RTD – o desmonte do registro público brasileiro

Bigdata_privacyTratei do episódio do desmonte do RTD brasileiro – que qualifiquei de crônica de uma morte anunciada, parafraseando o autor latino-americano – no post publicado em outubro do ano passado.

Esse é um tema recorrente aqui neste blogue. O leitor poderá encontrar uma defesa leal e sincera do RTD feita por um registrador que não tem essa importante atribuição. 

Hoje trago à apreciação dos leitores o que considero uma perfeita síntese desse processo de desmonte progressivo e efetivo do registro público brasileiro, tal e qual o conhecemos há mais de uma centúria.

Trata-se da decisão proferida no Processo CG 156.742/2015, decisão de de 25/11/2015 (DJe de 7/12/2015), do des. Xavier de Aquino que redundou no Provimento CG 52/2015, de 4/12/2015.

Nesta decisão vamos encontrar uma minuciosa cronologia das etapas que acabaram por consumar a substituição dos antigos sistemas registrais por novos e modernos, geridos e administrados por atores privados de capital multinacional, e por isso mesmo muito poderosos, que ocuparam, por ineficiência e falta de visão da própria categoria, os espaços que historicamente estiveram reservados às instituições registrais.

A crítica deve ser assimilada pelos registradores. Este triste exemplo deve ser objeto de uma detida reflexão por todas as especialidades que, em maior ou menor grau, sofrem o mesmo assédio e podem estar sujeitos aos mesmos azares.

Vivemos uma nova era – a era da informação. Os grandes bancos de dados acabarão por se impor, assimilando os registros ordinários de valor econômico e jurídico da sociedade. As transações econômicas serão estruturadas e “datificadas”, para usar um neologismo que surge no âmbito das tecnologias de big data.

Com as bênçãos do Judiciário (em primeiro lugar – antes mesmo que as reformas legislativas ganhassem corpo) e do executivo e legislativo, hoje temos um registro concorrente, constituído a latere dos sistemas tradicionais, denominado SNG – Sistema Nacional de Gravames, que realiza todas as operações de registro de alienações fiduciárias de veículos automotores. Trata-se do “maior banco de dados privado de informações sobre financiamentos de veículos do país”, segundo a mesma instituição privada.

Para que se tenha uma ideia do que este registro extravagante representa, no ano de 2015 o SNG registrou 1.474.995 financiamentos de veículos (vide aqui).

Não é pouco e isto não representa uma fração do que esses enormes bancos de dados armazenam.

Adros de Cérbero

Cerberus
Cerberus

O Dr. Ermitânio Prado é um jurista enfadado da prática judiciária – “incluída, especialmente, a notarial e registral”, emenda rapidamente. Sempre o consulto sobre os assuntos do dia nas visitas semanais que faço em seu apartamento na Avenida São Luís, no centro de São Paulo, onde mora desde a década de 70 num confortável piso art déco. Homem solitário e doente (sofre da gota), talvez seja o único amigo a resistir ao seu humor ciclotímico e alucinado.

O velho é um atento observador. Não vê TV, nem será encontrado navegando nas redes sociais, mas é um contumaz leitor de jornais. Vejo espalhado pelo apartamento, ao lado de sua poltrona Sheriff – “peça original do Sérgio Rodrigues”, resmunga – exemplares desfolhados do Estadão, do Financial Times, The Economist, Folha de São Paulo, Corriere della Sera e tantos outros que não identifico.

O Velho está sempre disposto a discutir comigo temas de interesse comum, desde música clássica (ele adora Wagner) até religião (ultimamente anda embevecido pelas lendas do povo judeu compiladas por Mikhah Yosef Bin-Gorion). Nos interregnos, conversamos animadamente sobre direito registral, outra de suas manias. Confessou-me, certa feita, que adoraria ter sido tabelião em Portugal no século XIV. Coisas do velho que eu não compreendo, nem discuto.

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