No post de ontem, aludi a uma importante decisão da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo em que se discutia a necessidade de pagamento dos honorários do perito, embora gozasse, a parte, dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
O tema é delicado e tem rendido inúmeros comentários nas redes e listas de discussões técnicas. Depois de postar o teor da decisão abaixo, recebi email de um advogado especializado em regularização fundiária. Como especialista que é, destaca que as decisões, como as que divulgamos abaixo, têm inviabilizado a consumação da aquisição de pequenas propriedades, frustrando, assim, as legítimas expectativas dos usucapientes.
Diz ele, textualmente:
“Possuo mais de uma centena de ações de usucapião e tenho enfrentado este problema da negativa da gratuidade pericial por parte do Poder Judiciário em vários casos. A consequência destes atos, infelizmente, é a frustração do assistido que uma vez mais sonhou em ter a titulação de sua moradia, mas se viu desiludido quando bateu à porta da Justiça. Só no meu caso, que represento insignificantes números, mais de uma centena de assistidos desistiram de suas ações judiciais quando chegaram nesta fase.
O problema está posto. Como fazer?
A primeira resposta, que a muitos pareceria muito óbvia, tem que ser formulada: é preciso dar um basta na indústria das gratuidades.
Desde logo, identifiquemos, sem rebuços, de que tipo de gratuidades estamos tratando. Falo de uma certa política cavilosa que impõe gratuidades mas se nega a prever mecanismos de justa compensação.
Não se ignora que os assistidos tenham direito de pleno acesso à Justiça. Os emolumentos judiciários, honorários advocatícios e periciais não devem servir de obstáculo intransponível para a efetividade da Justiça.
Suposto que a máquina judiciária funcione com uma justa e adequada remuneração estatal, os profissionais encarregados dos serviços auxiliares da Justiça – advogados, peritos, notários, registradores, tradutores, leiloeiros etc. – não podem ser compelidos a realizar graciosamente uma missão que pertine diretamente ao Estado.
Ao Estado compete promover políticas de promoção social, não consumando, indevida e injustamente, verdadeira expropriação de bens e requisição compulsória de serviços.
Meu amigo replica:
Já conversei com alguns peritos e sugeri que se fizesse um acordo no sentido de utilizar o mesmo perito para as áreas usucapiendas, mas a informação dos mesmos é que não há este tipo de organização entre os peritos…
A ideia parece muito boa mas é simplesmente inexequível. A menos que estejamos realizando ações em uma área comum, de ocupação absolutamente homogênea, suposto seja possível desenhar um modelo prêt-à-porter de ações de usucapião, é preciso convir que cada caso é um caso, demandando estratégias e abordagens próprias e singulares.
Por outro lado, não é possível entregar nas mãos de um só profissional a tarefa de realizar todas as operações comuns, ainda que fosse possível implementar procedimentos próprios de economia de escala e com isso auferir proveito econômico. Mas isso importaria consumar, sancionado pela administração pública, um odioso prevalecimento às custas de outros profissionais que disputam o mesmo mercado.
Enfim, esses profissionais não devem arcar exclusivamente com os ônus das políticas públicas.
Falo exclusivamente por fundadas razões.
Minha Casa – Minha vida e os interesses cruzados
Tomemos o exemplo sempre impressivo do PMCMV (Plano Minha Casa Minha Vida).
Na Lei 11.977, de 2009, dentre os profissionais e instituições envolvidos no micro-sistema criado pela lei os únicos que suportam as gratuidades são os notários e registradores. Convido o leitor a enfrentar um pequeno desafio: que se indique um só ator desse complexo meio-ambiente criado pela lei que não seja legitimamente remunerado ou que sua atuação não esteja guarnecida e blindada pelo tesouro nacional.
De minha parte, indico alguns profissionais ou instituições, em lista não exauriente, que a lei contempla generosamente com remuneração de mercado ou com segurança econômica:
- operador do FGTS (art. 5º, § único);
- entidades integrantes do SFH (art. 6º, II);
- Caixa Econômica Federal (art. 9º, § único dentre outras passagens);
- assistência técnica (art. 4º, § 2º, c.c. art. 11, § 1º vide também Lei 11.888, de 2009);
- agentes financeiros (art. 13, II e III);
- remuneração “das instituições financeiras ou dos agentes financeiros pelas operações realizadas” (art. 19, § 3º, II);
- “fundo garantidor” dos financiamentos concedidos. Os agentes financeiros não experimentarão qualquer prejuízo com sinistro – saldo devedor (art. 20, I e II);
- instituição financeira administradora do FGHab: comissão pecuniária por cada operação (art. 24, §2, II).
Especial destaque vai para as construtoras, que receberam um excepcional favor do Estado à custa dos registradores. Basta conferir os artigos 42 da citada lei e a redação que foi emprestada ao art. 237-A da Lei de Registros Públicos.
Não por outra razão, as entidades representativas da construção civil se articulam para enfrentar as vozes dissonantes que se alevantam no Estado do Rio de Janeiro. Vale o registro da posição adotada pelo Fórum de Advogados da CBIC:
6 – EMOLUMENTOS – PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA.
(Relator: Dr. José Carlos Gama – Sinduscon-CE)
Foi noticiado pelo Dr. José Carlos Gama, Sinduscon-Ceará, que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro publicou o Aviso (CGJ 84/2010) a todos os notários e registradores do Estado para que se abstenham de aplicar a legislação federal que regula a cobrança de custas e emolumentos no Programa Minha Casa – Minha Vida com base em parecer do magistrado Dr. Alexandre de Carvalho Mesquita, Juiz de Direito Auxiliar da Corregedoria-Geral daquele Estado.
O parecer em questão aponta a inconstitucionalidade do artigo que determina a redução dos valores de custas e emolumentos, tanto dos adquirentes quanto dos incorporadores, constantes nos arts. 42 e 43 da Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009, por entender que a União não seria competente para dispor sobre o assunto.
Fórum de Advogados entende que a o Parecer da Controladoria [sic – corregedoria seria o caso] adota posicionamento completamente equivocado e que a União possui, sim, competência para legislar sobre a matéria, conforme determina os artigos 22, XXV c/c 236, §2º da Constituição Federal.
O Consultor Técnico do Sinduscon-Rio, Dr. Roberto Lira, ficou de encaminhar o assunto ao escritório que está atuando para o Sindicato junto ao Conselho Nacional de Justiça-CNJ, em uma Representação contra os atos da Corregedoria-Geral do TJRJ.
Da mesma forma, o assunto será encaminhado aos dirigentes da CBIC para as devidas providências políticas junto à Caixa Econômica Federal, Advocacia Geral da União e demais órgãos do Governo que possam colaborar para a solução dessa interpretação equivocada. (Fórum de Advogados da CBIC)
A interpretação do ilustre fórum está simplesmente equivocada. Por uma singela razão: a competência constitucional para legislar sobre registros públicos (art. 22, XXV) dirige-se exclusivamente aos aspectos formais e materiais dos Registros Públicos – assim como se define a igual competência privativa da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I da mesma Carta).
Um único argumento seria suficiente para derrubar a tese: se a competência para legislar sobre Registros Públicos é privativa da União, como claramente dispõe o citado artigo 22, XXV da CF, tomando de empréstimo o entendimento esposado pela CBIC seria simplesmente inconstitucional a Lei 10.169, de 29 de dezembro de 2000, que regulou, justamente, o § 2o do art. 236 da Constituição Federal, confirmando a competência dos Estados para fixar o valor dos emolumentos (art. 1º) .
Ad argumentandum, assim como não se admitiria, em nosso sistema jurídico-constitucional, que os Estados ou os municípios pudessem legislar sobre direito registral, direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho, por igual razão teríamos que concordar que se não admitiria que à União pudesse legislar sobre emolumentos, ITBI, ITCMD etc.
É curioso como a interpretação arrevesada inverte de maneira interessada a lógica do sistema. A basear-se no seu argumento, seriam inconstitucionais, via de consequencia, todas as leis estaduais de emolumentos votadas e sancionadas nos Estados a partir da Lei 10.169, de 2000, bem como seriam inconstitucionais as tabelas anexas… e aí teríamos instaurado o caos.
Como se vê, esse raciocínio leva a um absurdo intolerável.
Muito mais robusta é a tese esposada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para quem a edição da Lei 11.977, de 2009, tão cara à CBIC, ela, sim, é inconstitucional. A infringência à norma constitucional muda agora de quadrante e repousa no art. 151, III, da CF que veda à União instituir “isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”.
Dada a natureza tributária dos emolumentos, conforme entendimento do próprio STF, os emolumentos não podem ser objeto de isenção por parte da União Federal. Além, é claro, da violação do disposto no parágrafo 2º do art. 112 da Constituição Estadual do Rio de Janeiro que veda gratuidades no serviço público sem indicação da fonte de custeio.
Enfim, compreende-se o denodo na defesa de uma regra eivada de inconstitucionalidades por quem tem interesse direto no assunto.
Na próxima edição, vou oferecer sugestões de como essas medidas poderiam ser viabilizadas com mecanismos racionais de remuneração dos serviços prestados, sem comprometimento das receitas públicas.
Até lá, vamos conhecendo o que poderíamos qualificar de uma crônica de uma morte anunciada.
Usucapião. Perícia. Valores. Assistência judiciária gratuita. Gratuidades.
EMENTA NÃO OFICIAL. Mesmo sendo beneficiária da justiça gratuita, a parte deverá arcar com o valor das despesas para confecção do trabalho pericial.
Processo 100.08.155976-0 – Dúvida – JAF. PJV-37 – ADV: FWAC (OAB /SP)
Vistos.
Mesmo beneficiária da justiça gratuita, a parte deverá arcar com o valor das despesas para confecção do trabalho desenvolvido, que apenas a beneficia.
A perícia de engenharia na ação de usucapião, inclusive pela necessidade de levantamento topográfico e outras diligências, é das mais complexas e onerosas, em comparação com outras da rotina forense (avaliação, possessória, etc.), sendo evidente que o valor pago pela Defensoria não é suficiente para custear as despesas periciais, não sendo razoável aviltar o trabalho pericial, eis que é do interesse da própria parte que a perícia seja sempre marcada pelo maior rigor técnico possível.
Observo, ainda, que sobre os valores da tabela incidem diversos descontos, como de INSS e imposto de renda, a par do ISS.
Ademais, o perito não está obrigado a aceitar trabalhar por qualquer valor, pois é ele um profissional como qualquer outro, tal qual o advogado, por exemplo, que normalmente recebe seus honorários (como no caso do advogado do autor), ainda que de forma módica e parcelada, mesmo nos casos de justiça gratuita.
O ressarcimento das despesas tidas com a execução do trabalho visa ao ressarcimento de materiais, transporte, fotos etc., que não são abrangidos pela gratuidade.
É inquestionável que a parte autora enfrenta dificuldades financeiras, mas é também inegável que o perito terá despesas com a realização da perícia e que o valor pago pela Defensoria não consegue ressarcir nem o trabalho intelectual nem as despesas para a confecção de um laudo pericial de qualidade.
Não fosse assim, o Juízo não conseguiria manter um quadro de Peritos qualificados para confecção dos trabalhos nesta Vara Especializada.
Assim, visando conciliar o interesse do perito e da parte interessada, determino o pagamento das despesas do perito, que fixo em R$ x, ficando desde já deferido o parcelamento em até doze vezes, mediante depósitos mensais em conta do juízo, a iniciar-se em quinze dias a contar da data da publicação deste despacho.
Com o integral pagamento, à perícia.
No silêncio, intime-se na forma do art. 267, § 1º, do Código de Processo Civil.
Int. / pjv 37
Dr. Carlos Henrique André Lisbôa,
juiz de direito.
[…] fato do autor ← Cinder entrevista editor do OR Gratuidades – mais do mesmo […]
Sergio meu amigo
Concordo em genero número e grau com voce, no entanto algumas colocações são necessárias:
1. As áreas em que me referia anteriormente estão localizadas em um único loteamento e portanto e só porisso que levantei a tese do menor custo.
2. Com relação aos peritos, posso lhe garantir que 90% deste moradores que estão espalhados na Periferia de São Paulo, tem e gostariam de pagar por este trabalho, porque entendem que é justo.
3. Lembro aqui, a máxima de que o pobre ainda é o único que paga, porque este ainda depende de seu nome limpo na Praça.
4. O que eu coloco é a falta de alternativa nas cobranças exigidas pelo Poder Judiciario. Vejamos, porque será que as Lojas Bahia, Marisa e outras dão tão certo?? A quem elas atendem??
5. Assim, o que espero efetivamente é que criemos alternativas a esta população que busca simplesmente a cidadania, no seu significado mais absoluto, eles sim sofrem com leis inaplicáveis e pior, com falsas expectativas.
6. Quanto aos subsidios concordo plenamente com voce, pois quando estive no Ministerio das Cidades fui informado que o subsidio para uma ação judicial de usucapião era de 500 reais, ora este valor não paga nem o perito, agora quanto o Governo gasta para se regularizar uma área e sua infra-estrutura etc….
6. Estamos falando de um deficit de 10 milhóes de moradias mas nos esquecemos que estas pessoas fazem parte deste número e que sua solução para a titularidade está muito mais próxima do que aquele que não tem casa.
7. Então porque não se pensa numa solução para esta parcela da população que está tão próxima do titulo da sua casa, mas que ao mesmo tempo parece que está tão longe??
8. por fim, me desculpo pelas lamúrias, mas é que trabalho nesta área desde 1.985 e antigamente brigavamos para termos procedimentos legais que dessem garantia a este povo. Hoje, temos os instrumentos, mas não conseguimos utilizá-los.
abraços, continuo à disposição.
No caso, para que os peritos sejam pagos, os trabalhos técnicos sejam realizados, as ações de usucapião sigam seu trâmite até o final e com o resultado que se espera do processo em sí, creio que plausível seria elaborar um plano de parcelamento de honorários periciais, nos termos semelhantes ao que se vêem em outras esferas administrativas e judiciais.
Como é sabido, aqueles que não podem realizar pagamento de valores à vista sem prejuízo de seu sustento e de outras circunstâncias, têm a oportunidade de parcelar, a exemplo de impostos atrasados e de acordos judiciais.
A meu ver, deixar uma ação de ususcapião perecer sem o resultado que se espera em razão da falta de alternativa de pagamento de honorários periciais é frustrar o direito de um pretendente de uma grandeza tão primordial quanto a saúde.
Se os bancos públicos financiam imóveis e o Governo Federal tem programas como as bolsas-famílias, boslas-gás e outras de natureza semelhantes (ex: advogados dativos), porque não criar forma de custeio dso honorários periciais?