Só para entendidos

O velho Tirésias do registro estava cego desde a última diatribe corporativa. Sem ter como se furtar à emissão de um juízo – a exemplo da inafastabilidade da qualificação registral – caiu em privação pela ira de uma dama vestal na disputa intestina.

A contenda entre D. Flor e seus cinco maridos reclamava árbitros clarividentes. Enxergar as entranhas e patranhas dos negócios privados é sempre um risco, o Velho sabia. Meteu-se entre os deuses como alguém que se atira a uma triste sina. Não há escapatória nesses ritos de passagem.

Bem se lembrava o Velho. O contubérnio corporativo se instalara com furor; o tálamo aconchegante da matercula generatrix (“desde 1928”, reza o dístico moderno) despertaria as muriçocas erráticas e buliçosas, atraídas pelo fulgor desejante. “Tropismo corporativo”, definiria alguém. “Taxia nota-registral” arriscariam outros. O fato é que o centro de poder atraia com força. Ad inferos!

O sumo síndico, big.capo.br, com sua opulência de capas ventricosas e hálito cepáceo, bazofiava a respeito dos acidentes: “Dirijo a única dama virtuosa que representa todas as espécies”. Seu apetite e presunção desmesurados permitiriam, sem malferir a sintaxe, declarar: “Digiro a única dama virtuosa…”.

~~~~*~~

Mas tudo termina; tudo fenece. De dona Flor despetalada se pode dizer: finire morbo! E assim estamos todos nós, à espera de um veredito mais do que de um concerto. Assim devolvem-se velhas questões ao Velho cego que vê”.

Meus desígnios ao Mestre, com carinho”!

I had a dream

Antes de compartilhar com vocês o texto do discurso de despedida do Irib, creio deva justificar a opção pelo tom algo hippie e inesperadamente emocional da fala.

Tinha que fazer um discurso sobre realizações, rumorar o que havia feito à frente do Instituto nos longos 5 anos que me mantive na presidência. E isso me chateava sobremaneira, pois sabia que era tradição do Instituto listar, em elenco aborrecido, as realizações empreendidas, os fatos vividos, os projetos concretizados…

Mas isso tudo já não me concerne, pensei. Que faço eu aqui e agora?

Assim estava quando, a poucos minutos da peroração previsível, a ser irradiada do púlpito, fui tomado pela melodia de I had a dream, uma canção de John Sebastian cantada nos dias pacíficos e idealistas de Woodstock.

I had a dream last night
What a lovely dream it was…

Assim surgiu o texto mal-ajambrado intitulado no BE

Eu tive um sonho

Fez-se a nítida percepção de que fui um pequeno interregno – entre a ingenuidade matuta ecoada desde os impossíveis da serra até o yuppismo que toma debonairly a execução dos nossos destinos. Fui um pequeno lapso hippie, se é que me entendem – qualificado pela doce e elegante Gleci Palma Ribeiro que vislumbrou após o presidente samba-canção o inesperado presidente rock´n´roll. 

Eu tive um sonho…

Um dia, há muito, tive um sonho. Um adorável sonho.

Sonhei que o Registro despertava de um sono profundo, manso, tranqüilo e duradouro. Vi que despontava em tímidos movimentos, reforma-se em impulsos de renovação. Logo se faria mais firme, rápido, intenso; um movimento seguro e certo. Um registro que atingindo afinal o termo de um longo ciclo, agitava-se agora em ondas de transformação.

Em tive um sonho de mudanças. Um sonho de renovação.

Estava em minhas mãos tocar este velho companheiro, impulsioná-lo tão suavemente quanto pudesse para realizar o seu grande destino.

Mas quem sou eu, meus amigos?

Como o poeta, poderia dizer:

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim
todos os sonhos do mundo”.

Eu tive o sonho de mudar o registro de imóveis no Brasil.

Um humilde sapateiro sonhava e simplesmente se olvidava das parcas sandálias.

Meus amigos, eu tive um sonho. E nele acreditei profundamente.

É chegada a hora de lhes entregar, nas mãos de meu sucessor Helvécio Duia Castello – realizando o mais profundo e verdadeiro sentido da tradição -, o que pude realizar ao longo desses anos todos, confiado que além do Bojador, muito além de toda a dor, pode estar enfim… um novo começo? Talvez um novo sonho? Quem sabe uma nova esperança que se renova? Ou um novo registro?

Desejo-lhe toda a sorte nesta travessia meu caro amigo e presidente!

Novos registros de imóveis para quê (ou quem)?

O Paranashop [guia de empresas do Paraná] publicou interessante artigo de Luiz Antônio Cossio do Secovi.

Vale a pena conhecer o fato e sua repercussão na voz abalizada de um player do mercado imobiliário.

Para quê ou para quem foram criados novos cartórios de registro de imóveis em Curitiba?Luiz Antônio Cossio [09-10-2006]

A Assembléia Legislativa decretou e o Poder Executivo sancionou em 11 de Setembro de 2006, a lei de nº15.246, cuja lei define a alteração de delimitações das atuais circunscrições imobiliárias, que eram nove e passaram a ser 13, portanto, mais quatro cartórios de registros de imóveis em Curitiba. Assinaram este decreto o Sr. Dr. Hermas Brandão, como Governador em Exercício do Estado do Paraná, o Dr. Jair Ramos Braga, Secretário de Estado da Justiça e Cidadania, e o Dr. Rafael Iatauro, chefe da Casa Civil, na função de suas atribuições legais.

Visitando-se o site da Assembléia, ainda nada se encontra sobre a referida lei estadual e sua publicação, consta sim do Diário Oficial do Estado de 11/09/06. Mesmo em itens de busca nada se encontra a respeito de registros de imóveis.
###
A criação de novos ofícios certamente seria bem vinda se fosse levado em conta a possibilidade e a forma de implantação de novas delegações para o exercício de serviços de registro, que esta prevista em Lei de nº 8935/94, em seu artigo 38, contempla a criação visando a mais adequada e eficiente prestação de serviços, observados critérios populacionais e sócio econômicos.

Não se vê pela forma como a mesma foi elaborada e sancionada qualquer relação que compreenda informações do volume de atos praticados, da renda de determinada região e muito menos de maneira a formar um conjunto idôneo.

O desinteresse em observar o princípio básico de atender ao cidadão mostra-se claro pela forma da distribuição; criou-se um novo cartório de registro de imóveis em zona nobre da cidade abrangendo o Batel em quase sua totalidade, pergunta-se por quê no meio? Por quê na região mais nobre da Capital? Por quê?

Tal proposição vem na contramão do interesse social do cidadão, pois em um momento onde o governo federal isenta de IPI uma boa parte de materiais da construção civil poderia ser melhor, mas foi de qualquer forma um ato positivo, cria-se mais cartórios de registro que demandarão a cada novo registro imobiliária da nova circunscrição certidão da anterior, não podemos esquecer que os imóveis hoje já são matriculados, portanto mais custos ao cidadão. Observe-se, mais custos. Veja-se o exemplo do cidadão que irá utilizar-se do Fundo de Garantia por tempo de serviço para aquisição de sua moradia, para provar que não possui imóvel, não mais tirará 9 certidões e sim 13, portanto mais custos.

Procede-se a criação de novos cartórios de registro de imóveis, mas se mantém a absurda e incompatível modalidade de tempo para um registro imobiliário de 30 dias para registro e sete para uma certidão, em uma época em que a informatização está disponível e a cada dia mais atualizada e modernizada, pois já se consegue reconhecer assinaturas por semelhança em um cartório mesmo que a ficha de assinatura esteja em outro. Isto pode ser observado claramente pelo tempo diferente que cada registro age em sua rotina de trabalho.

Não se pensou em momento algum no cidadão que é, em suma, quem paga a conta pelo arquivamento de documentos de registro, aliás, atividade essencial à organização patrimonial. Mas paga esta conta!

Por quê se pensa no cidadão que será titular deste cartório e não no cidadão que precisa dos documentos? Qual a forma que será utilizada de provimento, concurso público? Será que assim será feito?

Dever-se-ia antes de criar novos cartórios ajustar as obrigações dos mesmos quantos aos princípios de eficiência, de proporcionalidade, da razoabilidade.

Tanto se fala em reforma, mas age-se em sentido contrário. Por quê?

Os aproximadamente 434 milhões de metros quadrados são divididos em registros imobiliários, onde existe a obrigação do cidadão em levar o seu registro imobiliário. Mas a área de cada um é incompatível com o outro, portanto sem atender os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade; da mesma forma, são incompatíveis a eficiência e o trato do cidadão no balcão destes cartórios de registro, cidadãos que estão trabalhando, necessitando de documentos muitas vezes para abreviar suas necessidades, sem ferir a segurança jurídica do negócio.

O cidadão, sempre relegado a segundo plano, sempre esquecido!

Basta comparar com outras capitais do Brasil para se ver o quão absurda é a atitude desta Lei.

Porto Alegre tem apenas 4 cartórios de registro de imóveis, São Paulo tem 18, Belo Horizonte tem 5, o Rio de Janeiro tem 16, por quê Curitiba precisa ter 13?

Difícil de entender e responder! Seria muito importante que os responsáveis pelo projeto dessem seus argumentos à sociedade, não apenas nas discussões, pois em momento algum se vê beneficio ao cidadão contribuinte.

Projetos de Lei deveriam ir no sentido da obrigatoriedade da informatização, da modernidade, da celeridade dos atos, estes sim, em beneficio da população curitibana.

Pois com esta mudança trará ao cidadão apenas despesa, milhares de proprietários terão seus imóveis mudados de circunscrição imobiliária, exigindo, como já mencionado, para qualquer ato relativo ao seu imóvel, transcrito ou matriculado posteriormente ao ano de 1968, uma nova distribuição (mais um custo), novas certidões (mais um custo), da mesma forma que para um credor para saber se o devedor tem propriedade não serão mais 9 certidões e sim 13 (mais custos), para não falar no aumento de trabalho, de caminhadas, de espera em balcão, de mau atendimento, de cara feia, de imposição.

Sem dúvida alguma os registros de imóveis representam a segurança dos proprietários, mas não será com aumento deles que se resolverá a questão crucial e necessária, que é a de melhoria de atendimento, esta continua de lado, marginalizada, restando a boa vontade de alguns registradores em demonstrar eficiência e discernimento de um bom servidor publico.

Se tudo isso analisado de forma simples já demonstra a desnecessidade, por quê novos cartórios? Por quê novas despesas? Por quê novo aumento de trabalho e custos ao cidadão? Por quê?
Por quê esta lei não foi debatida com a sociedade?

Por quê os principais interessados não foram ouvidos através das organizações de classe do setor imobiliário? Por quê ao invés de criar cartórios, não se trabalhou em mudanças técnico e administrativas que gerariam eficiência aos cartórios de registro de imóveis?

Por quê nosso Estado está na contramão da eficiência? Por quê?

Por quê não diminuir prazos, sempre sem alterar a segurança negocial?
De fato não se consegue entender a atitude tomada! A população de Curitiba gostaria de obter esta resposta de forma clara e especialmente entendível, sem rodeios.

A imprensa, legítima defensora dos direitos civis, deveria buscar estas respostas, para que se errado estiver o acima exposto, que seja esclarecido o procedimento, tirando os porquês que assombram dita lei.

Luiz Antônio Cossio – diretor do Membro Conselheiro Consultivo do Secovi-PR