Cadastro municipal – requisito de especialidade objetiva

Na semana passada fui instado a suscitar dúvida sobre um caso aparentemente banal. Pretendeu-se registrar algumas escrituras públicas que tinham por objeto unidades autônomas que se achavam vinculadas a um cadastro único do todo (matrícula-mãe), inscrição originária que presumivelmente terá sido cancelada em face do surgimento de novas parcelas (unidades autônomas).

Os interessados insistiam na desnecessidade de se averbar a mudança de numeração cadastral – “até porque o cadastro original foi cancelado”.

Ao final e ao cabo os interessados desistiram da dúvida, remanescendo os termos da suscitação de dúvida rogada que ora apresento aos estudiosos do tema, buscando, com isso, formentar o debate.

Busquei responder a questões como: o cadastro é elemento essencial da especialidade objetiva do bem? Sua mudança gera a obrigatoriedade da averbação da mutação?

A questão foi enfrentada no contexto da legislação urbanística e cadastral paulistana, corpo legal que cria obrigações acessórias aos notários e registradores, como se verá do texto abaixo. Além disso, o texto enfrenta problemas concretos, razão pela qual não está vazado em termos acadêmicos.

Cadastro municipal e especialidade ojetiva

O motivo que impediu o acesso do título à tábua registral é o fato de não ter sido indicado o número de inscrição no Cadastro Fiscal Imobiliário da Prefeitura Municipal de São Paulo. Tal requisito é essencial para a especialidade objetiva dos imóveis em tela e para conferência dos tributos devidos pela sua alienação.

O óbice apontado pelo Registro se relaciona à necessidade de comprovação de mudança do cadastro municipal dos imóveis objetos da escritura apresentada a registro.

A Lei 6.015, de 1973, prevê, no artigo 176, § 1º, 3, “b”, que na matrícula do bem imóvel deve conter, além de suas características e confrontações, localização, área, logradouro, número e “designação cadastral, se houver”.

No caso concreto, sempre houve designação cadastral – aliás, indicada já no descerramento das matrículas respectivas. Presume-se o desmembramento do cadastro, já que a inscrição originária abrangia o todo, atribuindo-se a cada uma das unidades (parcelas) uma nova designação cadastral. A presunção encontra conforto na lei do Município de São Paulo que exige a inscrição no Cadastro Imobiliário Fiscal, nos termos do art. 2º da Lei Municipal 10.819, de 28 de dezembro de 1989:

“Art. 2º Todos os imóveis, construídos ou não, situados na zona urbana do Município, inclusive os que gozem de imunidade ou isenção, devem ser inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal”.

Solicitamos a comprovação da alteração cadastral sofrida – ao que respondeu o interessado ter sido cancelado o número de contribuinte original. Tal fato se declara igualmente na escritura apresentada ao Registro.

A designação cadastral é um elemento importante na especialização objetiva dos imóveis matriculados, além de ser exigida na lei municipal paulistana referida. Calha, à espécie, a regra que vem consagrada no art. 225,  § 2º, da Lei n. 6.015/1973:

“§ 2º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”.

De fato, constando a designação cadastral na especialização do imóvel, consoante prevê o artigo 176, § 1º, 3, “b” da Lei de Registros Públicos, sua alteração (ou cancelamento) exigiria alteração, a ser promovida nos termos do art. 246 da Lei 6.015, de 1973.

O C. Conselho Superior da Magistratura já enfrentou caso análogo decidindo que sendo divergentes a descrição do imóvel e o número do cadastro municipal correspondente, em relação ao que consta do registro, o acesso do título deve ser denegado:

“Tais divergências, sem dúvida, impedem, por igual, a inscrição pretendida, sob o prisma do princípio da especialidade registral (art. 225, § 2º, da Lei n. 6.015/1973), mostrando-se necessária prévia retificação do título ou, eventualmente, do próprio registro”. (Ap. Civ. 990.10.017.578-5, j. 13.4.2010, DJE de 1.6.2010, Caçapava, Relator: des. Munhoz Soares).

Cadastro e ITBI-IV

Por outro lado, a questão da indicação da inscrição cadastral está diretamente relacionada com a verificação do recolhimento de tributos – especialmente do Imposto sobre Transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição – ITBI–IV.

Nos termos do art. 7º do Decreto 51.627, de 2010, a base de cálculo do ITBI-IV é o valor venal atribuído aos bens ou direitos transmitidos, “assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado”.

A base de cálculo do imposto é, portanto, o chamado “valor venal de referência”, apurado no site da própria Prefeitura Municipal da Capital de São Paulo (acesso aqui). Ocorre que a indicação do número de inscrição no cadastro municipal é requisito obrigatório para a apuração do valor venal de referência. No caso concreto, a pesquisa resulta sempre infrutífera: “número de Contribuinte inválido ou inexistente”, informa o site da PMSP, “contribuinte não se enquadra nas condições previstas para a emissão da Certidão de Dados Cadastrais do Imóvel”, remata o texto.

A questão se torna ainda mais problemática na medida em que o notário e o registrador estão obrigados, pelo referido Decreto Municipal 51.627, de 2010, a verificar a exatidão do recolhimento,  colmatando eventuais lacunas no respectivo documento de arrecadação:

“Art. 28 Os notários, oficiais de Registro de Imóveis e seus prepostos ficam obrigados a verificar a exatidão e a suprir as eventuais omissões dos elementos de identificação do contribuinte e do imóvel transacionado no documento de arrecadação, nos atos em que intervierem”.

Como se vê, existe um vínculo que une as operações de fixação do valor base de recolhimento do imposto devido aos formulários que atestam a regularidade da operação. Esse vínculo chama-se cadastro municipal.

Note-se, por fim, que o notário não declarou, na escritura que lavrou, sob sua estrita responsabilidade, que se cumpriu a regra prevista no item 7 da Portaria SF 81/2005, cujo texto é o seguinte:

“7. Os notários, oficiais de registro de imóveis ou seus prepostos deverão conferir o valor do Imposto e informar a data constante do documento de quitação, por número de transação, acessando o Portal da Prefeitura da Cidade de São Paulo, no endereço eletrônico http://www.prefeitura.sp.gov.br, por meio de senha específica fornecida pela Secretaria Municipal de Finanças”.

A conclusão é cristalina: A inscrição no cadastro municipal (Cadastro Imobiliário Fiscal) é exigência da Lei Municipal paulistana n. 10.819, de 28 de dezembro de 1989. Sendo obrigatória a inscrição, a indicação do cadastro no registro é obrigatória (art. 176, § 1º, III, 2, “b” da Lei 6.015, de 1973). Havendo mudança ou cancelamento, tal fato deve ser objeto de averbação (art. 246 da LRP).

Deixe uma resposta