CND do INSS – uma imposição draconiana

No DJE da data de ontem (18.10.2011) publicou-se um acórdão do Conseho Superior da Magistratura de São Paulo que em nada diverge da remansosa jurisprudência do colegiado paulista. Trata-se de negativa de registro de carta de sentença expedida em ação de adjudicação compulsória por  ausência de certidões negativas de débitos previdenciários do INSS e de débitos de tributos e contribuições federais da Receita Federal (AC 0095421-37.2011.8.26.0000).

Há anos o Conselho vem entendendo que a apresentação das ditas certidões em casos de adjudicação compulsória é sempre exigível.

O acórdão que inaugurou o entendimento que se consagrou parece ter sido o proferido na AC 31.436-0/1, j. 16.2.1996, São Paulo, rel. des. Márcio Martins Bonilha. No V. aresto fico consignado que o acesso de carta de sentença, extraída de ação de execução de obrigação de fazer, ficaria condicionado à apresentação de certidões negativas de débitos do INSS e Receita Federal. A sentença substitutiva de vontade do alienante (pessoa jurídica) não elidiria a exigência legal da apresentação dos documentos necessários já que se deslocariam ao adquirente os direitos e deveres acessórios e laterais decorrentes do compromisso original.

Conclui o relator que não poderia a “sentença substitutiva de vontade permitir ao apelante a obtenção de vantagens e isenções que não alcançaria, caso houvesse o cumprimento voluntário da obrigação”.

O tema é espinhoso, pois desloca ao adquirente, na maioria dos casos pessoa física, a obrigação de diligenciar documentos comprobatórios da regularidade fiscal e tributária da pessoa jurídica alienante, tornando-o refém da malha arrecadatória do poder público, numa extravagante ultrapassagem dos limites da responsabilidade original. Isto na melhor das hipóteses, já que se antevê uma preocupação, quiçá justificável, de impedir a consumação de fraudes pela via judiciária.

O acórdão publicado ontem no Diário da Justiça merece ser lido não pela reiteração do entendimento consolidado, mas pela dissensão manifestada pelo desembargador Ciro Campos, para quem seria simplesmente vedado ao Estado “impingir obrigação a interposta pessoa cujo direito provém do interesse haurido de pacto adimplido”.

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“Dejudicialização” – uma expressão imprópria

Logo após a realização do Workshop Registro Torrens – Ferramenta para a Regularização Fundiária da Amazônia Legal?, realizado entre os dias 29 e 30 de setembro de 2011, na Sala de Sessões da 2ª Turma do STF, em Brasília, fui instado a fazer uma breve declaração sobre as conclusões.

A minha resposta buscava esclarecer a razão pela qual o registro torrens deveria se consumar depois da homologação judicial. A resposta não figurou na publicação oficial, a cargo de entidade representativa de notários e registradores. O motivo da omissão parece óbvio…

De qualquer maneira, julgo oportuno introduzir o tema da minha resposta nos debates institucionais.

Pergunta: Já que o Sr. falou sobre a implantação do Registro Torrens e as razões do insucesso, gostaria que comentasse o seguinte. Como e por que pode dar certo o RT agora? A dependência de processo judicial para a concretização do registro não está na contramão da atual tendência de desjudicialização? A instituição notarial e de registro não teria uma resposta para o incremento da segurança jurídica sem o envolvimento do Judiciário e do Ministério Público?

SJ: A pergunta é muito instigante e não quero fugir ao desafio de respondê-la com o cuidado merecido. A chamada “dejudicialização” é um termo equívoco e neste caso impróprio, na minha opinião.

Após o advento da EC 45, os chamados “órgãos dos serviços notariais e de registro” (art. 103-B) passaram a ser percebidos nos limites do que tenho chamado, já há bastante tempo, de galáxia judiciária. A atividade registral não deixa de ser, propriamente, e com base na melhor exegese constitucional, uma atividade judiciária, não jurisdicional, é verdade, mas administrativa-judiciária. Assim como a atividade do corregedor permanente, ou do corregedor-geral de Justiça; serão, ambas, atividades administrativas-judiciárias.

É nesse contexto que se deve compreender a atuação do registrador.

Aliás, na condição de delegatários, o notário ou o registrador só podem receber, no conteúdo da delegação, atribuições que sejam próprias do poder delegante. Não é possível que se delegue aquilo que não seja próprio do delegante… Não tem sentido dizer, portanto, que as atividades registrais ou notariais representem, propriamente, um fenômeno de “dejudicialização”.

O assunto merece uma pausada reflexão.

Sou daqueles que sustentam que a atividade registral deve estar sob a salvaguarda do Poder Judiciário. A inatacabilidade da situação jurídica definida pelo ato de registro, um dos atributos do Registro Torrens, só se mantém quando esse ato esteja coberto pelo manto da imutabilidade e da intangibilidade – salvas as exceções conhecidas. O que exsurgiria do Registro seria uma situação típica da coisa julgada.

De igual maneira, entendo que o procedimento de dúvida deveria se converter em ação própria, com andamento e curso pelas vias ordinárias.

Na contra-mão do processo de “dejudicialização”, portanto, propugno que o Registro Torrens se aperfeiçoe no Cartório de Registro de Imóveis, sob a direção do Registrador, com a final homologação judicial, exatamente como prevê a atual Lei de Registros Públicos.