Resolvi reproduzir aqui a opinião de Samuel Celestino, publicada no jornal A Tarde, na sua edição de hoje (11/9), porque, além de representar uma reflexão bem ponderada, traz a informação de que a contramarcha do desenvolvimento institucional dos cartórios, no Estado da Bahia, teve como agente destacado o Governador Antônio Carlos Magalhães.
Esse fato sempre foi ventilado nos encontros de registradores brasileiros, especialmente pelos colegas baianos, que apontavam o desafeto do governador baiano como a causa desse enguiço cartorial.
Haveriam outras causas, ainda segundo esses registradores locais, estas bem mais picantes…
Vamos colecionando esses relatos que servem à elucidação de aspectos pouco iluminados da trajetória institucional dos cartórios brasileiros.
O governador Jaques Wagner decidiu como lhe competia. Está dentre as suas atribuições estabelecer vetos parciais ou integrais a projetos aprovados pelo Legislativo. Hábil, mediu e pesou como deveria agir diante da decisão da Assembléia Legislativa na sua unânime decisão pela privatização dos cartórios, uma das muitas razões e motivos que rotulam a Justiça da Bahia como uma das mais atrasadas do País –senão a mais- além de, reconhecidamente, ineficiente e extremamente morosa como opinam advogados e ministros de tribunais superiores. Situação que pune e impõe sacrifícios a quem a procura para dirimir pendências: o povo.
Os cartórios da Bahia, únicos no País atrelados ao passado, remontam à época em que se tornaram públicos como conseqüência de um litígio envolvendo um notário que discordara do poder político da época em que ACM era governador, transformaram-se num estorvo para a população. Mais ainda. Abriu espaço para a corrupção, para a propina, a chamada “comissão por fora”, o chamado “CPF”, como ironicamente foi rotulada a “gorjeta”.
Wagner chegou a cogitar no veto, diante da pressão feita pela presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Telma Brito. Acabou refletindo mais profundamente para chegar à conclusão da sanção sem vetos, atendendo aos anseios generalizados dos baianos. Na verdade, o governador ampliou a sua visão sobre a questão. Afirmou, primeiro, que faria consultas à sua equipe. Não se sabe se o fez. Creio que não, porque atrelou como argumento para não vetar o que foi aprovado pela Assembléia que não lhe competia julgar a constitucionalidade, ou não, do projeto. Fica claro que, certamente, não houve a consulta porque agiu não somente como governante em defesa dos interesses dos baianos, de forma geral, mas como político de visão ao declarar que não lhe competia julgar a constitucionalidade. Entendeu certo. Ele é o Executivo, não é o Judiciário. Cada poder tem a sua esfera de ação.
Claramente derrotada, Telma Brito, desde o início contrária à privatização dos cartórios, lastreava-se não na melhoria dos serviços cartoriais – um erro evidente- mas na perda de receita do Judiciário, que se movimenta como uma máquina pesada, aos trancos e barrancos. Seria uma perda de R$14 milhões/mês, receita que, se perdida, será amplamente compensada por um serviço eficiente. Além do mais, os deputados observaram esta questão e adotaram, na agora lei dos cartórios privatizados, um sistema compensador. A presidente do TJ-Ba pretende, segundo ela, recorrer ao Supremo Tribunal Federal para conseguir a inconstitucionalidade da lei e retornar ao atraso, aos vícios dos cartórios públicos. Pode ter sucesso na sua pretensão, mas não convém contar com isso. O STF saber o que é a Justiça baiana.
Além do mais, em final de gestão, qualquer decisão do STF acontecerá muito depois de a presidente deixar o posto em que se encontra, porque o Supremo está assoberbado de processos. Seguramente, a Corte está mais interessada em aprimorar – aprimorar coisa nenhuma, a melhorar porque aprimorar é lustrar o que já é bom, o que não é o caso quando se trata do Poder Judiciário. Principalmente o da Bahia, que não é bom, mas simplesmente é a justiça baiana. Diferente, estranha, manipulada no passado, confusa e estagnada no presente. Assim posto, a presidente do Tribunal reage indo, queira-se ou não, em defesa de uma realidade perversa que permeia os atuais cartórios.
Seria inadmissível que o senso político faltasse ao governador. Primeiro, por não lhe caber decidir sobre o que é e o que não é constitucional. Não se trata de assunto referenciado ao Executivo. Segundo, o projeto foi aprovado por unanimidade pela Assembléia, depois de trabalho exaustivo e criterioso dos deputados, que correram o risco de desgaste diante da demora para levar o projeto à votação, que lá se encontrava há três anos, se a memória não me trai. Não decidiram nada sem pensar, sem refletir, sem discutir, sem se reunir, sem ouvir todas as partes.
Conforme Newton, o físico, em sua lei, “a cada ação corresponde uma reação igual e instantânea.” Se a justiça baiana for ao Supremo esgrimir em defesa do atraso, da incompetência e da eficiência, se permitir a presença do tal “CPF”, a propina, enfrentará o Legislativo, que defenderá a posição que tomou com o aplauso dos baianos inquietos com os absurdos cometidos, abertamente, pelos cartórios com as suas indecentes filas que desrespeitam a cidadania.
O Legislativo fez bem a sua parte; o governador Jaques Wagner agiu com bom senso e se sente aliviado diante do dever cumprido. O que de resto acontecer não terá significado. A não ser para quem deseja combater o mau combate.
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