Dia do escrevente de cartório

Comemoramos, neste 3 de junho, o “dia do escrevente de cartório”. A efeméride está registrada na Wikipédia e vale a pena relembrar algumas passagens relativas à data e a estes importantes personagens dos cartórios judiciais e extrajudiciais – o escrevente de cartório.

No dia 9 de julho de 1953, o então deputado paulista Rogê Ferreira apresentaria, na Sala das Sessões Plenárias da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o Projeto de Lei 648, de 1953, que dispunha sobre a comemoração do “Dia do Escrevente de Cartório”. Assim o justificava o deputado:

“Das mais importantes é sem dúvida a atuação dos escreventes de cartório na execução dos serviços judiciais e extrajudiciais. Classe numerosa e esquecida, ainda há pouco tempo estava sujeita às maiores injustiças por falta de leis que regulassem devidamente os seus direitos.

Após anos de luta em defesa de suas reivindicações, vêm os escreventes merecendo acolhida melhor. Numa justa homenagem a tão laboriosa classe e considerando magnifica a idéia sugerida em entrevista publicada pelo jornal “A Defesa”, de Campinas, no dia 3 do corrente mês, apresentamos o presente projeto de lei”.

O projeto apresentado trazia a assinatura de outro parlamentar, Alfredo Farhat, que empreenderia uma batalha contra os serventuários de justiça de São Paulo, buscando a “oficialização dos cartórios”.

O PL 648/1953 tramitou de maneira remansosa e contou com o parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da ALESP (Parecer 613, de 16/6/1953).

Nacionalismo, progressismo e a estatização de cartórios

São Paulo reconheceria o valor desses profissionais dos cartórios. Todavia, não deixa de ser curioso o fato de que o impulso de reconhecimento e homenagem aos escreventes tenha partido de um parlamentar progressista e nacionalista que advogava a “oficialização” dos cartórios extrajudiciais – como se os atos praticados pelos tabeliães e oficiais de registro e de seus escreventes autorizados não se revestissem do caráter de oficialidade… 

O ilustre deputado, na sessão plenária de 8/7/1953, comemoraria o fato de que tramitassem conjuntamente o seu projeto de lei e o de “oficialização” dos cartórios extrajudiciais do Estado de São Paulo.

“Oficialização de cartórios” – este é um tema ao qual os historiadores haverão de se debruçar. Registro aqui, como pista, que à altura da tramitação do PL 648/1953 discutiam-se vários projetos de lei dispondo sobre oficialização (estatização) das serventias.

O célebre PL 593/1952, de 4 de julho, que dispunha “sobre oficialização dos Cartórios do Estado e dá outras providências”, seria apresentado pelo deputado Alfredo Farhat, o mesmo que subscreveu o PL 648/1953 com Rogê Ferreira. O dito projeto de lei de “oficialização dos cartórios” seria vetado pelo Sr. Governador e o veto mantido posteriormente. Este é um processo que se arrasta há mais de uma centúria.

A lei que criou o dia do escrevente de cartório

No diário oficial do Estado e São Paulo do dia 6/8/1953 seria finalmente publicada a Lei 2.207, de 4/8/1953, que dispunha sobre a comemoração do “Dia do Escrevente de Cartório”. Eis o texto legal:

LEI N. 2.207, DE 4 DE AGÔSTO DE 1953

Dispõe sôbre a comemoração do “Dia do Escrevente de Cartório”.

LUCAS NOGUEIRA GARCEZ, GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO, usando das atribuições que lhe são conferidas por lei,

Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei:

Artigo 1.º – Comemorar-se-á a 3 de junho de cada ano o “Dia do Escrevente de Cartório”.

Artigo 2.º – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação revogadas as disposições em contrário.

Palácio do Govêrno do Estado de São Paulo, aos 4 de agôsto de 1953

LUCAS NOGUEIRA GARCEZ
José Loureiro Junior

Publicada na Diretoria Geral da Secretaria de Estado das Negócios do Govêrno, aos 5 de agôsto de 1953.

Carlos de Albuquerque Seiffarth – Diretor Geral Subst.

Passados 68 anos desde o advento da lei, é interessante notar como as atividades dos escreventes resistem e se transformam nos dias que correm, mas a sua importância não diminui.

Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo

Registro, de passagem, interessante comunicado da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, publicado no diário oficial de 3 de junho de 1964:

Corregedoria Geral da Justiça – Secção XXIII – EXPEDIENTE – 5º Pavimento – Sala 507

DIA DO ESCREVENTE

A Corregedoria Geral da Justiça, tendo em consideração o transcurso, na data de hoje, do “Dia do Escrevente de Cartório”, instituído pela Lei 2.207 de 4 de agosto de 1953, autoriza os Juízes de Varas e os Corregedores Permanentes da Capital, de Santos e de Campinas, sem prejuízo das audiências designadas, a dispensarem os Escreventes a partir das 15,30 horas. Recomenda-se, outrossim, aos Serventuários dos Cartórios não oficializados que proporcionem aos seus Escreventes e Auxiliares, também sem prejuízo de serviço inadiável, a mesma homenagem. Publicado novamente por ter saído com incorreção. (DOJ 3/6/1964, p. 9)

Uma vez escrevente, sempre escrevente!

No dia de hoje comemoramos o dia do escrevente. Quero homenagear meus colegas de ofício que ao longo de quase 50 anos foram meus companheiros nas lides diuturnas dos cartórios.

Já fui um escrevente. Ingressei no Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo em março de 1972. Naquela altura, o cartório era capitaneado pelo Oficial José Cândido Balieiro, que viera removido de Igarapava. Pelas mãos do meu querido amigo Ary José de Lima – em quem minha mãe depositava o futuro do “seu menino” – fui contratado como auxiliar de cartório para atuar nos anexos do Juri, Menores e Corregedoria Permanente, então ofícios do Registro de Imóveis.

Mais tarde, em 1975, me tornaria escrevente. Fiz uma prova escrita e oral perante uma banca composta por um juiz, um tabelião e um oficial de registro imobiliário, para afinal ser nomeado escrevente. Foi uma prova cujo formato remontava às tradições notariais medievais. Um dia lhes conto sobre isso. O cartório já se achava sob a direção do querido Rubens do Amaral Gurgel, que assumiria a serventia por concurso de remoção e vindo do Cartório de Registro de Imóveis de Jundiaí.

Por fim, algum tempo depois, o cartório já sob a gestão de Vicente do Amaral Gurgel, eu seria aprovado em concurso público de provas e títulos e me tornaria, afinal, oficial titular do Registro de Imóveis de Cardoso. Ainda tardaria um setênio e, por meio de novo concurso público de remoção, chegaria à capital de São Paulo, ao Quinto Registro de Imóveis.

Devo muito a esses oficiais a quem servi ao longo dos anos. Mas devo, igualmente – e muito! – aos colegas escreventes com quem convivi e de quem aprendi esse maravilhoso ofício.

Luiz Carlos Andrighetti e Miguel Savoy, escreventes do Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo

São tantos os nomes, as figuras, os rostos… Todos passam de modo caleidoscópico pela minha pela memória… dançam a dança dos astros.

Será em nome de um deles – Luiz Carlos Andrighetti, de quem já lhes falei aqui – que eu gostaria de homenagear todos os escreventes do Brasil.

São homens e mulheres que dedicam a sua vida para manter a vitalidade dessas grandes instituições que são os cartórios brasileiros. Sempre digo aos “meus escreventes” – essa expressão amorosa que ouvi dos maiores – que “os cartórios não morrem jamais”. Os cartórios não morrerão, nem perecerão seus escreventes. Vivam os escreventes!

Eu sei… Os cartórios que hoje conhecemos vão se transformar. É inelutável, é um processo implacável. Eles serão isto ou aquilo, mas nós, os escreventes e oficiais, seguiremos conferindo certeza e dando fé a atos e fatos consagrando-os em inscrições perenes. Os livros de registro são homólogos do Livro da Vida, seguirão a trajetória de acolher o registro fiel e verdadeiro de nossas vidas.

Assim seja e que assim se cumpra.

Notas

Pesquisa pronta sobre escreventes viste: http://kollsys.org/qc4

Nas fotos do painel, vemos:

  1. Chuvas numa tarde de verão. Instantâneo de uma enchente no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, para onde o prédio do cartório tinha seus costados. O Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo localizava-se na Avenida Índico, 30, 1. andar, no belo Jardim do Mar, hoje completamente desfigurado. Na foto vemos, da esquerda para a direita, Alzimar Bragatto (já falecido), Robinson Gonçalves (falecido), Antônio “Baia” Carlos de Oliveira Paula (falecido), Marcos Antônio de Oliveira neto e Luiz Roberto Farina (falecido), todos escreventes do setor de certidão e registro.
  2. Robinson “Fininho” Gonçalves, escrevente autorizado da certidão. O Fininho vinha todos os santos dias da Zona Leste de São Paulo. Acho que morava na Penha. Lembro-me que ele e o Luizinho (Andrighetti) tomavam o ônibus Rápido Expresso São Bernardo – São Paulo e desciam na Rua do Carmo, próxima à Sé. O Fininho era um homem silencioso, tinha um humor refinado, mas a bebida o abateu miseravelmente. Nunca vou me esquecer do seu jeito tímido e da sua dedicação e competência.
  3. Antônio da Silva. Foi Oficial-Maior e escrevente autorizado.
  4. Arnaldo de Oliveira Lima (falecido). Foi o mais exímio datilógrafo que conheci em toda a minha vida. Irmão de Ary José de Lima, ambos oriundos de Junqueirópolis, São Paulo, Arnaldo sempre trabalhou no setor de certidões. Era engraçado, cheio de tiques. Ficou cego no final de vida e sempre me lembro de sua generosidade. Quando comecei a trabalhar em Santos como programador de computadores, buscando composição de renda, ele me emprestava o seu utilitário Ford.
  5. Celso Vítor Roque (falecido). Foi escrevente autorizado na área de registro. Atuava desde os tempos da transcrição. No final de sua vida, trabalhávamos lado a lado – eu do lado da janela do cartório, ele à minha direita. Era um cara bom, embora seco, de poucas palavras. Guardava um mistério dentro de si que jamais pude decifrar. Foi-se nas brumas de uma manhã triste.
  6. Sérgio Jacomino. Bem, gostaria de falar dessa fase. Já estava cursando Direito e logo a vida me lançaria a outras aventuras.
  7. Miguel Savoy, escrevente e depois Oficial titular do Registro de Imóveis de Salto (SP). Foi a pessoa mais séria e competente que conheci em toda a minha trajetória profissional nos cartórios. Era responsável, técnico, sua letra era impecável. Era já escrevente em Jundiaí, de onde veio trazido por Rubens do Amaral Gurgel. Mais tarde, vivi um episódio interessante. Já na condição de Oficial do Quinto Registro, ele veio até mim e me pediu emprego. Demovi-lhe da ideia, afinal ele tinha sido aprovado em primeiro lugar no concurso. Ele recalcitrou. Pediu sua aposentadoria e chegou-se a mim: “agora me contrata?”. Não pestanejei. Foi escrevente e substituto do Quinto Registro de Imóveis de São Paulo por longos anos até se aposentar definitivamente.

5 comentários sobre “Dia do escrevente de cartório

  1. Obrigado Sérgio, me senti acolhido e lisonjeado com esta homenagem. Bateu muita saudade dos amigos de trabalho.

  2. Magnífica alusão aos incansáveis escreventes de cartório; e muito mais maravilhosa, quando lembram dos velhos tempos, inclusive da velocidade na datilografia que somente na ala cartorária se via !! Todos os contemporâneos tinham no cérebro as soluções, pois desempenhavam suas funções com profundos conhecimentos; diferentes da atualidade que 80% dos textos utilizados já estão prontos por intermédio dos possantes computadores que aprimoraram com muito sucesso a forma desse trabalho; notei também que somente os velhos escreventes lembram dessa importante data do dia dos escreventes de cartórios ! Os atuais infelizmente não sabem e passam despercebidos !! Parabéns a todos !!

  3. FUI ESCREVENTE E ME APOSENTEI COMO TAL. HOJE AOD 93 ANOS BRIGO NA JUSTIÇA PARA RECEBER MEUS SALARIO ATUALIZADO, POIS FUI LESADO POR UMA LEI ESTADUAL EM 2O10 ME PREJUDICANDO NO DIREITO ADQUIRIDO. A AÇÃO CORRE NA JUSTIÇA. ABRAÇOS

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