Reserva legal florestal – averbar ou não averbar?

Kollemata - jurisprudênciaEm recente decisão, o STJ enfrentou uma questão muito interessante: para a averbação de mera retificação de registro será necessária prévia averbação da reserva legal florestal?

Uma das conclusões do aresto é esta: “permanece na lei atual o entendimento de que a reserva legal é inerente ao direito de propriedade ou posse do imóvel rural, sendo delimitada pelo princípio da função social e ambiental da propriedade rural”.

Esta “inerência”, qualidade intrínseca e inseparável que forma o plexo dominial, exigiria a prévia averbação para a prática dos atos de registro? Esta propriedade rural não se configuraria e conformaria tão-só pela força da lei ambiental, seguida da inscrição no cadastro ambiental rural – CAR? A exigência de averbação registrária não terá sido afastada pelo atual Código Florestal?

O v. acórdão parece indicar um sentido muito claro para dar respostas a estas questões. Diz a ementa que “tanto no revogado Código Florestal (Lei 4.771/65, art. 16, § 8º) quanto na atual Lei 12.651/2012 (arts. 18 e 29) tem-se a orientação de que a reserva legal florestal é inerente ao direito de propriedade e posse de imóvel rural, fundada no princípio da função social e ambiental da propriedade rural (CF, art. 186, II)”.

Logo, é de se concluir, a averbação seria necessária, tanto sob a égide do diploma revogado, quanto pelo atual.

Este questão nos leva a outras, muito interessantes.

Uma delas, de uma atualidade indiscutível, é saber até que ponto um cadastro administrativo (como é o CAR) desempenha um papel relevante na configuração do estatuto jurídico da propriedade rural.

Aparentemente, apesar da obrigação de registro no CAR – que servirá a várias finalidades administrativas, arrecadatórias, fiscalizatórias etc. – a averbação no Registro de Imóveis desempenhará uma função distinta e relevante de coadjuvação, com o Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA) na revelação, pela publicidade registral, dos fatos jurídicos-ambientais que guardam a propriedade rural.

O Registro revela a situação jurídica do bem, coisa a que o cadastro administrativo não se prestaria.

Por outro lado, a chamada qualificação registral é um elemento fundamental no tráfego jurídico imobiliário. Atuando preventivamente, o Oficial impedirá o acesso, à tábula, de negócios jurídicos que se celebrem em afronta à lei, obstando a sua eficácia erga tertius. 

Vale a pena o estudo deste aresto para saber até que ponto temos uma sinalização que vai orientar as futuras decisões do STJ.

STJ – RECURSO ESPECIAL: 843.829 – MG, j. 19/11/2015, DJe 27/11/2015, min. RAUL ARAÚJO

RECURSO ESPECIAL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. IMÓVEL RURAL. PRÉVIA AVERBAÇÃO DE ÁREA DE RESERVA FLORESTAL LEGAL NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA A RETIFICAÇÃO DA ÁREA (LEI 4.77/⁄65, ANTIGO CÓDIGO FLORESTAL, ART. 16, § 8º; LEI 12.651⁄2012, ATUAL DIPLOMA FLORESTAL, ARTS. 18 E 29). RECURSO PROVIDO.

  1. Tanto no revogado Código Florestal (Lei 4.771⁄65, art. 16, § 8º) quanto na atual Lei 12.651⁄2012 (arts. 18 e 29) tem-se a orientação de que a reserva legal florestal é inerente ao direito de propriedade e posse de imóvel rural, fundada no princípio da função social e ambiental da propriedade rural (CF, art. 186, II).
  1. “É possível extrair do art. 16, § 8º, do Código Florestal que a averbação da reserva florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel sujeito à disciplina da Lei 4.771⁄65” (REsp 831.212⁄MG, DJe de 22⁄9⁄2009, Relatora Min. Nancy Andrighi).
  2. Recurso especial provido.

Acesse a íntegra aqui

Reserva Legal Florestal clandestina?

Marcelo Augusto Santana de Melo*

Marcelo Augusto Santana de Melo
Marcelo Augusto Santana de Melo

Como se não bastasse a discussão sobre a exigibilidade da recomposição da reserva legal florestal para quem desmatou ou já adquiriu a propriedade sem cobertura florestal, conforme relatório elaborado pelo Deputado Federal Aldo Rebelo (PL 1879/1999), ganhou força em Brasília, nos últimos dias, a ideia de se descaracterizar ainda mais esse espaço territorial protegido que o Brasil deveria antes de tudo se orgulhar. O deputado relator declarou no sítio da Câmara dos Deputados que irá “defender, junto à câmara de negociação, que a averbação seja um ato declaratório ao órgão ambiental e não ao cartório” (http://www.camara.gov.br).

Ora, a averbação da reserva legal florestal já é declaratória, nasce na autoridade ambiental, a publicidade através de averbação no Registro de Imóveis ocorre por sensível e inteligente imposição legal para reforçar o conhecimento da reserva e para que todos possam fiscalizar seu cumprimento, principalmente o Ministério Público que vem atuando de forma irrepreensível nesse mister.

Retirar a averbação do Registro de Imóveis será um retrocesso absurdo na preservação ambiental e também da própria publicidade registral que cada vez mais concentra informações relevantes da propriedade imobiliária (princípio ou efeito da concentração).

A publicidade é expressão sinônima de transparência. O sistema de clandestinidade que se projeta à reserva legal florestal só interessa para quem não pretende nem ao menos cumprir a reserva legal florestal mitigada constante do relatório do Deputado Aldo Rebelo. Resta questionar como o cidadão, autoridades ambientais e instituições financeiras conseguirão saber, de forma célere, segura e clara se a propriedade respeita a legislação ambiental?

Também não é justa a imputação de culpa aos cartórios de Registro de Imóveis pelo excesso de rigidez na averbação da reserva legal, há muitos anos que existe estudo de simplificação da averbação no âmbito dos registradores e tribunais de justiça (Cf. www.educartorio.com.brwww.arisp.com.br e www.irib.org.br) e problemas ligados à necessidade de retificação da descrição do imóvel na matrícula são mínimos ou de fácil solução, mesmo porque a retificação atualmente (art. 213 da LRP) é realizada no próprio cartório.

Importante ressaltar, ainda, que a averbação é gratuita para a pequena propriedade rural e para os demais não ultrapassa dezoito reais de emolumentos na maioria dos estados.

Parece-nos que as sutilezas na técnica legislativa podem comprometer muito mais que as grandes discussões que estão ocorrendo do Código Florestal. A retirada da averbação da reserva é uma delas. De nada adiantaria manter a reserva legal florestal no Código Florestal e cercá-la de elementos que irão esvaziá-la substancialmente. Aliás, essa técnica já foi usada amplamente na idade média para o cerco ou sítio de cidades e castelos (poliocértica). Vamos ficar atentos!

* Marcelo Augusto Santana de Melo é Diretor de Meio Ambiente do Departamento de Sustentabilidade da ARISP – Associação dos Registrados Imobiliários de São Paulo