Discurso do Presidente da APDR – Academia Brasileira de Direito Registral.
Senhor Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Renato Nalini; Senhor Corregedor-Geral de Justiça de São Paulo, desembargador Hamilton Elliot Akel. Senhor desembargador Ricardo Dip, confrades da ABDRI; Senhor Presidente do IRIB, Dr. João Pedro Lamana Paiva, Senhor Presidente da ARISP, Flauzilino Araújo dos Santos.
Queridos amigos, estimados colegas.
Estamos diante de uma encruzilhada. Os registradores brasileiros são chamados a dar uma resposta institucional aos desafios que a sociedade contemporânea nos apresenta, tentando desatar o nó górdio representado pelo avanço das novas tecnologias sobre as atividades multisseculares dos Registros Públicos.
Observem os nossos dilemas e desafios: universalização do acesso sem desnaturar a modelagem institucional de órgãos registrais fracionados; rapidez na execução dos serviços sem a degradação da segurança jurídica; autorregulação sem malferir ou contrastar a coordenação e disciplina judiciária; desenvolvimento e fortalecimento da independência jurídica dos registradores, sem extrapolar os limites da autonomia em sua ordem. Exercício privado – serviço público delegado.
São binômios tensivos que parecem prefigurar uma sina dos Registros Públicos e das Notas.
Eu pergunto: como lidar com as tendências que se anunciam como fatos irreversíveis? Como assimilar os impulsos de modernização do sistema sem renunciar ao caudal da tradição? Como preparar-se para as mudanças dos meios tradicionais de fixação da inscrição?
Este seminário pretende lançar as bases desta discussão. Iniciamos agora os primeiros passos, tímidos ainda, rumo ao nosso futuro.
Mas, que futuro pode ser este que não uma porta que se abre com as chaves da nossa tradição?
As atividades registrais são uma necessidade social. Prova desse fato é, de um lado, a longa trajetória de desenvolvimento e aperfeiçoamento, desde a criação do Registro Hipotecário, em 1846. Chegamos até aqui e isto simplesmente não seria possível se esta instituição não se prestasse, como se prestou, a dar respostas perfeitamente adequadas às necessidades econômicas e sociais. De outra banda, nítido é o açodamento e o acirramento dos ataques que vimos sofrendo por parte das forças de mercado que, aliadas a alguns setores da administração pública, buscam capturar e subverter as atribuições tradicionais que são próprias dos órgãos da fé pública. Não estaríamos nesta desconfortável situação de tensão latente fossem os Registros Públicos mera e simplesmente uma formidável máquina burocrática e formalista, já imprestável para enfrentar as renovadas demandas e necessidades sociais.
Lidamos com situações jurídicas relativas às pessoas e às suas coisas. Descobrimos, algo perplexos, que as situações jurídicas podem ser representadas por dados, manipulados por sofisticados sistemas de comunicação e de informação. Conhecimento é poder, como disse a seu tempo Bacon, e hoje diríamos: conhecimento e informação é poder. Vivemos uma época em que o impacto das novas tecnologias tende a reformar os processos tradicionais de trabalho, modificando hábitos, transformando rotinas e inaugurando novas culturas.
O mais intrigante disso tudo – e, sob certos aspectos, o que há de verdadeiramente assustador – é o fato de que as máquinas estão interferindo, já, positivamente, no resultando do trabalho humano, modificando-o substancialmente. Destaco, no âmbito do Direito, a influência, nitidamente percebida, no tratamento e processamento eletrônico da jurisprudência dos tribunais, que acabam por consagrar não a communis opinio doctorum, mas a expressão que aponta para fenômenos estatísticos, replicação de standards, que calham confortavelmente nos processos e sistemas digitais.
No nosso caso, é perfeitamente possível mensurar e precificar o fenômeno da inadimplência no crédito imobiliário, por exemplo – e isso com base em complexos processos de engenharia financeira e, principalmente, com o uso da tecnologia do big data. Não tardará e solertemente se proporá a substituição de sistemas de segurança jurídica preventiva, representados pelos Registros Públicos, pela segurança econômica e financeira que será o resultado de complexas análises de dados. Transitamos, perigosamente, da prevenção de litígios para a reparação modal e residual de danos – em nome da rapidez, da modicidade, da universalização e da padronização dos processos, tudo sob o pálio de uma nova ratio tecnocrática que desponta como as cidadelas de um admirável mundo novo do mercado.
Caros colegas. Vivemos o inferno pós-moderno. Em breve não será operacional o conhecimento que não possa ser reduzido a quantidades de bits e de bytes.
Mas é necessário resistir e compreender a natureza desses novos impulsos e tendências e, de alguma forma assimilar e reverter, a nosso favor, a força irresistível dessas transformações tecnológicas, fundando-nos no estrado seguro da nossa larga tradição.
Termino parafraseando um velho advogado e jurista paulistano, especialista em direito revogado. Não queiramos ser como o velho presunçoso e empedernido que “tinha todas as respostas e se esquecera completamente das perguntas”.
Volvamo-nos, pois, aos novos desafios com a mesma confiança e a reta determinação que foram a marca e o apanágio dos nossos maiores.
Bons trabalhos.
Sérgio Jacomino
Mestre, brilhante suas palavras e sapiência! Continue, paz e bem!