Custos de cartórios – muitos mitos, muitas fraudes

Analisando o o prospecto preliminar de distribuição pública da 2ª emissão de cotas do Fundo de Investimento Imobiliário do Banco do brasil, um colega tabelião de São Paulo chega a conclusões bastante interessantes. Essas conclusões, agora confirmadas documentalmente, confirmam o que todos os notários e registradores brasileiros já sabiam: o “custo cartorial” é desprezível perto da voracidade do mercado e do Estado. Vejamos:

Tabela com o custo máximo da distribuição das Cotas:

Custos Montante (em R$) Percentual em relação ao valor total da Oferta

Remuneração da Líder R$ 10.000.000,00 2,5%
Material publicitário R$ 1000.000,00 0,02%
Assessores legais R$ 90.000,00 0,02%
Despesas de registro na CVM R$ 82.870,00 0,02%
Registro em cartório R$ 20.000,00 0,005%
Outros R$ 15.000,00 0,004%
TOTAL R$ 10.307.870,00 2,57

Analisando essas informações, ele comenta: “os assessores legais ficam com 4,5 vezes mais que o cartório de Registro de Imóveis, os publicitários com 5 vezes mais, a CVM com 4 vezes mais e o banco com 500 vezes mais!”.

Ao longo dos anos temos visto autoridades do Executivo e do Judiciário defendo o fim dos cartórios baseando suas conclusões na avaliação de que os seus serviços são caros e dispensáveis. Embarcam facilmente no mito de que os custos de cartórios são caros, em perfeita ingenuidade política – na melhor das hipóteses.

De fato. No jogo entre o mercado e o estado, a sociedade – da qual somos um extrato especializado – sofre duplamente.

CND´s municipal e estadual sob crítica

O STJ, na senda de importantes precedentes, vem de decidir que as exigências que exsurgem de disposições infra-legais não podem ser opostas à pretensão registral.

Trata-se do REsp 724.015-PE, (j. 15.5.2012, DJe de 22.5.2012, rel. min. Antonio Carlos Ferreira). O caso relaciona-se com a exigência de apresentação de certidões de regularidade fiscal estadual para o registro de alteração contratual perante a Junta Comercial. Por não se achar prevista na lei de regência (Lei n. 8.934⁄1994), nem no decreto federal que a regulamentou (Decreto n. 1.800⁄1996), mas em decreto estadual, a exigência é simplesmente ilegítima.

Logo nos vem à mente as inúmeras exigências impostas ao registrador condicionando a prática dos atos de ofício. O exemplo eloquente é o que se acha no Decreto Municipal  de São Paulo 51.627, de 13.7.2010, que cria obrigações aos Notários e Oficiais de Registros de Imóveis e seus prepostos e impõe a apresentação de documentos comprobatórios de inexistência de débitos de IPTU. Assim dispõe o decreto:

Art. 29 Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam os notários, oficiais de Registro de Imóveis e seus prepostos obrigados a verificar:

I – a existência da prova do recolhimento do Imposto ou do reconhecimento administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;

II – por meio de certidão emitida pela Administração Tributária, a inexistência de débitos de IPTU referentes ao imóvel transacionado até a data da operação;

A regra é decalcada da Lei municipal 11.154, de 30.12.1991, art. 19, II, com a redação que lhe deu o art. 25 da Lei Municipal 14.256, de 29.12.2006.

A amplitude da regra, que acaba colhendo inclusive as alienações judiciais, vem estampada na dicção legal, tornando exigível a CND para a prática de atos “relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos”.

Tudo isso malgrado o fato de que o próprio CTN, em seu art. 130, preveja que os créditos tributários, relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes. E mais, no caso de arrematação a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

Discuto aqui o embaraço criado ao Registrador que se vê compelido a cumprir uma disposição regulamentar sem que se lhe abra a possibilidade de julgá-la simplesmente ilegal (ou inconstitucional).

Essa CND a Lei 6.015, de 1973, não a exige. O Decreto 93.240, de 1986, prevê em seu  art. 1º, § 2º que as certidões referentes aos tributos que incidam sobre o imóvel, somente serão exigidas para a lavratura das escrituras públicas que impliquem a transferência de domínio e “a sua apresentação poderá ser dispensada pelo adquirente que, neste caso, responderá, nos termos da lei, pelo pagamento dos débitos fiscais existentes”.

Esse o quadro legal que regula atividade registral que, consoante regra constitucional (art. 22, XXV), é de competência privativa da União, não cabendo aos estados membros ou municípios criarem regras de caráter formal para a prática dos atos de registro.

Por fim, não custa lembrar que os potentes efeitos da prenotação não podem ser obliterados por exigências de caráter fiscal (art. 12 da LRP).

Para quem quer ler o V. acórdão, tecle aqui.

Electronic Registry – the explosion of Gutenberg’s Galaxy and the electronic folium

Brazilian Public Registrars have found themselves at a terrible crossroads.

Pressured by economic and social need and reflecting an unsupressable trend, Registry Services in Brazil find themselves about to abandon the traditional atomized model of institutional organization inherited from the model conceived in the second half of the 19th century, and adopt a model that “moleculizes” the system.

This change is a repercussion of a transformation in the means of fixating registry information. The informational architecture of public registries, which is very traditional, will change substantially. We are rapidly abandoning the paradigm of paper-based registry, rushing through the intermediate phase of network computing (client/server) to delve into the brave new world of cloud computing and the consequent interconnection of public registries. With information migrating from the traditional folia to specialized databases, the cloaks of information will be shed to disclose gigantic portals that will transport public registries to new levels and directly into the 21st century. This change represents myriad challenges and great opportunities.

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A função econômica dos sistemas registrais

A função econômica dos sistemas registrais
Fernando P. Méndez González*

1. Introdução 

A existência de instituições que garantam eficaz e eficientemente a segurança das transações é considerada, de forma cada vez mais geral, um requisito essencial para o funcionamento da vida econômica. Além disso, a relação existente entre segurança jurídica preventiva, mais precisamente entre o sistema registral e o crescimento econômico, é hoje universalmente reconhecida. 

Dessa forma, o Banco Mundial, por exemplo, em seu relatório de 1996 – From plan to market, World Development Report – afirma taxativamente: “Um registro da propriedade torna- se fundamental e essencial para o desenvolvimento de uma economia de mercado funcional. Melhora a segurança da titularidade e da posse, diminui os custos das transferências de bens e proporciona um mecanismo de baixo custo para resolver as eventuais disputas sobre os bens”. 

Portanto, a contribuição decisiva da segurança jurídica cautelar em geral e no âmbito que nos cabe, dos sistemas registrais de segurança jurídica, em particular ao crescimento econômico, parece não admitir dúvidas. Como conseqüência, pode- se afirmar que quanto mais eficientemente um sistema registral prestar sua função, em maior medida poderá contribuir ao crescimento econômico. 

O Registro Imobiliário não é isso – nem aquilo. O que é?

Em 2011, o Ministério da Justiça, pela Secretaria de Assuntos Legislativos, no bojo do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, lançou o edital para seleção de projetos para o programa Pensando o Direito – (Projeto BRA/07/004)

O Edital (Convocação 1/2011) focalizava a democratização das informações no processo de elaboração normativa e visava, entre outros temas, fomentar discussões sobre o Registro Imobiliário brasileiro. O item 6 do edital – recuperação de terras públicas e modernização do sistema de registro de imóveis – trazia uma introdução que, vista com cuidado, representava um avanço nas conclusões. Vejamos o porquê. Eis o texto original:

A chamada “grilagem de terras” constitui-se como um problema crônico que permeia a história da estrutura fundiária brasileira. Trata-se de um fenômeno complexo, no qual as competências que cabem aos serviços de registro de imóveis não podem ser secundadas.

O sistema de registros públicos é historicamente ligado à estrutura do Poder Judiciário, sendo que, até a EC nº 7/1977, e com a promulgação da CF/1988, a titularidade dos cartórios de registros públicos era transmitida por mera substituição. Desde então, conforme o art. 236, §3º da Lei Maior, passou-se a exigir a realização de concurso público de provas e títulos para o ingresso na atividade notarial e de registro, além de instituir-se um regime de delegação pelo Poder Público, no qual o exercício da atividade é de caráter privado.

No caso dos registros de imóveis, o sistema adotado até 1976 baseava-se na transcrição de transmissão, sendo que, com a lei federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, instituiu-se o sistema de fólio real, criando assim a figura da matrícula de imóvel. Não obstante o evidente avanço trazido pelo novo sistema, uma série de fragilidades do sistema registral persiste até hoje, tais como: a falta de espacialização cartográfica dos imóveis; a sobreposição defeituosa entre cadastros públicos (dos Municípios, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, da Secretaria do Patrimônio da União – SPU – do MPOG etc) e as matrículas; as dificuldades de fiscalização e controle por parte dos Tribunais de Justiça estaduais, que passaram a ensejar inclusive a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ); a escassez de transparência na gestão de dados cadastrais; o acesso às informações dos registros públicos condicionado ao pagamento de taxas e emolumentos (inclusive pelos órgãos do Poder Público); dentre outros.

Pode ser considerado emblemático, nesse sentido, o caso do cancelamento de milhares de matrículas de imóveis emitidas por registros de imóveis no Estado do Pará, por decisão do Corregedor Nacional de Justiça em parecer referente ao Pedido de Providências nº 0001943-67.2009.2.0.0000, no qual decidiu-se pela constitucionalidade do art. 1º da lei federal nº 6.739, de 05 de dezembro de 1979. Não obstante o tema ainda seja objeto de controvérsias no Poder Judiciário, as fragilidades do atual sistema registral mostraram-se mais uma vez evidentes, ensejando maiores estudos que apontem as principais fragilidades no sistema de registros públicos, que acabam acarretando práticas ilegais como a grilagem de terras, que em geral ocorrem em terras públicas.

Além das medidas administrativas perpetradas pelos Tribunais de Justiça estaduais, além do CNJ, há ainda os milhares de casos nos quais o Poder Público busca a recuperação de imóveis mediante o cancelamento de matrículas pela via litigiosa. Apenas no caso do INCRA, a Procuradoria Federal Especializada publicou dados que remetem a 466 ações judiciais, buscando a recuperação de terras públicas que perfazem aproximadamente 3.281.121,3910 hectares.

Além de produzir reflexos na atual estrutura fundiária, e por vezes configurar-se como um dos fatores que ensejam o aumento dos conflitos fundiários, as inconsistências normativas do atual sistema de registro de imóveis constituem-se como problema de soberania nacional, dado que é estratégico à Administração Pública ter pleno conhecimento dos imóveis sob sua propriedade, principalmente nas faixas de fronteira, para que haja o controle e a destinação devidos.

Diante do contexto exposto, bem como da complexidade do tema, requer-se na presente pesquisa:

1. Estudos de casos de processos judiciais movidos pelo Poder Público de declaração de nulidade e cancelamento de registros públicos de terras, para fins de construção de dados estatísticos sobre as principais fragilidades encontradas no sistema de registros de imóveis;

2. Análise da aplicação judicial conferida à lei 6.739/79 pelos Tribunais de Justiça estaduais, em especial após o parecer do Corregedor Nacional de Justiça, no âmbito do Pedido de Providências nº 0001943-67.2009.2.0.0000;

3. Análise dos mecanismos de controle dos Tribunais de Justiça (corregedorias) e do CNJ sobre os cartórios de registro de imóveis, com foco em regiões consideradas como áreas de conflitos agrários ou em faixas de fronteira, para fins de identificação do papel que o sistema de registros desempenha na produção de conflitos sociais ou de soberania nacional;

4. Construção de propostas de modernização e maior transparência do sistema de registro de imóveis.

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Cizânia registral – conflito de competência – JT x VRP

A questão relativa aos conflitos que se originam de títulos judiciais que forcejam as portas do registro imobiliário quando encontram óbices legais inaugura um novo patamar.

Há muito o tema vem merecendo um enfrentamento sério e dedicado. As ordens judiciais oriundas da Justiça do trabalho – em sua maioria – aos esbarrarem em óbices levantados pelo Registro, repercutem e são resolvidas em no STJ como conflito de competência.

Mas essa divergência pode ser classificada como conflito de competência – considerando-se o fato de que o conflito se instaura entre o juízo administrativo e a justiça laboral?

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União e os emolumentos – republicanismo pirrônico

A União Federal, ou no caso o INSS, atulham os Tribunais Federais com ações, mandados de segurança e um sem número de recursos que oneram sobremaneira os cofres públicos. Uma pergunta calharia: não seria mais racional, econômico e eficiente (além de justo) pagar simplesmente os emolumentos?

Parece que certas questiúnculas se transformam em temas fulcrais da República.

Esse republicanismo pirrônico é intolerável em face do dever de eficiência e racionalidade da atividade estatal (art. 37 da Carta de 1988).

A questão que atormenta registradores de todo o país é a requisição massiva de certidões, o que, evidentemente, gera custos insuportáveis para as pequenas serventias judiciais. Basta pensar que as requisições eletrônicas somadas pelo Sistema Ofício Eletrônico atingem mais de 91 milhões de acessos. Como atender esses pedidos de certidão sem inviabilizar o sistema?

Ao contrário da viúva, que dispõe de afanosos advogados funcionarizados, dedicados em tempo integral a casos que tais, os cartórios são obrigados a contratar advogados e arcar com os custos de uma demanda que pode se arrastar por longos anos a fio. Os funcionários estatais se dedicam, especialmente, a malbaratar as teias judiciárias para obstaculizar o que parece óbvio e justo.

Publico abaixo uma decisão dessa que é verdadeiramente egrégia turma de São Paulo (Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)  que não só confirma a necessidade do pagamento dos emolumentos – no caso diferido, conforme lei federal – como exige a diligência do interessado para obter os documentos.

Vale a leitura.

Mas calha apontar um aspecto que não foi apreciado no R. julgamento. A Lei 6.015, de 1973, vem de ser modificada pela Lei 11.977, de 2009, que alterou o § único do seu artigo 17, verbis:

Parágrafo único. O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (internet) deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP

O dispositivo deve ser lido em conjunção com o art. 41 da Lei 11.977, de 2009:

Art. 41. A partir da implementação do sistema de registro eletrônico de que trata o art. 37, os serviços de registros públicos disponibilizarão ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações constantes de seus bancos de dados, conforme regulamento.

O Estado de São Paulo já conta com módulos do chamado Registro Eletrônico previsto na citada lei. Trata-se do Sistema do Ofício Eletrônico, serviço que opera, desde 1997, oferecendo, sem ônus e com custos suportados pelos registradores, todo tipo de informação requerida pelo Executivo Federal.

Se o leitor está interessados em saber como o Tribunal de Justiça de São Paulo organizou esse módulo do Registro Eletrônico, consulte a seguinte decisão: → Processo CG 2006/2903, São Paulo, parecer de 4.2.2010, DJE de 19.2.2010, aprovado pelo des. José Antonio de Paula Santos Neto, Corregedor Geral da Justiça.

Resta uma pergunta: Por qual razão a administração pública não se serve desse excepcional serviço? Por que insiste em formular demandas ociosas ocupando seus notáveis profissionais com questões de somenos?

Esse é mais um mistério da burocracia estatal.

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A prenotação e a discricionariedade do Registrador

Pode o registrador negar-se a prenotar determinado título quando patente a intenção procrastinatória da inscrição vestibular? Poderá o registrador denegar discricionariamente o acesso ao título em virtude de deliberada prenotação iterativa?

A R. decisão abaixo reproduzida apresenta-nos um tema de especial interesse para os registradores brasileiros, razão pela qual a disponibilizo aqui.

Na verdade, o tema não é novo. Trata-se de matéria já debatida em encontros do IRIB. Na edição do Boletim do IRIB n. 268, de setembro de 1999, o Dr. Marcelo Terra enfrentou o tema polêmico da discricionariedade do registrador na admissão (ou não) de títulos que padecem de insuperáveis imperfeições. Segundo ele, “o Oficial, nesses casos, tem dever de devolver o título sem o prenotar”.

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Ars longa, vita brevis

Dar um testemunho sobre a Editora Revista dos Tribunais é como destacar um trato biográfico da minha própria vida profissional – desde os primórdios iniciáticos num Cartório de Registro Imobiliário do ABC, até a chegada à titularidade de um Registro de Imóveis na Capital de São Paulo. Visto em perspectiva, lá se vão bons anos!

Foi uma longa jornada, inçada de dificuldades e desafios, mas também plena de realizações, de superação de obstáculos, anos a fio vividos no exercício de uma atividade multissecular, pejada de tradição e cultura e que se mantém graças ao conhecimento formulário que se transmitiu, ao longo dos séculos, entre gerações de notários e registradores. A tradição escrita, em nossa atividade profissional, joga um papel essencial.

Gostaria de fazer um pequeno recorte na longa história da Editora Revista dos Tribunais para dar um testemunho especificamente sobre a Revista de Direito Imobiliário – RDI, que é, digamos assim, uma especialização da Revista por antonomásia.

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