Mahagonny – a cidade onde tudo é permitido

lupusA tendência mundial é prestigiar e valorizar o Registro de Imóveis como instrumento de desenvolvimento econômico e social.

No Brasil parece que não.

Comentando as recentes modificações feitas no sistema registral brasileiro pela Lei 13.097/20015, o Dr. Ermitânio Prado não tem poupado críticas ao que qualificou como “fruto de rabularia argentária acumpliciada de atoleimados ingênuos”.

Segundo o Leão do Jocquey é maliciosa a alteração de redação do art. 1º do Dec.-Lei 745/1969, já que induziria o leitor incauto a imaginar que a reforma abrangeria somente as promessas de compra e venda de imóveis loteados nos termos do Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937.

“De jeito maneira!” – agita-se. “A mudança legislativa calha como luva aos interesses das grandes incorporadoras que se fartam dos lucros auferidos no mercado imobiliário e com a engorda de ganhos adjetos pela redação imperita de contratos de gaveta”.

Como assim, Dr. Ermitânio? – pergunto, fingindo ignorar esse segredo de polichinelo. O Velho repta num grunhindo:

Bah! Como não sabe? Deixe-me ler a redação alterada… [tira uma folha glosada do bolso direito de seu robe de chambre]. 

“Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-Lei no 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que não tenham sido registrados junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, o inadimplemento absoluto do promissário comprador só se caracterizará se, interpelado por via judicial ou por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, deixar de purgar a mora, no prazo de 15 (quinze) dias contados do recebimento da interpelação”.

“Parágrafo único. Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora”.

Segue seu discurso tonitruante:

Bela cadeia imobiliária que se monta e remonta como castelo de cartas marcadas! Seus artífices fogem da publicidade registral e do escrutínio judicial como o diabo da cruz.  Com uma só estocada feriram de morte a apreciação judicial e a transparência do Registro de Imóveis.

Interrompo-o com uma provocação maliciosa: mas, afinal, esta não é a famosa “lei da concentração na matrícula”, na qual trabalharam os nossos afanosos representantes corporativos?

Pobres fâmulos do mercado! Assujeitam-se a mobilizar seus préstimos, doando o parco prestígio que têm para consagrar interesses onzeneiros. E isto a troca de quê? Em troca da mera inoponibilidade a que chamam, pomposamente, de “concentração da matrícula”? Essa inoponibilidade que se acha prevista há décadas na lei registral?   Pobres diabos! Não sabem que fora das instituições não há soluções – só arreglo e enganos?

Para o Leão “não se podia conceber ambiente mais confortável e propício para a a lavagem de dinheiro do que o criado pela lei”.

O Velho pode ter razão. A norma eliminou de vez a luz que ainda resistia sobre negócios imobiliários que são instrumentados por contratos privados. “Já haviam afastado o notário; agora demitem de um só golpe o registrador e o juiz de direito. O ambiente de contratação agora se converteu no reino da penumbra”.

Segundo o velho Ermitânio, esta lei foi “processada nos intestinos do mercado depois de regurgitada pelas corporações de ofício”:

O diabo é que essas iniciativas vem embaladas em sofismas que visam justificar a depressão da importância das instituições. Para quê Judiciário – se suas decisões são lotéricas? Para quê Registros Públicos – se são custosos e prebendários?

Pobre Dr. Ermitânio Prado. Não fosse este blogue e estaria a falar com as paredes, prostrado em sua cadeira estilosa, constelado de jornais, livros e antigos vinis da Deutsche Grammophon. 

Ainda agora está a perambular pelas dependências vazias do apartamento, entoando cancionetas alemãs a pleno pulmões:

“Aber dieses ganze Mahagonny
ist nur, weil alles so schlecht ist,
weil keine Ruhe herrscht
und keine Eintracht,
und weil es nichts gibt,
woran man sich halten kann”.