Baronato de rinha

Nós, os notários e registradores, somos uma tribo muito esquisita mesmo. Ainda somos vistos como uma espécie muito peculiar no corpo da atividade pública, estudados com atenção, pois a muitos parecerá que somos uma parcela residuária de exóticas hostes corporativas medievais.

Ainda ontem estava relendo – por necessidades profissionais – o livro do professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira, 3a. ed. São Paulo: Saraiva, 1983). Lá pelas tantas (p. 740), ele compara os cartórios a “baronias que outorgavam os monarcas feudais aos seus mais fiéis servidores”. Mais tarde alguém qualificaria a concessão da delegação como prebenda (verbi gratia, sinecura, veniaga)

Assim estamos – assim ficamos, por certa inércia e por um encardido praxismo corporativo resistente a mudanças.

O baronato cartorial ainda hoje se digladia pela disputa de territórios. Agora são territórios simbólicos. As várias entidades que representam notários e registradores disputam espaço, prestígio e tentam salvar algum tereco e caraminguás, que ninguém é de ferro.

Abaixo publico uma ata do GIAC que é suficiente expressiva. Dispenso-me de comentários.

Processo: CAO 536/03 – SPT – prot. 0007/03, Representação 15/02 – Comarca: Capital. Ementa: Áreas Contaminadas (Ofício Circular 998/02). Andamento junto com autos CAO 1524/02 – Informação Técnica.

Em continuidade aos trabalhos do GIAC, fora realizada nova reunião do grupo nas instalações da CETESB no dia 31 de agosto de 2006, conforme Lista de Presença em anexo.

Aberta a reunião, foram sinteticamente apresentados aos demais integrantes do GIAC os temas e os resultados da discussão ocorrida no âmbito do subgrupo então formado que tinha por objeto a validação da Minuta do Termo de Averbação elaborada pela CETESB e comentada pelo IRIB, conforme constante da Informação Técnica anterior, de 18 de agosto de 2006.

Na seqüência, a CETESB esclareceu que, contrariando ao que fora condensado naquela oportunidade, sua Diretoria posteriormente entendeu por bem que, para plenamente alcançar os objetivos a que se destinam com a averbação na matrícula dos imóveis das áreas contaminadas do Estado, o momento da informação não poderia se dar apenas quando das análises detalhadas e respectivos estudos de risco, mas também quando das investigações preliminares, na fase da Investigação Confirmatória.

De fato, tal decisão nos parece a mais correta e se sustenta no fato de que é na fase da Investigação Confirmatória que se detecta a contaminação de uma determinada área.

Eventualmente, em função das investigações decorrentes na seqüência e do estudo de análise de riscos efetuados, a remediação da área poderá ou não vir a ser necessária, em função dos usos então pretendidos. Entretanto, ainda que não ofereça riscos aos usos pretendidos, não se descarta o fato da área estar contaminada, devendo ser devidamente informado e registrado nas respectivas matrículas dos imóveis sob tais condições, conforme o caso.

Outrossim, foi determinado pela Diretoria da CETESB que, para o atendimento da necessidade da informação no Termo de Averbação da parcialidade ou não da contaminação de uma determinada área, conforme definido na instrução normativa da Corregedoria, seria preliminarmente sempre estabelecida a parcialidade da contaminação, o que também para nós se demonstra o mais apropriado em face da própria dinâmica do processo de gerenciamento de áreas contaminadas.

Quanto à informação dos cartórios de registro de imóveis neste momento solicitando as matrículas dos imóveis constantes da Listagem de Áreas Contaminadas do Estado de São Paulo elaborada pela CETESB, conforme recomendação do IRIB, foi sugerido que o órgão ambiental oficiasse apenas a Corregedoria do Estado solicitando que a mesma publicasse em diário oficial o aviso de que os cartórios deveriam consultar a Listagem mencionada, disponível na página eletrônica da CETESB, para posterior envio à mesma das respectivas matrículas daqueles imóveis identificados de sua competência.

Entretanto, o representante da assessoria jurídica da ANOREG se manifestou contrariado com a decisão mencionando a possível intenção do IRIB em afastar sua participação neste processo, inclusive privando-o da última reunião ocorrida do subgrupo, não permitindo a utilização do sistema informatizado centralizado desenvolvido pela ANOREG, webservice, que promoveria a agilização de todo o processo.

Conforme a ANOREG, se o pretendido com tal ação seria garantir a gratuidade do procedimento à CETESB, o mesmo não via como resguardá-la utilizando-se do expediente recomendado pelo IRIB.

Questionado acerca do sistema mencionado, a ANOREG afirmou que o mesmo já estaria finalizado e operacional, com abrangência em todo Estado de São Paulo e possibilidade de expansão em um segundo momento para todo o Brasil, com a produção de informações autenticadas digitalmente. Entretanto, indagado quanto à gratuidade para utilização de seu sistema informatizado, o mesmo não soube se posicionar sem que realizada consulta prévia à diretoria desta entidade.

Ficou evidente a existência de um conflito de interesses, particularmente por conta da ANOREG, que chegou a avençar a eventual intenção do afastamento de sua participação neste processo por parte do IRIB, causando um certo constrangimento durante a reunião. Ademais, nos parece que a mesma insiste na adoção de seu sistema, sem garantias, entretanto, da forma de sua utilização, particularmente quanto às eventuais custas envolvidas.

Ora, se a intenção seria agilizar o processo, conforme argumentação da ANOREG, a mesma chegou a suscitar a eventual necessidade de edição de Lei específica para disciplinar a questão, o que, contrariamente ao que se propõe nos parece mais prejudicar o andamento dos trabalhos que facilitá-los.

Assim, ficou “consensado” na reunião que a CETESB daria continuidade ao processo conforme orientações do IRIB, oficiando a Corregedoria do Estado solicitando a informação dos cartórios de registro de imóveis para o fornecimento das 1662 matrículas dos imóveis constantes da Listagem de Áreas Contaminadas e, neste mesmo ofício, mencionaria à Corregedoria a necessidade de manifestação acerca da gratuidade. Em paralelo, o Ministério Público e a própria CETESB estabeleceriam contato com a Corregedoria do Estado no sentido de consultá-la sobre o tema (custas e emolumentos dos cartórios).

À ANOREG foi dada a oportunidade de apresentar seu sistema para conhecimento e avaliação do GIAC para eventual futura adoção, caso o mesmo se demonstre apropriado para os fins pretendidos. A data desta apresentação deverá ser agendada pela ANOREG oportunamente, preferencialmente antes da próxima reunião do grupo de trabalho.

Quanto às novas versões dos Termos apresentados pela CETESB, Termo de Área Contaminada e Termo de (Re) Habilitação de Área Contaminada, os mesmos foram analisados e devidamente aprovados pelos presentes na ocasião, conforme anexos à presente Informação Técnica.

Finalmente, iniciou-se a discussão acerca de qual procedimento deverá ser adotado no que tange às Áreas Potencialmente Contaminadas, conforme questionado pelo representante do Ministério Público na última reunião do grupo.

A CETESB informou que haveria a necessidade do cruzamento das informações constantes de seu cadastro com aquele proveniente da JUCESP, com a consolidação de uma listagem única, com a possibilidade de retroagir até 50 anos. Tal listagem poderia compor um livro específico a ser distribuído nos cartórios de registro de imóveis ou publicada no site do próprio órgão ambiental, o que parece mais apropriado para publicização da questão.

Ressalte-se, entretanto, que o SECOVI teria recebido estas informações e já consolidado um banco de dados próprio para a utilização restrita de seus associados e que um convênio seria pactuado com a CETESB no sentido de promover o auxílio à consolidação pretendida pelo órgão ambiental, o que ainda não ocorrera até então.

A próxima reunião do GIAC ficou agendada para o dia 28 de setembro de 2006, às 9:00 horas, na sede da CETESB, em São Paulo, compondo a pauta das discussões o tema das Áreas Potencialmente Contaminadas.

Lúcio Gagliardi Diniz Paiva – Eng.º Químico, Especialista e Mestre em Engenharia de Saúde Pública e Meio Ambiente – 01/Setembro/2006

3 comentários sobre “Baronato de rinha

  1. O que mais me chama a atenção na questão das áreas contaminadas é que o principal está aparentemente sendo deixado de lado, a averbação das áreas contaminadas foi uma conquista importante para o registro imobiliário brasileiro, e questões secundárias não podem se sobrepor, como serão obtidas meia-dúzia de certidões? na minha opinião, é fator totalmente desprezível nesse momento.

    O momento é de celebração e trabalho.

  2. Marcelo.
    Não seria mais oportuno o seu comentário.
    Se mantida esta postura da Anoreg, podemos fazer criar raízes a má impressão que o episódio gerou.
    Seria mais útil, para consagrar o princípio da concentração, até mesmo isentar de pagamento estas certidões, diligenciando junto a cada registrador e fazendo o pedido em nome (e no interesse) da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, pois nesta condição estaria legalmente amparada a isenção do pagamento e a interação com os registradores já poderia alertá-los e instruí-los a como proceder quando do recebimento do termo de averbação.
    A idéia de utilização do Diário Oficial foi muito oportuna, pois já é ferramenta de uso diário do Judiciário, podendo ser extendido ao Executivo.
    De qualquer forma, considerando que a área do 11SRI/SP, por conta do lençol freático rasteiro (se assim pode ser chamado) e da existência de áreas de proteção ambiental é um potencial fornecedor de certidões, fico, desde já, à disposição para ajudar no que for possível.

    Por fim, ratifico o que foi dito pelo MM, pois o momento é de celebração, por mais esta conquista do princípio da concentração, e de muito trabalho, pois além de todos os termos de averbação represados, teremos muito o que explicar aos usuários por conta de mais esta informação concentrada no Registro Imobiliário, uma vez que muitas delas estão contaminadas e estão sendo usadas para implantação de condomínios, especialmente em virtude do aumento do coeficiente básico para construção no plano diretor, por conta do incentivo a construção em áreas anteriormente designadas como área industrial (vejam a Móoca e outras).

  3. Amigos, vejam nos links abaixo quão importante é essa questão das áreas contaminadas.

    Vejam que a matéria é tão importante que já toma a mídia comum.

    Notem que na reportagem é dada uma conotação para a importância do tema e para a importância que ela tem ao destinatário final da segurança, que no nosso caso é o comprador do imóvel.

    Só por este motivo já não seria o caso de nós mesmos pesquisarmos em nossas Serventias e já averbarmos por conta dos laudos que constam do site da CETESB (num total de 1.664 imóveis em todo o Estado de São Paulo – O arquivo tem 12M, demora para ser baixado, mas é muito interessante ao ser compulsado).

    Abaixo segue tópico que estou abrindo em algumas comunidades do Orkut para conhecimento desta nova situação.

    Terrenos da Capital de SP com passivo ambiental

    Vejam no link abaixo matéria da Folha de São Paulo sobre Terrenos com passivo ambiental que ocupam regiões visadas de SP para incorporação imobiliária.

    http://www1.folha.uol.com.br/folha/classificados/imoveis/ult1669u1995.shtml

    Vejam, ainda, no site da CETESB, mencionado na reportagem, a lista, para download, das áreas com contaminação no Estado de São Paulo.

    relação da CETESB disponível para consulta em:

    http://www.cetesb.sp.gov.br/Solo/areas_contaminadas/relacao_areas.asp

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