A prenotação e a discricionariedade do Registrador

Pode o registrador negar-se a prenotar determinado título quando patente a intenção procrastinatória da inscrição vestibular? Poderá o registrador denegar discricionariamente o acesso ao título em virtude de deliberada prenotação iterativa?

A R. decisão abaixo reproduzida apresenta-nos um tema de especial interesse para os registradores brasileiros, razão pela qual a disponibilizo aqui.

Na verdade, o tema não é novo. Trata-se de matéria já debatida em encontros do IRIB. Na edição do Boletim do IRIB n. 268, de setembro de 1999, o Dr. Marcelo Terra enfrentou o tema polêmico da discricionariedade do registrador na admissão (ou não) de títulos que padecem de insuperáveis imperfeições. Segundo ele, “o Oficial, nesses casos, tem dever de devolver o título sem o prenotar”.

A reportagem, veiculada naquele boletim, foi feita por mim. Peço vênio aos leitores para reproduzir o texto que condensa o pensamento do jurista bandeirante:

Embora não negue vigência ao artigo 12 da LRP, sustenta que nem todos os títulos devem acessar o protocolo do Registro, alcançando os efeitos da prenotação, prejudicando, eventualmente, quem tenha legítimo interesse no registro. E a razão radica no fato de que o acesso de todo e qualquer documento, mesmo daqueles que o registrador tem plena convicção de que não oferecem condições de registro por grave ofensa aos princípios registrais, pode afetar direitos de terceiros: “sendo o título absolutamente irregistrável, o processo de qualificação nem ao menos deve ser iniciado, deixando de haver a oposição do título até outros que se apresentem para registro na mesma matrícula.”

Por conseguinte, conclui que, no cotejo entre dois valores igualmente protegidos juridicamente (a segurança do titular de domínio e a segurança do apresentante do título), deve prevalecer o bom senso e a adoção de um critério baseado inteiramente na razoabilidade. Aqui reside a importância da atividade do registrador no exame dos títulos: a compreensão, em profundidade, do texto legal, extraindo dele todas as suas conseqüências. Como corolário lógico de seu raciocínio, conclui que, “desaparecendo o elemento justificador da prenotação, o que se dá quando o título não enseja a ‘dúvida’ a que alude o art. 12 da Lei 6015/73, prevalece a proteção à segurança do titular do domínio, que poderá dele eficazmente dispor, sem haver embargo do registro de títulos que vier a outorgar”.

Mas o Dr. Marcelo Terra reconhece que a decisão do registrador pode ter repercussões importantes, quer do ponto de vista do disponente do direito real, quer do ponto de vista do apresentante do título. A tensão que se pode estabelecer entre esses interesses colidentes, pode trazer reflexos indesejáveis ao profissional do direito que tem que decidir sobre cada caso concreto. Melhor seria, portanto, que houvesse clara disposição legal sobre a matéria, na qual o registrador pudesse seguramente se estribar.

Decisão – íntegra

Processo 0050336-19.2011.8.26.0100 – Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Xº Oficial de Registro de Imóveis da Capital – ERH

Vistos.

Trata-se de pedido de providências, intitulado dúvida, formulado pelo Oficial do  Xº Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Egídio Romero Herrero.

De acordo com o Oficial, a certidão para averbação de penhora foi recusada em virtude de o imóvel objeto da matrícula nº 67.032 do Xº RI não ser de propriedade do executado RTR.

O suscitado apresentou impugnação (fls. 53/55).

O Juízo que expediu a ordem de penhora prestou informações a fls. 97/98.

A representante do Ministério Público opinou pela manutenção da exigência formulada pelo Oficial (fls. 100/102).

É o relatório.

Decido.

I) Em se tratando de ato de averbação (art. 659, §4º, do Código de processo Civil), determino a autuação do presente como pedido de providências.

II) O caso é de indeferimento do pedido. Isso porque o Xº Oficial negou o ingresso no fólio real do título acostado a fls. 10 por uma razão muito simples: RTR, executado no processo em que a penhora se originou, não é detentor de qualquer direito que tenha sido registrado ou averbado na matrícula nº 67.032 do Xº RI (fls. 11/13).

Para que a suscitado possa averbar a penhora, imprescindível o prévio registro de título que torne o executado proprietário do imóvel.

No caso dos autos, pelos documentos acostados pelo suscitado, necessário o prévio registro da carta de arrematação expedida pela 30ª Vara Cível da Capital, cujo ingresso no fólio real fora analisado e negado inclusive em sede de dúvida (fls. 81/83).

Aplicável à espécie o art. 237 da Lei nº 6.015/73, que assim dispõe:

“Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.

Anoto que o bloqueio da matrícula para preservar o interesse patrimonial do suscitado (fls. 55), além de ser medida estranha ao procedimento de dúvida, não é matéria cuja análise cabe a esta Corregedoria Permanente.

Por fim, considerando que o título foi apresentado e prenotado por vinte e duas vezes em idênticas condições (fls. 16/28), resta evidente que o intuito do suscitado não é alcançar o registro, mas tão-somente se beneficiar dos efeitos da prenotação (art. 205 da Lei nº 6.015/73).

Assim, embora tardiamente determinada, pois o título foi prenotado mais de vinte vezes, correta a recusa de nova prenotação por parte do Xº Oficial (fls. 16).

Ante o exposto, indefiro o pedido de providências iniciado pelo Xº Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Egídio Romero Herrero.

Considerando as sucessivas apresentações do título em idênticas condições, o que caracteriza conduta condenável, oficie-se ao Xº Registro de Imóveis da Capital para que cancele eventual prenotação originada pela apresentação do título acostado a fls. 10.

Após, nada sendo requerido, ao arquivo.

P.R.I.

São Paulo, 12 de abril de 2012.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz de Direito

CP 394 – ADV: EHR  (OAB 89212/SP) (D.J.E. de 17.05.2012)

3 comentários sobre “A prenotação e a discricionariedade do Registrador

  1. Dr. Sergio,
    nós, registradores, precisamos formar um grupo para poder debater dúvidas sobre matérias registrais, como acontece com o pessoal do Tabelionato de Protestos.

    Sempre ocorrem dúvidas e não sei a quem consultar para melhor solucioná-las.-

    Atenciosamente
    João Miguel de Souza
    Oficial Registrador da comarca de Pacaembu-SP

    • Caro Dr. J. Miguel. No dia 23.9.2016 a juíza da 1 VRPSP, Dra. Tânia Mara Ahualli, decidiu caso que guarda sincronia com o tema deste post. Trata-se do Processo 1121395-11.2015.8.26.0100. A decisão pode ser consultada na base da kollemata: http://www.kollemata.com.br.

      A prenotação iterativa busca um bloqueio indevido da matrícula em detrimento de terceiros.

      Penso que a decisão é acertada.

      Atenciosamente,

      SJ

  2. […] Posteriormente, na edição do Boletim do IRIB n. 268, de setembro de 1999, o Dr. Marcelo Terra enfrentaria o tema polêmico da discricionariedade do registrador na admissão (ou não) de títulos que padecem de insuperáveis imperfeições. Segundo ele, “o Oficial, nesses casos, tem dever de devolver o título sem o prenotar”. Remeto o leitor ao artigo referido nas nótulas que registrei aqui mesmo, neste Observatório: A prenotação e a discricionariedade do Registrador. […]

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