Estive com o Dr. Ermitânio Prado na última quinta-feira, como faço religiosamente há bons anos. O Velho acabou se tornando um grande amigo com o passar do tempo, um confidente, e eu, bem… como diria? Converti-me para ele numa espécie de filho adotivo, embora estejamos, ele e eu, naquela idade provecta da qual nos falava Shakespeare em As You Like It. Ele se lembra e recita de cor:
“The sixth age shifts
https://sergiojacomino.wixsite.com/szarkion/jacques
Into the lean and slipper’d pantaloon,
With spectacles on nose and pouch on side,
His youthful hose, well saved, a world too wide
For his shrunk shank; and his big manly voice,
Turning again toward childish treble, pipes
And whistles in his sound”.
Depois de uma risadinha seca, dispara: – Ah, escriba, o mundo todo é um palco, não é mesmo? Ainda há pouco nos lembrávamos do velho Juracy Magalhães que cravou a célebre frase – “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Parece que foi ontem… E no entanto, a colônia mental ainda se dobra ao canto mavioso do capital financeiro.
O Velho se empolgou com as recentes diatribes e se lembrou daquele episódio hilário da venda do Empire State Building por um escroque em menos de 90 minutos. “Tudo muito rápido, moderno, barato e eficiente”…
Relembremos. A transmitente era uma tal Nelots Properties. Nelots é anagrama de stolen, como se sabe, e o agente fiduciário (terceiro de confiança) era nada mais nada menos do que Willie Sutton, um famoso ladrão de bancos. Hilário que um agente de confiança, um “notário” norte-americano, seja um… assaltante de bancos! A razão pela qual essas transações são tão “rápidas, modernas, baratas, eficientes” reside no fato de que os registros são líquidos, instantâneos, solúveis em meios digitais e figuraram muito bem nos relatórios como o do finado Doing Business. Diz o jornalista :
“One of the most interesting things about the story is, there is no mandate in the deed recording office for them to check anything, so that’s the loophole for the fraud”.
“They only check to see if the various fees, like the recording fee, has been filed and check to see if there’s a notary stamp on the document. They don’t check to see if the notary is real. For example, I just made up a fake notary stamp.
“I was in fact told that with one or two more documents that are pretty easy to make, I could have gotten a mortgage of millions of dollars on the property”[* vide tradução].
https://www.abc.net.au/news/2008-12-04/new-york-journalist-steals-empire-state-building/229040 [mirror]
Segue o Velho excitado:
– “De uma banda, depostos diante da sacrossanta pira do mercado, estão os estafetas do capital financeiro transnacional; de outro, a claque parva e ruidosa que veraneia em Palm Beach à custa do grosso frumento da prebenda vitalícia… Estão assanhados e maravilhados”.
Eu me delicio com a ranzinzice quase encolerizada do Velho Leão do Jocquey. Basta falar de modernidade, e ele logo se exalta e empertiga:
– O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil… Francamente! Parece que ouço o chato-boy, com o espartilho espandongado, a agitar as hostes de WhatsApp em sua revolução feita de truques, traques e flatos. Os arautos andam clarinando os feitos da nouvelle vague pós-moderna perfeitamente idiotizada (ou espertamente beneficiada). São os novos messiers jourdans que buscam a notoriedade aos modos e trejeitos de um Dorantes e de outros velhacazes travestidos de jurisconsultos. São os burgueses fidalgos da nova nomenklatura.
O Velho anda aporrinhado com os achaques da modernidade malsã. Diz que “queimamos a ponte à frente e à retaguarda; sentados, esperamos Godot!”. Impreca aos deuses do Olimpo para que o afastem daqueles “que logo se livram de livros e liquidam belas obras”. Para ele, a claque chilreante é “como aves coscuvilhantes que arremedam seus donos de altos galhos, grasnando desvairadamente: Yes! We have bananas!”.
Caro Dr. Ermitânio. Eu o compreendo, eu o compreendo, como não?
Tradução
[*] Uma tradução livre, bastante livre, mas não infiel à ideia geral, poderia ser esta:
“Uma das coisas mais interessantes sobre a história é que não há qualificação registral para que se verifique a regularidade de qualquer coisa, então essa é a brecha para a fraude”, disse ele.
“Eles só verificam se várias taxas, como a taxa de registro, foram pagas e verificam se há um carimbo de notário [“notário” nos EUA não integra o notariado do tipo latino] no documento. Eles não verificam se o notário é real. Por exemplo, eu acabei de criar um carimbo de notário falso.
“Na verdade, me disseram que com um ou dois documentos adicionais, bastante fáceis de fazer, eu poderia ter obtido uma hipoteca de milhões de dólares na propriedade”.
Parabéns, Dr. Sergio. Com graça e elegância o sr. disse tudo. Estamos vivendo uma situação de mais absoluta insegurança jurídica dos registros imobiliários, onde vale tudo e os princípios basilares são esquecidos. Tudo que milênios exigiram, se destrói em segundos. Vendem-se bens de herança antes de partilha através de fraudes às leis praticadas, com aval de juízes absolutamente incompetentes; altera-se a natureza jurídica de loteamento registrado e consolidado com uma canetada, aplicando retroativamente a Reurb fora das hipóteses legais. Juízes adjudicam imóveis a pessoas jurídicas inexistentes. Corregedoria Geral proíbe registradores de fazerem a qualificação registral NEGATIVA de títulos advindos de decisões judiciais, registradores exigem formal de partilha para averbar o óbito da proprietária e o numero do processo de inventário na matrícula, mas não exigem para registrar carta de arrematação ilegal pelo inventariante antes da partilha em execução de sentença inexistente, prolatada meses depois da morte da parte autora em processo de dissolução de condomínio voluntario, onde o juiz não foi informado da morte antes de julgar o pedido, serventias cadastram CEP errados no registro dos correios para impedir citação e intimação e causa revelia, cadastram advogado de autor, como advogado do réu, e citam por edital, avisos de recebimento de mandados judiciais grosseiramente falsificados sem assinatura do citando e intimando são adulterados e juiz decreta revelia e trânsito em julgado sem a parte ter advogado nos autos e convalida crimes. Juízes autorizam uso de laranjas pessoas físicas para instaurar ação de cobrança de condomínio por parte de associações irregulares com registros imobiliários cancelados judicialmente por fraudes e ilegalidades do título causal e do registro. A Lei de Registros Públicos nada mais vale. Vale tudo e as leis não valem de nada. Os falsários, estelionatários, agradecem. Casos verídicos. KAFKA e a venda do Empire State perdem longe diante da balburdia injurídica que assola algumas áreas específicas da Federação que são qq coisa menos ESTADO DE DIREITO. É a volta da lei do mais forte, ou como dizia Gramsci, e assim que se destrói a democracia. Habemus legis. E que Deus salve a propriedade pública e privada no Brasil.