No último dia 8/2 a jornalista Júlia Bezerra procurou-me para um entrevista ao IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário. As perguntas foram excelentes e nos deu a oportunidade de discorrer um pouco mais sobre o SREI e o ONR.
Com a autorização expressa da jornalista, publico na íntegra a entevista.
De maneira geral, o que muda com o novo registro de imóveis do Brasil com o Provimento 89/2019?
Muda na prática. A prática é sempre a “prova dos nove” de todo modelo teórico. Há anos tínhamos uma boa modelagem conceitual do SREI (Sistema de Registro de Imóveis eletrônico), especificado pelo LSITec (Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico da Escola Politécnica da USP), em parceria com o CNJ – Conselho Nacional de Justiça.
Sob a direção do desembargador Marcelo Martins Berthe, trabalhamos, eu, Flauzilino Araújo dos Santos, Antônio Carlos Alves Braga Jr., Adriana Unger, Volnys Bernal e tantos outros, arduamente, num modelo teórico que acabou lamentavelmente esquecido, embora sua adoção e utilização tenham sido recomendadas expressamente pela Recomendação CNJ 14/2015.
Faltava um órgão que pudesse dar efetividade e concretude aos projetos belamente concebidos, mas não executados. Estamos agora na iminência de pôr em prática aquele modelo (ou outro qualquer que o possa substituir com vantagem).
A seu ver, quais são os destaques positivos da nova regulamentação?
O aspecto mais importante é que ela estabelece padrões, fixa diretrizes e dá prazo para o projeto sair do papel e alçar voo. Os destaques positivos são os eixos orientadores:
(a) os próprios registradores (não empresas, não o mercado, não a administração judiciária) darão impulso e concretude ao SREI. Isto estava no caput da Lei 11.977/2009, mas, seja porque tardava a regulamentação, seja porque quando houve uma tentativa (Decreto 8.764/2016 – SINTER) ela era claramente inadequada, além de ilegal e mesmo inconstitucional, segundo juristas de escol, a efetivação do SREI dormitou praticamente uma década.
Depois, (b) fixa um modelo de interoperabilidade e interconexão que não tolera a ideia cômoda, mas perigosa, de concentração de dados. A tecnologia distribuída, tal e qual a plataforma da blockchain, é mais segura e conforme o espartilho constitucional, fixado na CF/1988, que delega a cada registrador do país a função pública registral e comanda a guarda e conservação in loco dos dados registrais (art. 22 e ss da Lei 6.015/1973 c.c. art. 46 da Lei 8.935/1994). Dados distribuídos são mais protegidos! Além disso, a regulamentação não tolera a figura da subdelegação ou a prática de atividades para-registrais. Estamos às vésperas da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e o modelo é inteiramente consentâneo com os princípios já adotados por registradores da Europa;
(c) Autoriza a criação do ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis, que terá a nobre, mas dificílima missão de implementar e operar o SREI (art. 76 da Lei 13.465/2017). Por fim, temos uma Corregedoria-Nacional que desperta para os desafios do novo tempo.
Como se dará a adaptação dos cartórios aos novos serviços?
Em etapas. Hoje temos janelas criadas na internet que permitem o acesso dos usuários ao sistema registral. Mas isso não é propriamente o Sistema de Registro Eletrônico previsto na lei; é apenas uma plataforma que recebe as demandas em meios eletrônicos e as converte em papel – ou em algo parecido (PDFs que são impressos nas serventias). São elementos absolutamente acessórios, importantes, mas não suficientes para modernizar o sistema registral brasileiro.
De agora em diante será necessário um esforço muito maior do que criar sites elegantes na Internet. Faz-se necessário promover uma mudança de paradigma no sistema registral. Afinal, saímos do império do papel para os domínios dos meios eletrônicos. Parafraseando Marshall McLuhan, autor de minha predileção e que tenho citado ultimamente, os meios eletrônicos não só “transportam, mas traduzem e transformam o emissor, o receptor e a própria mensagem”. Já escrevi que os meios (ou plataformas) eletrônicos vão conformar o sistema registral como um todo.
Isso é lento, é trabalhoso, exigirá investimentos, mas, acima de tudo, demandará o concurso de profissionais que possam aliar conhecimentos em áreas distintas como as de tecnologia e direito.
Essa transformação tarda já mais de 20 anos, desde quando lançava advertências em congressos de registradores, urgindo medidas modernizadoras de meus pares. Temo que nos reste pouquíssimo tempo. Nisto estamos agora concentrados.
O que o usuário ganha com os novos serviços?
As mudanças tecnológicas hão de conformar o registro de imóveis tornando-o mais ágil e seguro. O uso das novas tecnologias de informação e comunicação redunda em processos mais inteligentes, mais seguros e… mais baratos! A redução de custos é uma consequência inevitável do uso de recursos compartilhados, tudo isto visto na perspectiva da economia de escala.

Os serviços oferecidos na Internet são mais baratos, rápidos e seguros. A segurança jurídica, tão cara aos registradores, deve agora aliar-se, com suporte em meios tecnológicos, à ideia de rapidez e modicidade. Esse fenômeno foi muito bem apanhado por Chris Anderson nos livros que escreveu e publicou: Cauda Longa, Free: grátis – o futuro dos preços etc.
Não tem sentido o cidadão pagar mais caro pelo acesso remoto do que pela visita pessoal aos cartórios…
Quais são as expectativas do mercado imobiliário quanto à implantação do sistema de registro eletrônico?
O mercado não espera. O arauto da Nova Sagres, Manuel Matos, sempre me dizia que já não devemos dormir com uma boa ideia; corremos o risco de vê-la executada por outros na manhã seguinte. Ele tem razão. Há, hoje, inúmeras iniciativas do próprio mercado avançando sobre as multisseculares atividades notariais e registrais. Isso é consequência gravosa da inércia dos próprios registradores.
Expressões tão caras ao sistema – publicidade, efeitos jurídicos, eficácia em relação a terceiros, autenticidade, certidão etc. – são hoje assimiladas por entidades registradoras que disputam nacos importantes da atividade, infiltrando-se na legislação civil de modo assistemático e desagregador.
Essas investidas serão bem-sucedidas? Trarão maior segurança ao mercado? Os cidadãos poderão confiar – como há séculos vêm fiando-se nas Notas e Registros Públicos?
São perguntas que devem ser respondidas por todos aqueles que atuam no microssistema do Direito Imobiliário e, especialmente, pelos registradores imobiliários do país, que agora têm a tarefa de correr contra o tempo e dotar o país de um bom e moderno sistema registral.
Não sou expert em assuntos relacionados ao trabalho desenvolvido pelos registradores. Sou usuário dos Cartórios de Registros de Imóveis para fins, exclusivamente, de retificação de registros.
É óbvio que a implantação do SREI trará mais agilidade e menor custo a todos.
Um bom exemplo, apesar de acessório, é a emissão de certidão de matricula pela ARISP, que informa todas as atualizações referentes ao registro e averbações: fácil, rápido e de pequeno custo
Sou engenheiro civil, membro titular do IBAPE-SP, e funciono como perito judicial em algumas comarcas do interior paulista.
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