Registro de Garantias no BACEN – um ataque ao sistema registral

Por resolução (n. 4.088, de 2012), do Conselho Monetário Nacional de 24/5/2012, criou o Registro de Garantias Constituídas Sobre Veículos Automotores ou Imóveis.

A falência do sistema registral brasileiro desponta no horizonte. Primeiro, houve a investida direta da Central de Gravames, hoje nas mãos da CETIP, que atraiu para si o registro das garantias relativas a bens móveis (veículos automotores) e de títulos de crédito, como as CCI´s. Nenhum Registro de Títulos e Documentos já registra qualquer transação ou operação garantida, cuja informação escoou para centrais que tais.

O Registro Imobiliário parece ser a bola da vez nesse processo de retirada de atribuições e esvaziamento.

A justificativa de Sérgio Odilon dos Anjos, chefe do Departamento de Normas do Sistema Financeiro do Bacen, parece fazer eco às questões levantadas no debate parlamentar do século XIX, quando o Brasil ensaiava a criação de seu registro hipotecário. Segundo Odilon dos Anjos, “o novo sistema ajudará a evitar fraudes, à medida que evitará que um mesmo bem seja oferecido mais de uma vez como garantia”. “As diferentes instituições poderão consultar os dados e verificar a situação do bem dado como garantia”, declarou (JB de 25.5.2012) [mirror].

A ocupação dos espaços antes reservado aos cartórios atende a um script bem conhecido: primeiro, a criação da infraestrutura – para cuja construção não se dispensou o apoio entusiasmado de parte da categoria de registradores; em seguida, a regulamentação, via iniciativa legislativa ou administrativa. Citem-se, como exemplos, a  Lei 11.922, de 13.3.2009, que dispensa da formalidade do  registro para a transferência da titularidade de bens imóveis e a Lei 12.543, de 2011, que alterou a Lei 10.931, de 2004, criando um registro, com os mesmos efeitos de “publicidade e eficácia” que os tradicionais registros públicos.

Estamos diante de um processo orquestrado e profissionalmente bem conduzido cujo objetivo final é a substituição do sistema registral brasileiro por modelos que fizeram fortuna nos Estados Unidos.

A pequena nota na FSP de hoje (25.5.2012, p. A8mirror) é esclarecedora dos verdadeiros makers:

Os bancos já têm um registro próprio, mas que não é unificado nem controlado pelo BC. Agora, o registro terá que ser feito em entidades como BM&F e a Cetip (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos).

Já não pode pairar dúvidas acerca dos objetivos agora declarados de tornar “oficial”, pelas mãos do Bacen, o Registro Público de Ônus e Gravames Mobiliários e Imobiliários.

Horizonte estreito para os cartórios

Esta é mais uma crônica de uma morte anunciada. Os Registros Públicos padecem da síndrome “dinogregária”, em que esses pesados lagartos da fé pública se movimentam lenta e despreocupadamente sob a chuva de meteoros.

Muito pouco se fez para dar respostas efetivas às demandas sociais por molecularização do sistema registral, com a interconexão dos registros e notas.

No ano de 2005, na condição de Presidente do IRIB, buscava apoio da Abecip para constituição do Registro Eletrônico. Vale relembrar para que os leitores deste blogue percebam que o assunto é antigo e vem sendo ventilado por mim com muita preocupação. Esta era a pauta votada em reunião realizada no dia 16.2.2005 na sede da ABECIP:

1. Estudo de procedimentos-padrão. Escritura-padrão e termos contratuais predefinidos. A escritura pública eletrônica e o registro de imóveis

2. Informatização dos registros de imóveis. Registro eletrônico Fólio real eletrônico. Recebimento e transmissão de escrituras e certidões. Assinaturas digitais

3. A constituição de bases de dados intercambiáveis para trânsito em redes de informação registral – publicidade registral na Internet

4. Reforma do sistema registral brasileiro. Eficácia do registro – a fé pública registral em debate. Segurança jurídica dinâmica. Concentração de informações juridicamente relevantes da matrícula

5. Penhora on line e indisponibilidade eletrônica de bens e registro de imóveis (artigo 185-A do CTN, acrescido pela lei complementar 118/2005). Viabilidade econômica e estudo de modelos de infra-estrutura

6. Constituição de central de custódia e registro de cédulas de crédito imobiliário escriturais. Sistema Abecip-Irib: amplificação da eficácia dos títulos de crédito

7. Estudos para constituição da central de indisponibilidades Irib (Fonte: Boletim do IRIB n. 320, jan./mar. 2005). [mirror]

No importante evento realizado em São Paulo para discutir as questões relativas à privacidade e publicidade registral, deixei consignado:

De fato, estamos diante de um grande desafio: superar esse isolamento, estabelecendo conexões a fim de que a informação registral possa chegar confortavelmente ao usuário final, ao mesmo tempo oferecendo à administração pública – seja ao Judiciário, seja ao Executivo – uma forma ágil de acesso e intercâmbio com os registros públicos.

Eu penso na penhora eletrônica, por exemplo. Penso na reforma da Lei de Execuções Fiscais, que trouxe no seu bojo a decretação de indisponibilidade de bens – que deve ser comunicada preferentemente por meios eletrônicos aos registros públicos; penso na informação online, nas certidões eletrônicas, na interconexão dos registros, no compartilhamento de dados cadastrais e registrais, e na necessidade de garantir, ao mesmo tempo, a privacidade e inviolabilidade de dados pessoais do cidadão. Objeto de nossas reflexões – a publicidade registral contraposta ao direito à privacidade – é o tema central de nossos debates e merece nossa especial atenção. (Birib n. 322, jul./set. 2005)

Central de indisponibilidades

Hoje (25.5.2012) a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo apresenta oficialmente aos registradores bandeirantes a sua Central de Indisponibilidades.

Congratulo-me com o des. José Renato Nalini por esta importante iniciativa. Registro publicamente os parabéns ao Presidente da ARISP, Flauzilino Araújo dos Santos, que teve a paciência de levar a ideia original avante e concretizá-la agora sob a sua gestão.

É um passo importante, mas não suficiente. É necessário investir corajosamente na superação das assimetrias que nos tornam tão pouco aparelhados para os desafios do milênio. Falta avançar decididamente, como tenho insistido veementemente, como indicado no item 6 da pauta concertada com a ABECIP.

Antes que seja tarde demais…

RESOLUÇÃO BACEN 4.088, DE 24 DE MAIO DE 2012

Dispõe sobre o registro, em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos, das garantias constituídas sobre veículos automotores ou imóveis relativas a operações de crédito, bem como das informações sobre a propriedade de veículos automotores objeto de operações de arrendamento mercantil.

O Banco Central do Brasil, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada em 24 de maio de 2012, com base nos arts. 4º, incisos VI e VIII, da referida Lei e 23 da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974,

R E S O L V E U :

Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil devem registrar, em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil:

I – as garantias constituídas sobre veículos automotores ou imóveis relativas a operações de crédito; e

II – as informações sobre a propriedade de veículos automotores objeto de operações de arrendamento mercantil.

Parágrafo único. O sistema de registro a que se refere o caput deve:

I – ser de âmbito nacional;

II – possibilitar a consulta unificada das informações; e

III – permitir ao Banco Central do Brasil o acesso às informações e aos documentos necessários ao desempenho de suas atribuições legais.

Art. 2º As instituições mencionadas no art. 1º devem indicar diretor responsável pelos procedimentos de que trata esta Resolução.

Parágrafo único. Para fins da responsabilidade a que se refere o caput, admite-se que o diretor indicado desempenhe outras funções na instituição, exceto as relativas à administração de recursos de terceiros, à auditoria interna, aos controles internos ou outras que possam implicar conflitos de interesse ou representar deficiência de segregação de funções.

Art. 3º Fica o Banco Central do Brasil autorizado a adotar as medidas necessárias ao cumprimento desta Resolução, disciplinando, em especial, os seguintes aspectos:

I – informações requeridas para os registros; e

II – cronograma para implementação dos registros.

Art. 4º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Alexandre Antonio Tombini

Presidente do Banco Central do Brasil

Vide temas de interesse:

7 comentários sobre “Registro de Garantias no BACEN – um ataque ao sistema registral

  1. Sérgio, lembro perfeitamente das reuniões com a ABECIP, seus estudos aprofundados e palestras sobre registro eletrônico, fé pública….ainda em 2005. Cenário apocalíptico!

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