Os Registros Públicos brasileiros acham-se na atualidade numa terrível encruzilhada.
Premidos por necessidades econômicas e sociais, e refletindo uma tendência irreprimível, os Serviços Registrais pátrios acham-se na iminência de abandonar o tradicional modelo atomizado de organização institucional, herdado da modelagem concebida na segunda metade do século XIX, e adotar um modelo de “molecularização” do sistema.
Essa mudança é reflexo de uma transformação nos meios de fixação da informação registral. A arquitetura informacional dos registros públicos, já tradicional, mudará substancialmente. Estamos rapidamente abandonando o paradigma da registração em suporte cartáceo, superando rapidamente a etapa intermédia de computação de rede (client/server) para experimentar um brave new world: a computação em nuvem (cloud computing) e a consequente interconexão dos Registros Públicos. Com a informação migrando dos tradicionais fólios para bases de dados especializadas, as capas de informação podem descerrar gigantescos portais que vão tracionar os Registros Públicos a novos patamares e levá-los diretamente ao século XXI. Essa mudança representa uma miríade de desafios e de grandes oportunidades e de imensos riscos.
Os meios eletrônicos tendem a conformar os próprios conteúdos. É conhecida a boutade de Marshal McLuhan – “a forma é o conteúdo”. A tecnologia está modelando um novo Registro Público. Assim como não teria sido possível a invenção de um admirável mundo novo sem as maravilhas náuticas de cartógrafos sarracenos, judeus e cristão, congregados na Escola de Sagres, não será possível colonizar o cyberspace sem uma cartografia precisa, a cargo dos profissionais diretamente envolvidos no fazer registral: os próprios registradores imobiliários. Essa tarefa é indelegável.
Mas o que esses profissionais têm a dizer a respeito dos novos meios eletrônicos e seus impactos na sua singular atividade?
Dos tradicionais fólios de matrículas, com a informação articulada em um discurso narrativo, vazado em linguagem natural, ao Registro estruturado, não sobrará mais do que escombros linguísticos. O registro será estruturado e a inscrição realizada com base nas tendências apontadas pela tecnologia da informação.
Como toda transformação, a progressiva desestruturação/reestruturação dos registros prediais, atendendo a imperativos tecnológicos, podem levar a equívocos conceituais na modelagem de um novo sistema registral.
O processo é inçado de reconhecidas dificuldades. Corremos o risco de conceber o Registro Eletrônico como mera reprodução homóloga de inscrições tradicionais. Pode ocorrer o fenômeno que tenho apelidado de McLuhan´s syndrome, i.e., o impacto de novas tecnologias, especialmente a disponibilidade de novos meios eletrônicos (cloud computing, p. ex.) tendendo a conformar os próprios registros, dando-lhes uma nova dimensão, pode nos levar, contudo, à repetição de equívocos, como os “efeitos especulares” dos registros tradicionais replicados em meios digitais. Carreiam-se aos novos meios digitais, por definição muito mais ricos e complexos, as limitações materiais oferecidas pelas media anteriores.
Marshall McLuhan estudou alguns desses fenômenos interessantes no seu conhecido livro Understandig media – the extensions of Man (Cambridge: MIT, 1994. 365p.). Destaco uma passagem que bem sintetiza o fenômeno: toda forma de transporte (e os meios digitais não são mais do que meios “quentes” de trânsito informacional) não apenas conduz, mas traduz e transforma o transmissor , o receptor e a mensagem:
“each form os transport not only carries, but translates and transforms, the sender, the receiver, and the message. The use of any kind of medium or extension of man alters the patterns or interdependence among people, as it alters the ratios among our senses” (p. 90)”.
O “meio é a mensagem”. Os meios eletrônicos, suportando os nossos conhecidos registros e inscrições, tenderão a transformar-lhes substancialmente. O “conteúdo” de nossos meios digitais, contudo, podem vir a se constituir em outros “meios” – no caso os velhos livros de registro replicados homologamente -, a menos que percebamos a natureza substancialmente distinta daqueles e que possamos, com isso, ultrapassar os velhos paradigmas.
Em suma, dos novos meios eletrônicos haverá de nascer um novo Registro Predial.
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