ONR – nasce uma estrela

No dia 16 de abril de 2020 nasceu finalmente o ONR. Fruto do trabalho incansável de tantos registradores, a iniciativa finalmente veio ao mundo e tem à frente um imenso desafio.

Nesse dia de festa, na melhor tradição, comemoramos o nascimento de um ente que tem um longo passado. Essa é a maravilha dos homens e de suas criações: ambos têm um passado antes mesmo de nascerem! Na majestosa passagem do testamento, assim registrou o profeta: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci” (Jeremias 1:5).

Neste dia de dores e júbilo, quis, ainda que brevemente, levantar a voz em reconhecimento aos grandes nomes do Registro de Imóveis brasileiro. Penso que honro e dignifico a tradição. Recolho o tesouro legado por eles e lanço ao mar essa nave frágil e delicada. Que se cumpra o seu destino! (SJ)

Registradores e Registradoras de todo o Brasil.

Damos partida neste momento a uma grande transformação no Registro de Imóveis. Chegamos ao ponto de mutação na trajetória do centenário sistema registral pátrio.

Este momento histórico é a culminância de uma longa jornada. É preciso rememorar. Ela se iniciou no século XIX, com a criação do registro hipotecário e depois, mercê do gênio de José Tomás Nabuco de Araújo Filho, com a criação do Registro de Imóveis no país, com a feição que tem como hoje o conhecemos.

José Tomás Nabuco de Araújo Filho

Ao longo dessa caminhada centenária, experimentamos várias ondas de transformação. Quero destacar um momento importante, ainda na década de 70, quando demos os primeiros passos no sentido da adoção de novas tecnologias da informação no âmbito do Registro de Imóveis.

Os trabalhos seminais de Elvino Silva Filho são um marco. Ele lançava, na segunda metade do século XX, as sementes que germinariam muitas décadas depois. Ele esteve à frente de grandes iniciativas: a fundação do IRIB, a adoção do fólio real, a criação da matrícula, a mecanização, microfilmagem e informatização do registro de imóveis. Tudo isto agitava a mente brilhante daquele grande registrador que estabeleceu a pauta da instituição por vários anos.

Elvino Silva Filho, 5/2/2004. Foto: Carlos Petelinkar

Gostaria de emprestar um caráter simbólico a este evento, reatando os vínculos com a história e a tradição. Permitam-me, uma vez mais, dar voz e atualidade ao grande registrador paulista. Disse Elvino:

“E, nesta oportunidade, não poderíamos deixar de nos referir, também, à utilização de computadores, uma vez que os Registros de Imóveis, além de serem os repositórios dos imóveis e das pessoas dos titulares de direitos sobre eles, devem possibilitar precisas informações sobre esses dois dados ou elementos”.

[…]

“A mecanização dos registros possibilitará, assim, no Brasil, em futuro não muito remoto, a aplicação da cibernética, mediante a utilização de computadores, para o processamento das informações sobre os imóveis e os titulares do seu domínio” […].

“Ainda, para completar esse extraordinário apoio de um computador, a mecanização dos registros poderá se utilizar da microfilmagem, da qual nos referiremos mais adiante, conjugada ou não com o computador”

Dir-se-á que tais previsões são um tanto quanto visionárias de nossa parte, para a implantação no Brasil. Não comungamos, todavia, dessa opinião. Se o homem dispõe da máquina para a sua utilização, por que não a utilizar para u’a maior eficiência nos seus serviços?”

(RT 477/34).

Estamos em 1974. Desde então, e lá se vão mais de 45 anos, Elvino evangelizaria seus pares, no Brasil e no mundo. Lembremo-nos que em 1972 os registradores brasileiros estariam em Buenos Aires para a fundação do CINDER – Centro Internacional de Direito Registral. No embalo desses impulsos e motivações, dois anos depois seria fundada a Casa do Registrador Imobiliário brasileiro, o nosso querido IRIB.

Aqueles homens do passado nos tocam hoje, num grande e longo arco de tradição, história e modernidade.

O IRIB cumpre no dia de hoje uma importante missão. Foi o Instituto que deu ânimo a essa bela iniciativa que hoje ganha corpo. Ela nasce, literalmente, do suor e lágrimas de alguns poucos que, resistindo com grande coragem e determinação, enfrentaram, de peito aberto, todas os desafios.

O SREI nasceu de um trabalho coordenado pelo desembargador Marcelo Martins Berthe, no bojo de um projeto dirigido pelo Conselho Nacional de Justiça em parceria com a Academia e com os próprios registradores.

Lembro-me daqueles dias. Nos reuníamos para estudar e conceber o sistema de registro de imóveis eletrônico. Visitávamos pequenas, médias e grandes serventias do Brasil para vivenciar a sua realidade no dia a dia, buscávamos apoio nos melhores sistemas da Europa, visitando vários países, tudo para brindar o Sistema Registral brasileiro com o que havia de melhor no Brasil e no mundo.

Adriana Unger e Nataaly Cruz – NEAR-lab e a especificação do SREI (1/3/2011, SP)

Nestas jornadas estávamos bem acompanhados de grandes juristas e cientistas, como Flauzilino Araújo dos Santos, Antônio Carlos Alves Braga Jr., Volnys Borges Bernal, Adriana Jacoto Unger, Nataly Cruz, e uma plêiade de especialistas do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional, da Politécnica da USP e de tantas outras instituições e organizações. Adriana Unger e Nataly Cruz seguiriam até o fim, com o NEAR- Núcleo de Estudos Avançados do Registro de Imóveis eletrônico.

Sob a coordenação deste grande homem, Marcelo Martins Berthe, granjeamos a simpatia de nossos interlocutores, obtivemos amparo econômico, técnico e científico e lançamos os fundamentos do que seria conhecido como SREI – Sistema de Registro eletrônico de imóveis.

Sabemos que o Registro de Imóveis eletrônico tardava e não se desenvolvia tal e como havia sido originalmente concebido e especificado, com todos os seus módulos e funcionalidades. Carecíamos de um impulso enérgico para que aquelas ideias afinal se concretizassem, plena e efetivamente. Foi assim que, aproveitando uma importante iniciativa do Governo Federal, nas tratativas da reforma da Lei 11.977/2009, nasceria o ONR e o SREI.

Seria ainda na presidência do Instituto, a cargo do meu querido amigo João Pedro Lamana Paiva, que viria a lume a MP 759/2016 e com ela se inscreveria no corpo legislativo pátrio, para todo o sempre, o nome do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, do SREI e do ONR.

Parte das conquistas se perdeu pelo caminho. A história recente muitos dos senhores já a conhecem. Sei que posso me tornar aborrecido pela valorização, quiçá excessiva, das tramas históricas que nos trouxeram até aqui no dia de hoje. Livro os meus colegas do enfado e deixo tudo isso para as minhas memórias.

Não poderíamos chegar até este momento sem o entendimento, apoio e boa-vontade das lideranças dos notários e registradores. Cláudio Marçal Freire, Rogério Portugal Bacellar e Flaviano Galhardo. A cada de vocês registro o meu agradecimento pessoal.

Registro a atuação técnica e serena dos juízes da Eg. Corregedoria-Nacional de Justiça nas pessoas do Dr. Miguel Ângelo Alvarenga Lopes e Dr. Alexandre Chini, que, sob a batuta do Sr. Corregedor-Nacional, Ministro Humberto Martins, deram forma ao Provimento 89/2019 que disciplinou de modo adequado o funcionamento do ONR e do SREI. Lembro o nome do Ministro Dias Toffoli, que conduziu as votações que redundaram na aprovação do ato normativo no plenário do CNJ.

I Encontro Encontro de Corregedores do Extrajudicial – Brasília 7/12/2017

Quero encerrar esta alocução deixando consignado nos anais do ONR, organismo que nasce no dia de hoje, o nome do verdadeiro artífice desta bela ideia, alguém que merece todo o nosso reconhecimento e respeito. Falo de Flauzilino Araújo dos Santos. Ele é o sucessor de uma geração de grandes juristas e de notáveis registradores brasileiros. No aperfeiçoamento do sistema registral inscreve seu nome no rol de homens como Nabuco de Araújo (o patriarca do Registro de Imóveis brasileiro), Lysippo Garcia, Waldemar Loureiro, Elvino Silva Filho, Jether Sottano, Gilberto Valente da Silva e tantos outros cujos nomes não conseguiria declinar sem cometer injustiças com tantos outros.

Chegamos até aqui com suor e lágrimas e daqui partimos para o futuro: a construção de um renovado Registro de Imóveis para o Brasil.

Bem haja e bons trabalhos!

Sérgio Jacomino

3 comentários sobre “ONR – nasce uma estrela

  1. Ninguém mais, além de Sérgio Jacomino, está tão preparado e capacitado para escrever este texto histórico. Além de se referir a figuras exponenciais que muito contribuíram para a construção do Registro Imobiliário do Brasil em suas diversas fases, foi ele o general-comandante que deu vida eletrônica para gerações futuras em nossa especialidade.

    Faltam-me recursos para adjetivar a sua hercúlea luta, juntamente com Flauzilino Araújo Santos. Eles embrenharam-se nesse empreendimento, de corpo e alma, e juntos sofreram inúmeros reveses, desmerecidos e quase que insuportáveis ataques, mas, como todo bom brasileiro não desistiram nunca. Será um credor do novo registro imobiliário e não podemos sequer mensurar o esforço leonino que fez como um obstinado e devotado à sua profissão de Oficial de Registro de Imóveis.

    Sérgio Jacomino, tens o apreço e o reconhecimento de toda classe dos registradores por todo legado que deixa para o Brasil. Foi uma honra ter convivido com você e muitos colaboradores que contribuíram para que tudo isso se tornasse realidade.

    Confesso que por momentos pensei que você iria se dobrar, mas, posso testemunhar o seu imensurável esforço que o registro eletrônico no Brasil se tornasse realidade.

    Você é um GRANDE BRASILEIRO!

  2. Querido Natal, suas palavras me emocionaram. Deus sabe o que passamos, mas… passamos! Temo que os desafios que agora se anunciam não serão em nada menores do que o ônus e o sacrifício que suportamos até aqui.

    Deixo este trabalho como um legado à nova geração de registradores que se achegam à direção de nosso destino institucional.

    Peço a Deus que sejam inspirados e que possam legar a seus pósteros um Registro de Imóveis melhor do que aquele que receberam.

    Obrigado pelas suas palavras.

    Sérgio Jacomino

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