importante. Diz o repórter que esse resultado representa uma média, pois “há lugares com receitas melhores e piores”. Ora, está entredito que há lugares muito melhores; logicamente, esses “lugares melhores” são em menor número – grandes centros urbanos -, o que nos levaria à conclusão de que a maioria dos cartórios tem uma receita muito modesta – muito mais modesta do que teria uma empresa de pequeno porte segundo critérios da própria Receita Federal.

Enfim, a reportagem erra feio nas projeções que faz a partir de premissas falsas. Mas teve a virtude de colocar o foco em questões candentes: concursos públicos, concorrências de cartórios, receitas modestas de registros etc.

Cágados, burocracia e cartórios

Os dois cartórios de registro de imóveis estatizados de Recife são a expressão de um modelo reclamado por vários setores da economia e da administração pública.

A estatização interessa à sociedade brasileira?

As estrelas máximas da reportagem abaixo, representam o mais bem acabado modelo posto em prática pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pernambuco que há mais de 20 anos desmembrou os cartórios de registro da capital.

Os responsáveis designados para esses cartórios são os antigos escrivães – chamados ali de serventuários de justiça. Aqui ocorre o fenômeno de permanência dos longevos modelos medievais em que os tabeliães do paço realizavam atividades judiciais. Eram os dublês do extrajudicial e “do feito”.

Segundo especialistas no mercado imobiliário do Recife, os cágados da categoria prejudicam o desenvolvimento de certas áreas da cidade, seja por elaborarem exigência burocráticas e descabidas, desprovidas de qualquer embasamento jurídico, seja realizando o mister registral em prazos compatíveis com a natureza desses espécimes.

Para se conseguir uma certidão de propriedade e negativa de ônus nesses cartórios, documento essencial para a movimentação do crédito imobiliário, os quelônios não demoram menos do que 60 dias.

Normal, em se tratando da espécie. Recife prova que a sobrevivência dos mais aptos pode ser comprometida pelas boas intenções da burocracia.

Cartórios estatizados e dinossauros existem!

Uma elucidativa nota foi publicada no Diário do Pernambuco de 15 de março passado. Para os que se iludem com a municipalização dos registros, vale a pena conhecer os dois modelos em expressivo contraste. Vamos à nota:

Cliente pena em cartórios do estado

Há um ano e cinco meses, a médica Ana Clara Miranda, 41 anos, trava uma verdadeira luta com o 3º Cartório de Registro de Imóveis do Recife, na Avenida Norte. Ela precisa ter em mãos o registro do desmembramento do terreno que adquiriu no Sítio dos Pintos, em Dois Irmãos, para começar a construir sua casa.

Tudo estaria dentro da normalidade se a lei estadual 6.015 não determinasse que uma ação do tipo deveria estar pronta para o cliente dentro do prazo máximo de trinta dias.

Ana Clara não é a única vítima da morosidade nos dois cartórios de registro de imóvel da capital mantidos pelo estado. O 4º cartório, na Avenida Caxangá, também é alvo de queixas de clientes e advogados que precisam lidar com registro, averbação e certidão de imóveis.

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O Recife tem ao todo quatro cartórios de imóveis, mas dois deles (o 1º e o 2º) são mantidos pela iniciativa privada através de concessão pública. As queixas, no entanto, somente são direcionadas aos que são administrados pelo estado, através da Corregedoria Geral de Justiça.

Como os serviços são prestados de acordo com a área de localização do imóvel em análise, o cliente perde o direito de escolha pelo melhor atendimento.

É o caso da médica. “Depois de comprar o terreno, fui na prefeitura, resolvi todas as pendências e ganhei um prazo de um ano do município para ter o registro do desmembramento no cartório. O problema é que já se passaram um ano e cinco meses e corro o risco de enfrentar todo o processo de novo na prefeitura se não conseguir uma declaração do cartório confirmando a data que dei entrada no pedido para que eu justifique o atraso”, explicou. Ela conta que chegou a ser destratada por funcionários. Segundo Ana Clara, as principais “desculpas” dadas pelos atendentes para a demora são os recessos anuais, o feriado de carnaval, a falta de funcionários e até mesmo o roubo de quatro CPU’s de computadores no mês passado. “Acho que falta profissionalismo e um serviço público competente”, afirmou.

Na Avenida Caxangá, a dificuldade da socióloga Zenaide Bezerra, 59, é semelhante com relação ao 4º cartório. Os principais obstáculos também são a morosidade e o atendimento precário. “Estou há um ano tentando resolver uma documentação para meu imóvel, na Torre, e toda vez que venho aqui falta um documento. Por que eles não informam de uma só vez o que preciso trazer?”, desabafou. A papelada que Zenaide necessita deveria sair no prazo máximo de cinco dias, de acordo com o que também diz a lei estadual 6.015 quando se refere a certidões.

O advogado Mansueto Cruz, que está sempre atuando para clientes nesses cartórios, diz que as diferenças entre os serviços prestados pelo privado e pelo público são gritantes. “O pior é que as taxas cobradas são as mesmas. Não há justificativa”, disse. O 3º cartório atende bairros como Casa Amarela, Arruda, Água Fria e Encruzilhada, enquanto o 4º cartório é responsável por 40 bairros, entre eles Afogados, Madalena, Caxangá e Cidade Universitária. A lei diz que os registros e averbações (mudanças ao longo da história do imóvel) devem estar prontos em 30 dias, enquanto as certidões (espécie de cópias dos registros), em apenas cinco dias.

Diário de Pernambuco, Vida Urbana, Quinta-feira, 15 de março de 2007

Contra a disputa, a regularização

O Governo do Estado do Pará buscará apoio do Ministério das Cidades para solucionar o “grave problema fundiário” de alguns municípios daquele Estado.

O aspecto importante, que merece destaque na nota do Governo do Pará, é a clara antevisão de que a regularização fundiária ocorre em áreas onde a disputa pela posse da terra é considerada crítica.

De fato, onde não há assinalação de direitos de propriedade (domínio, uso, locação social etc.) impera a violência e disputas que podem levar a conflitos graves. Justamente aqui, muito além da intervenção na urbe e demais medidas tendentes e resolver o problema da ocupação e dos espaços públicos e privados, é mais do que nunca necessário que se defina a situação jurídica dos ocupantes. A que título constinuarão nessas áreas?
Aqui podem vir em socorro da situação várias instituições jurídicas, dentre as quais se destaca o registro imobiliário, com sua função essencial de assinalação de direitos e publicidade das situações jurídicas.

Afinal, onde há transparência e clara sinalização dos direitos, as demais instituições políticas e sociais podem com maior desenvoltura e segurança atuar para garantir a efetiva posse, evitando-se conflitos.