Judiciário baiano: crise estrutural

O Correio da Bahia de 20 de agosto (Aqui Salvador, p. 2) alardeia a crise estrutural do Judiciário baiano. O presidente da OAB, secção da Bahia, Dr. Saul Quadros é enfático: “estamos à beira do colapso total”. Nos oferece um ligeiro diagnóstico: “o problema é de insuficiência financeira”.

Insuficiência financeira?

Parece se ter formado um entendimento plenário de que os problemas da crise estrutural do Judiciário brasileiro se resolveriam simplesmente com o aporte de mais e mais recursos. Não chega a ser surpreendente, nesta quadra, que os emolumentos se transformem em peça de cobiça da administração pública – de cujo bolo generoso se poderia fatiar suculentos nacos à guisa de sustentar o apetite voraz da administração judiciária. ###

Calha muito bem o exemplo da Bahia. Ali os emolumentos não são cindidos, nem servem às várias e insaciáveis bocas; eles são totalmente vertidos a um fundo do judiciário baiano que deveria dar conta de sustentar a burocracia. Mas pelo visto isso não basta.

Lembra-me o caso paradigmático da Argentina, não por acaso um sistema registral ainda em busca de eficiência e modernização.

No longinquo ano de 1880, por ocasião da federalização da cidade de Buenos Aires, criou-se um registro hipotecário à imagem e semelhança do paradigmático sistema registral espanhol. O Registro foi criado pela lei 1144, de 6 de dezembro de 1881, e posto sob a responsabilidade do diretor Roque Sáenz Peña.

O modelo que deveria ser seguido logo sofreu um duro golpe. A “oficialização” dos registros – nome que foi macaqueado por aqui na década de 80 – se deu “como uno de los medios de obtener fondos que sirvieron para la construcción del Palacio de Tribunales”, como dirá mais tarde García Coni (Registración inmobiliaria argentina. Buenos Aires: Depalma, 1983, p. 120).

Lamenta o renomado autor argentino a opção de seu país: “os bem-lembrados registros espanhóis e todos o sistema notarial de tipo latino demonstram de forma palmar a conveniência de que o Estado invista certos sujeitos (que não serão simples particulares) para a realização de tarefas relevantes no caminho da segurança jurídica. Tudo isso se alcança sem a criação de novos impostos e sem avultar o orçamento público e, desde logo, sob a responsabilidade in eligendo e in vigilando do Estado, que controla melhor aos demais que a si mesmo” (Op. cit. p. 121).

O mais dramático de tudo isso é que, uma vez caídos em mãos do Estado, os registros se tornam ineficientes – e mais uma vez o modelo baiano é emblemático – e os ofícios prediais se tornam rapidamente reféns de outros importantes interesses. No caso argentino, com o perdão de meus colegas portenhos, os registros foram capturados pelos notários. Dependentes dos serviços registrais, surgem idéias como reserva de prioridade, retroprioridade, financiamento dos registros etc.

O poderoso Colégio de Escrivães da Província de Buenos Aires, em decisão assemblear de 8 de maio de 1962, deliberou tomar a seu cargo a condução do Registro Imobiliário – modelo seguido pela Capital Federal e por várias outras províncias argentinas. O modelo “funciona como um verdadeiro fideicomisso”, nas palavras do mesmo García Coni, justificado a partir da “premisa de que o Estado não pode resolver tudo por si mesmo”…

No caso do Brasil, os emolumentos estão sendo sobretaxados para financiar ou custear serviços prestados pela administração pública. O nosso STF tem entendido – na contramão das tendências dos tribunais europeus – que tais sobretaxas são devidas (e portanto constitucionais) por representarem o exercício de poder de polícia na fiscalização dos serviços notariais e registrais. A tese não se sustenta – e o pôs de relevo o professor Sacha Calmon Navarro Coêlho e Igor Mauler Santiago, para quem a taxa de fiscalização judiciária, exigida dos notários e registradores em decorrência do poder de polícia, é simplesmente inconstitucional. (Para os estudiosos de direito tributário recomendo a leitura aqui).