
O editorial da Folha de São Paulo de hoje (9/7/2014, p. 2), sob o título Planos na Justiça, traz interessante reflexão: o acesso à justiça é um direito fundamental. Mas será este o caminho mais rápido, econômico e eficaz para se alcançar os resultados postulados em milhares de ações que se repetem?
De modo muito coerente, o jornal sustenta que “tamanha judicialização contribui para encarecer cada vez mais os próprios planos”. A melhor maneira de se resolver o grave problema que se vai criando na área da saúde é buscar um ponto de equilíbrio.
Ponto de equilíbrio. E qual seria este? Concluiu o editorialista: uma regulamentação clara.
Parece óbvio para o jornal que o custoso mecanismo do Judiciário deva de ser posto em marcha somente nos casos excepcionais. A concessão automática de liminares amplifica e estimula a indústria das demandas na medida em que, apurados e ponderados os custos para cobertura dos valores deferidos em liminares, os planos os repassam para a comunidade de associados, gerando inflação e tornando, na prática, inacessível um plano de saúde de melhor qualidade a milhares de brasileiros, muitos largados à própria sorte no sistema unificado de saúde.
O que me chamou a atenção, contudo, é o fato de que no âmbito dos Registros Públicos estamos vivendo uma fase curiosa em que se pode fazer alguma analogia com o tema dos planos de saúde. Experimentamos uma fase de “deformalização” dos processos registrais com vistas a tornar o seu mecanismo mais rápido e “eficiente”. Com isso somos estimulados a ultrapassar, sem cerimônia, os marcos formais que atuam, justamente, como balizas ordenadoras de todo o sistema. A superação de aspectos formais, em busca de uma efetividade material dos direitos, é uma tendência equivocada.
Calha a pergunta: o registro é burocrático ou será um sofisticado mecanismo formal a prevenir conflitos?
A forma – escreveu Ihering – é garante da liberdade. Citemo-lo diretamente:
Apesar de sua contradição aparente – porque uma garante a liberdade ilimitada da vontade material, enquanto que a outra reduz estritamente essa liberdade sob o ponto de vista formal –, descobrem, no entanto, pelo paralelismo das linhas de seu desenvolvimento, a dependência mútua, recíproca, e deixam adivinhar a relação oculta que as encadeia. O mais completo desenvolvimento da era da liberdade, marca também o domínio do mais tirânico rigor na forma, que perde a sua austeridade ao mesmo tempo em que a liberdade soçobra insensivelmente; e quando, sob a pressão contínua do regime cesariano, a liberdade se aniquila por completo e para sempre, desaparecem, também, o formalismo e as fórmulas do direito antigo”. (O espírito do Direito Romano).
A tendência que se vê no direito registral nos dias que correm aponta para o sentido de que se deve, desde logo, consagrar os direitos consubstanciados nos títulos, afastando, por formalismo esvaziado de sentido prático, os procedimentos formais de registro. Ocorrendo alguma controvérsia, o Judiciário poderá ser chamado a definir os direitos. Never fear, Smith is here!
A aposta numa espécie de remédio universal para todos os males decorrentes das transações imobiliárias é um erro grave. Promover o desmonte do sistema de segurança jurídica preventiva, subtraindo, pouco a pouco, as referências formais que são o eixo fundamental para o exercício da qualificação registral, pode levar a uma situação muito semelhante à tratada no editorial de hoje da FSP: o encarecimento de todo o processo e a falência do sistema de segurança jurídica preventiva.
Pense um pouco. O registro é burocrático? Devemos deixar a definição de direitos imobiliários ex post? Ou devemos consagrá-los ex ante, ultrapassados os requisitos formais e de fundo, cuja observância é atribuição essencial dos sistemas de segurança jurídica preventiva?