Ponto crítico: novação e alienação fiduciária

Mauro Antonio Rocha.JPGMauro Antônio Rocha, conhecido colega de debates e discussões nas sessões das Normas de Serviço da CGJSP, coordenados pelo desembargador Ricardo Dip, enfrenta precedentes da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo que sinalizam o acerto de denegação de averbação de instrumentos aditivos – mormente de CCB´s – contendo alterações das condições primárias de contratos de mútuo financeiro e outros negócios jurídicos, garantidos por alienação fiduciária de bem imóvel.

O autor destaca a necessidade de se considerar, na análise do caso concreto, suas peculiaridades, afastando-se as barreiras intransponíveis opostas contra a pretensão de averbação de mudanças que, segundo ele, são perfeitamente admissíveis.

O risco, diz, é deixar “inconclusos negócios jurídicos já contratados, além de obstar e prejudicar a contratação de outras inúmeras operações de crédito rotativo no mercado financeiro”.

Vale a pena conhecer o seu ponto de vista no novo site círculo registral. Acompanhe-nos aqui: Círculo Registral – jurisprudência comentada.

Registro Públicos e bancos de dados multifuncionais

Vantagens e desvantagens de integração da formalização contratual e administrativa. Luís Paulo Aliende Ribeiro*

Sumário:  1. Introdução. 2. Sistemas de registro de imóveis. 3. Registros contratuais e administrativos. 4. Considerações Finais.

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Luís Paulo Aliende Ribeiro
  1. Introdução.

Aberta a discussão de criação do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter) junto à Comissão de Juristas da Desburocratização – CJD, encarregada pelo Senado Federal de propor medidas para a desburocratização do país, é necessária a análise crítica da ideia de formar uma base de dados dos imóveis rurais e urbanos de todo o país.

O sistema, como relatado na proposta formulada pela Receita Federal à Comissão de Desburocratização, seria composto de um banco de dados integrado e multifuncional, que além de informações de registro, repassadas por cartórios, contaria também com dados fiscais, cadastrais georreferenciados.

O objetivo seria o de contribuir para agilizar o acesso de órgãos públicos, sobretudo da Receita Federal e do Judiciário, a informações sobre imóveis. Continuar lendo

Reserva legal florestal – averbar ou não averbar?

Kollemata - jurisprudênciaEm recente decisão, o STJ enfrentou uma questão muito interessante: para a averbação de mera retificação de registro será necessária prévia averbação da reserva legal florestal?

Uma das conclusões do aresto é esta: “permanece na lei atual o entendimento de que a reserva legal é inerente ao direito de propriedade ou posse do imóvel rural, sendo delimitada pelo princípio da função social e ambiental da propriedade rural”.

Esta “inerência”, qualidade intrínseca e inseparável que forma o plexo dominial, exigiria a prévia averbação para a prática dos atos de registro? Esta propriedade rural não se configuraria e conformaria tão-só pela força da lei ambiental, seguida da inscrição no cadastro ambiental rural – CAR? A exigência de averbação registrária não terá sido afastada pelo atual Código Florestal?

O v. acórdão parece indicar um sentido muito claro para dar respostas a estas questões. Diz a ementa que “tanto no revogado Código Florestal (Lei 4.771/65, art. 16, § 8º) quanto na atual Lei 12.651/2012 (arts. 18 e 29) tem-se a orientação de que a reserva legal florestal é inerente ao direito de propriedade e posse de imóvel rural, fundada no princípio da função social e ambiental da propriedade rural (CF, art. 186, II)”.

Logo, é de se concluir, a averbação seria necessária, tanto sob a égide do diploma revogado, quanto pelo atual.

Este questão nos leva a outras, muito interessantes.

Uma delas, de uma atualidade indiscutível, é saber até que ponto um cadastro administrativo (como é o CAR) desempenha um papel relevante na configuração do estatuto jurídico da propriedade rural.

Aparentemente, apesar da obrigação de registro no CAR – que servirá a várias finalidades administrativas, arrecadatórias, fiscalizatórias etc. – a averbação no Registro de Imóveis desempenhará uma função distinta e relevante de coadjuvação, com o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA) na revelação, pela publicidade registral, dos fatos jurídicos-ambientais que guardam a propriedade rural.

O Registro revela a situação jurídica do bem, coisa a que o cadastro administrativo não se prestaria.

Por outro lado, a chamada qualificação registral é um elemento fundamental no tráfego jurídico imobiliário. Atuando preventivamente, o Oficial impedirá o acesso, à tábula, de negócios jurídicos que se celebrem em afronta à lei, obstando a sua eficácia erga tertius. 

Vale a pena o estudo deste aresto para saber até que ponto temos uma sinalização que vai orientar as futuras decisões do STJ.

STJ – RECURSO ESPECIAL: 843.829 – MG, j. 19/11/2015, DJe 27/11/2015, min. RAUL ARAÚJO

RECURSO ESPECIAL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. IMÓVEL RURAL. PRÉVIA AVERBAÇÃO DE ÁREA DE RESERVA FLORESTAL LEGAL NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA A RETIFICAÇÃO DA ÁREA (LEI 4.77/⁄65, ANTIGO CÓDIGO FLORESTAL, ART. 16, § 8º; LEI 12.651⁄2012, ATUAL DIPLOMA FLORESTAL, ARTS. 18 E 29). RECURSO PROVIDO.

  1. Tanto no revogado Código Florestal (Lei 4.771⁄65, art. 16, § 8º) quanto na atual Lei 12.651⁄2012 (arts. 18 e 29) tem-se a orientação de que a reserva legal florestal é inerente ao direito de propriedade e posse de imóvel rural, fundada no princípio da função social e ambiental da propriedade rural (CF, art. 186, II).
  1. “É possível extrair do art. 16, § 8º, do Código Florestal que a averbação da reserva florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel sujeito à disciplina da Lei 4.771⁄65” (REsp 831.212⁄MG, DJe de 22⁄9⁄2009, Relatora Min. Nancy Andrighi).
  2. Recurso especial provido.

Acesse a íntegra aqui

A propriedade é um roubo?

Proudhon
Le propriété, c´est le vol!

O site UOL Notícias traz a informação de uma inacreditável iniciativa da municipalidade paulistana de remover o sigilo que guarda a privacidade dos cidadãos, abrindo o cadastro municipal a fim de divulgar o nome de todos os donos de imóveis da cidade de São Paulo (veja o site aqui).

O prefeito paulistano se supera no curso daquela que já é considerada a mais inepta gestão municipal da história, dando mostras generosas de olímpica incultura jurídica.

Com a medida de escancarar os arquivos municipais – como se fora um registro de direitos – confunde alho com bugalho, cadastro com registro jurídico.

O velho Dr. Ermitânio Prado diz que o prefeito não consegue distinguir uma coisa da outra “por uma espécie de carência essencial que o incapacita de enxergar com realismo os problemas citadinos”. Segundo o Velho “isso não o impedirá de administrar a cidade como se fora um presépio de idiotas”. E segue o Leão do Jocquey:

o biciclopedista sustenta acacianamente que os dados do cadastro municipal já são públicos. Em seu discurso truista faltou dizer que a medida ilumina a luz e que mais se entreva quanto mais se atreve no obscurantismo.

O prefeito parece ignorar o amplo debate que a sociedade civil mantém no sentido de se impedir que a administração, salvo por meio de instrumentos legais e com apoio no devido processo legal, divulgue dados de caráter pessoal ou patrimonial.

Diz a reportagem que se chegou ao “entendimento que isso (o sigilo) era um obstáculo criado artificialmente”. Essa genial ideia lembra outras iniciativas criminosas de disponibilizar dados de caráter pessoal em sites sediados no exterior.

Por outro lado, numa série de confusões divagantes, o edil parece entender que o cadastro provaria domínio e direitos a ele relativos e que a esse “cadastro dominial” o cidadão poderia recorrer sem “fazer buscas nos cartórios e pagar por isso”. Diz que a “ocultação de bens é uma das formas mais comuns de se investir recursos obtidos ilicitamente”.

A iniciativa paulistana nos remete imediatamente a outras – como o cartório virtual, chamado de “site criminoso” pela ministra Nancy Andrighi que encaminhou peças à Polícia Federal (vide matéria de Alexandre Hisayasu no Estadão de 18/11/2015).

A iniciativa expõe desnecessariamente dados de caráter patrimonial do cidadão. Se o prefeito quer efetivamente combater a lavagem de dinheiro ou a corrupção, fenômeno que grassa na administração pública, deveria agir rigorosamente dentro da lei e não presumir que toda propriedade na cidade de São Paulo é um roubo.

ABDRI recebe Comissão de Desburocratização do Senado

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ABDRI recebe Comissão de Juristas do Senado Federal

Estiveram presentes, pela Comissão: Otávio Luiz Rodrigues Jr., professor doutor de direito civil da Universidade de São Paulo; Daniel Vieira Boggia Soares, do Instituto Hélio Beltrão; Luciana Leal Brayner, Procuradora da Fazenda Nacional; Aristóteles de Queiroz Câmara, integrante da Comissão de Juristas do Senado Federal.

Os membros da Academia presentes foram: Sérgio Jacomino, registrador e Presidente da ABDRI; des. Luís Paulo Aliende Ribeiro, desembargador do TJSP; Leonardo Brandelli, registrador e coordenador editorial do IRIB; Daniel Lago Rodrigues, registrador e Secretário Geral da ABDRI; Antônio Ranaldo Filho, registrador em SP.; Flauzilino Araújo dos Santos, registrador e Vice-Presidente da ARISP; Patrícia André de Camargo Ferraz, registradora e coordenadora editorial da AnoregBR; George Takeda, registrador e membro da diretoria da ARISP.

Como convidado especial, compareceu Dom Fernando P. Méndez González, registrado espanhol, diretor de relações internacionais do Colégio de Registradores de Espanha.

A reunião transcorreu com muitos e francos debates e foi considerada por todos como muito proveitosa. Foram apresentados vários projetos que visam modernizar e desburocratizar os processos de registro de imóveis.

Fernando Méndez González iniciou os trabalhos com uma breve exposição das recentes experiências dos registradores europeus em face das transformações tecnológicas pelas quais tem passado os registros de imóveis do bloco. Fernando foi o fundador da Associação Europeia de Registradores de Imóveis (ELRA – European Land Registry Association) além de ter colaborado com instituição dos registros públicos na Federação Russa.

Sob a coordenação de Leonardo Brandelli, os registradores apresentaram vários projetos de reforma legal, realizando uma exposição dos motivos que fundamentam as propostas.

A Comissão de juristas do Senado Federal receberam muito bem as propostas e convidaram os registradores para participar das reuniões da Comissão.

Segundo Jacomino, “a interlocução com os membros da Comissão de Juristas foi muito proveitosa e esclarecedora. Os registradores presentes souberam sustentar as ideias de reforma do sistema registral, defendidas pelos juristas presentes, preservando e valorizando os eixos fundamentais sobre os quais o Registro de Imóveis se assenta. Somente assim poderemos caminhar com segurança no sentido de aperfeiçoar o nosso sistema que tão bons serviços tem prestado à sociedade brasileira”.

Em breve daremos novas informações sobre os projetos.

Fotos: acesse aqui (by Carlos Petelinkar).

CV

SJSérgio Jacomino é Registrador Imobiliário em São Paulo, Capital, Doutor em Direito Civil (UNESP) e Especialista em Direito Registral Imobiliário (Córdoba – Espanha).

É membro honorário do CeNoR – Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra – http://cenor.fd.uc.pt/site/. Professor extraordinário da EPM – Escola Paulista da Magistratura.

Quinto Registro: www.quinto.com.br
InfoQ – Documenta: www.quintoregistro.com.br
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Flauzilino – o homem, o presidente

flauzilino---entrevista-19_479158660_oOntem encerrou-se um ciclo na ARISP – Associação de Registradores Imobiliários de São Paulo. Com a aclamação do novo presidente, Dr. Francisco Raymundo, uma nova etapa se inicia. Que esta passagem seja honrada e festejada merecidamente por todos nós!

Assim é a vida dos homens, tal a sina de suas instituições: enquanto vivemos, sempre crescemos e nos transformamos.

Ontem foi um dia de festas. Os colegas confraternizavam, os discursos empolgados se sucediam, estávamos rejubilantes, brindávamos à posse do novo presidente, congratulando-nos, relançando os votos de novas realizações e de esperança.

Eis que fui tocado pelo impulso de manifestar meus sentimentos em relação à gestão que ali se encerrava e, especialmente, acerca desse notável colega, amigo, líder político de todos nós, Flauzilino Araújo dos Santos.

Sei como as intenções brotam em nossos corações. Sei que é preciso dar-lhes à luz – ainda que tardemos um tanto para expressar nossos profundos sentimentos.

Não pude dizer na ocasião o quanto sou agradecido pela dedicação verdadeiramente missionária que Flauzilino devotou à causa de todos nós, registradores imobiliários de São Paulo e de todo o Brasil.

Ultrapassando todas as barreiras, vencendo grandes obstáculos profissionais, políticos e até mesmo familiares, lançou-se à árdua tarefa de amanhar esta terra dura, dedicando-se à semeadura que há de frutificar num novo tempo. Flauzilino moveu-se por amor e idealismo, mas, acima de tudo, por uma profunda convicção do real valor da atividade registral. Flauzilino crê na Verdade e na Liberdade humana. Afiança-nos um novo período e dá curso à transformação desta venerável instituição, já renovada pelo ânimo de homens bons e conscienciosos.

A sua trajetória na ARISP é um poderoso símbolo de fé, de coragem e determinação. Vistos em perspectiva, seus feitos e realizações são a prova concreta de que estamos ingressando nos átrios de um novo tempo do Registro de Imóveis. Para realizar essa missão aceitou o desafio; para o bom combate armou-se de espírito, verdade e coragem.

A história há de provar que, vivendo uma época de ingentes desafios, meu amigo Flauzilino soube extrair da crise as lições necessárias para nos abrir um horizonte de grandes oportunidades e realizações.

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Temos uma história de vida cujos traços essenciais são comuns e talvez isso nos irmane nesta longa jornada na Terra dos Homens.

Flauzilino fez-se homem respeitável, mercê de Deus e do seu trabalho. Oriundo, como eu, de uma família muito humilde, até chegar ao posto de primeiro registrador da Capital de São Paulo, trilhou um caminho que chamaria de radicalmente tradicional nos cartórios brasileiros. Foi auxiliar, depois submeteu-se a um curioso concurso do Tribunal de Justiça de São Paulo que levava, ainda na década de 80, a nota de uma prática multissecular que se filiava às mais profundas raízes de nossa cultura jurídica. Foi escrevente, oficial-maior, interino, até se tornar oficial titular, aprovado em mais de um concurso público de provas e títulos.

Flauzilino conheceu – como poderia dizer? – as entranhas de nossa instituição, dominou a praxe cartorária como poucos, bebeu da fonte tradicional do nosso Direito e especializou-se na prática registral que atravessaria a noite dos tempos e que agora se renova pelo seu trabalho diuturno, discreto, incansável.

Somente quem pode se dedicar à lavra dos grandes livros de registro, saberá a beleza e a sublime delicadeza dessa honorável tradição registrária. Afinal, a vida se inicia e termina sob as margens de um grande livro!

Flauzilino é um exemplo para todos nós. Profissional dedicado e respeitado, doutrinador, estudioso, acima de tudo um homem dotado de extraordinário bom-senso e capacidade de julgar retamente. Certamente, emprestou credibilidade e autoridade ao Registro de Imóveis bandeirante, deu-lhe ânimo, alento, esperança. E isto não é pouco.

Nesta longa jornada à frente da ARISP estivemos a maior parte – quase diria: a melhor! – sempre juntos. Apoiei suas ideias e iniciativas, mesmo quando discordava aqui ou ali de um ou de outro ponto marginal. Somos homens de opinião, é verdade, mas, acima de tudo somos soldados de uma boa causa e isto nos bastava para o reate de um relacionamento que no fundo, no fundo, sempre se manteve fiel, criativo e especialmente estimulante para mim.

Dirigindo-me diretamente a você, caro amigo Flau, quero que saiba que me sinto honrado por ter estado ao seu lado, um escudeiro nessa incansável batalha. Aprendi a esperar, a ponderar o tempo exato da ação. Hoje penso que o seu tempo era o tempo dos tempos. Afinal, os frutos descansam na semente que encerra, no silêncio, o mistério da esperança renovada de um ciclo completo de transformação.

Tenho o dever moral de reconhecer e agradecer o seu empenho e dedicação no concerto perene das grandes iniciativas humanas. Coube-nos a tarefa de sustentar a montanha sobre os ombros e levar adiante as mais caras e lídimas tradições de nossa atividade. Mas a você coube a mais nobre e quiçá a mais dolorosa das missões: decidir, às vezes solitariamente, os caminhos a tomar, assumindo, pessoalmente, as responsabilidades inerentes à presidência de uma entidade que, sob sua direção, alçou um alto grau de respeitabilidade no cenário judiciário brasileiro.

Penso, caro Flauzilino, que expresso o sentimento de inúmeros colegas que, de uma maneira ou de outra, foram contemplados com os frutos do seu trabalho. Dou-lhes voz e visibilidade. Traduzo um sentimento que jaz no coração de todos aqueles que honram e dignificam a nossa atividade.

Em coro, queremos dizer: MUITO OBRIGADO por tudo quanto fez por cada um de nós e pelo Registro de Imóveis do Brasil.

D. Luis Díez-Picazo – obituário

Díez-PicazoFaleceu em Madri, no último dia 31 de outubro, D. Luis Díez-Picazo y Ponce de León, juiz, advogado, magistrado do Tribunal Constitucional, árbitro internacional, mas, acima de tudo, professor.

Foi catedrático de Direito Civil nas Universidades de Santiago de Compostela (1963), Valência (1964) e Autônoma de Madri (1972). Discípulo de Federico de Castro, deu seguimento ao trabalho de renovação do Direito Civil.

Em 1970, com a publicação do primeiro volume de seu livro Fundamentos de Direito Civil, ensaiou a reconstrução das categorias conceituais do Direito de Propriedade a partir da perspectiva que ele mesmo qualificou de “problemática e funcional”.

Esta obra foi sendo repensada e reestruturada pelo autor ao longo dos anos. Em sua última edição, sob o patrocínio do Colégio de Registradores de Espanha, a obra compõe-se de seis volumes.

Jurista de grande curiosidade e cultura, seus escritos não se reduziram ao estrito âmbito do Direito Privado, mas cultivou matérias próprias da Filosofia Do Direito, reputadas necessárias para a formação de um jurista, como a tópica e a teoria da argumentação, traduzindo ao castelhano obras de autores importantes (T.Viehweg e Ch. Perelman).

Tudo isso o levou a promover uma “jurisprudência de problemas”.

Muitas de suas reflexões acerca da metodologia do Direito estão condensadas em um excelente livro – Experiências jurídicas e Teoria do Direito.

Juntamente com o professor Antonio Gullón, escreveu o Sistema de Direito Civil, manual universitário que serviu de base para a formação de várias gerações de juristas.

Díez-Picazo dedicou especial atenção à instituição e função do Registro da Propriedade no Tomo II do Fundamentos de Direito Civil Patrimonial (Tomo III da 5ª edição).

A sua vinculação com o Colégio de Registradores de Espanha foi uma constante ao longo de sua vida e até o momento de sua morte presidiu o Conselho da Revista Crítica de Direito Imobiliário.

Também dedicou-se à publicação de estudos sobre as origens da legislação hipotecária em Espanha e foi eleito para pronunciar uma conferência, diante de S. M. o Rei de Espanha, no transcurso do ato comemorativo dos cento e cinquenta anos da Lei Hipotecária espanhola.

Como trabalhador infatigável preparava, no ano de 2014, nova edição de seu livro de 1963 sobre a doutrina dos atos próprios. Para realizar este trabalho, debruçou-se sobre a jurisprudência do TS dos últimos 50 anos.

Na concessão de um doutorado honoris causa, advertiu sobre os perigos que envolvem “os legisladores motorizados que atuam de forma precipitada e, às vezes, sem a devida preparação”.

Fonte: Letter do IPRA-CINDER, 6 de novembro de 2015. Tradução: Sérgio Jacomino.

Bens coletivos e individuais – breves considerações

by Ulysses da SIlva*

Não é fácil identificar o estágio da evolução da espécie humana em que o homem conscientizou-se da existência de  bens  individuais e coletivos. O que sabemos é que, nos primeiros tempos, contados em muitos milhares de anos, ele vivia em grupos,  deslocava-se de um lugar para outro, dependia da caça e da coleta de frutos para sobreviver em um mundo hostil e ninguém era dono de nada. É possível prever, entretanto, que  já começava a se esboçar em sua  mente a distinção entre bem particular, como a sua lança, e bem comum, como a caverna onde o grupo se abrigava.

O tempo seguiu o seu curso e, por volta de 12.000 anos atrás, uma revolução alterou o destino do homem errante, caçador e coletor, fazendo-o sentir a necessidade de mudar o seu comportamento em relação à natureza. Iniciou, então, o plantio de grãos para alimentação,  a criação de animais úteis e a construção de casas individuais nas proximidades das plantações. Com o progresso da agricultura, logo passou a  perceber, com um pouco mais de clareza, a  diferença entre os seus próprios bens e os da coletividade.

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Expansão molecular dos cartórios: repositórios eletrônicos compartilhados

networking-socialDefendi, em Aracaju, no encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, que estamos vivendo uma fase de expansão “molecular” do sistema registral pátrio. O fenômeno é especialmente nítido com a criação de repositórios eletrônicos compartilhados que paulatinamente vão interligando todos os registradores brasileiros. A minha apresentação pode ser vista logo abaixo.

Exemplos desse processo não nos faltam: central de indisponibilidade de bens, indicadores light, penhora online, notificações do SFI, etc. Há toda uma fundamentação legal que sustenta a criação desses repositórios.

Documentos acessórios e a redundância registral

Um dos grandes entraves para promover a agilização dos processos relacionados com o registro de contratos do crédito imobiliário (SFI ou SFH) relaciona-se com a profusão de procurações outorgadas aos seus agentes financeiros constituindo-os representantes legais. Há um cipoal de procurações e subestabelecimentos, com validade variável, de difícil avaliação e apostilamento.

Entendo que esses documentos poderiam perfeitamente ser apostilados e depositados em um repositório de uso comum, acessível por todos os registradores. Seria mais um repositório eletrônico compartilhado, dotado com todas as funcionalidades que uma boa taxonomia e indexação poderia oferecer.

Sei que há implicações econômicas e operacionais – especialmente em relação aos notários. Sobre isso, especificamente, penso que há espaço para que eles mesmos se reinventem. Por exemplo: depositando, em repositórios notariais, as procurações lavradas em meio eletrônico ou autenticadas, as tradicionais lavradas em meio cartáceo, com aposição de seu sinal digital. Naturalmente, cobrando pela emissão da certidão eletrônica ou pelo acesso aos dados.

Enquanto isso, pensem no seguinte: quantas procurações em duplicidade existirão em cada cartório que integra a rede registral? Quantas devoluções são feitas para que os interessados diligenciem a apresentação desses documentos em cada unidade? Quanto custa fazer uma gestão arquivística do acervo em cada um dos cartórios? Estamos tratando de documentos que se reproduzem como pulgas e se espalham pelos cartórios. Como se sabe, a redundância custa caro!

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Pensem um pouco mais: Se podemos utilizar uma procuração que já municiou um contrato e que se acha arquivada na serventia, por qual razão essa mesma procuração não poderia ser utilizada por um outro registrador? Uma vez arquivada a procuração na serventia, poder-se-ia dela expedir uma certidão, não é certo? A lei faculta a expedição de documentos arquivados (art. 194 da LRP).

Prova emprestada presta?

Por outro lado, pode-se “emprestar prova”, abusando da figura processual. Para a prática de determinado ato, por exemplo, poder-se-ia usar um documento acessório que fora utilizado para a prática de outro (uma certidão de casamento, p. ex.). Há decisões da VRPSP e da própria CGJSP sobre o assunto [1]. Eu mesmo já sustentei (com êxito) essa prática: InfoQ. Nesse caso concreto há referência a outros precedentes.

Sei que a ARISP tem ideias a esse respeito. Seria interessante aprofundar este assunto com os demais colegas.

Penso que temos que prosseguir na senda de modernizar a gestão documental eletrônica, buscando diminuir custos (tempo, diligência etc.) e facilitando a vida do cidadão que bate às portas do cartório.

Mais dia, menos dia, seremos chamados a dar respostas cada vez mais inteligentes a essa estrovenga burocrática chamada “nota devolutiva”.

Notas:

[1] – Brevitatis causa: Processo 1VRPSP 0036220-71.2012.8.26.0100, ou Processo CG 933/2005.

[2] – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis. Sérgio Jacomino. Apresentação feita no dia 20 de outubro de 2015, em Aracaju, Sergipe, no transcurso do LXII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil – IRB. Notícia aqui.