Lula registra em cartório

O post abaixo poderia servir de mote à palestra Linguagem e realidade – implicações das atividades notariais e registrais na segurança jurídica da vida moderna, agendada para o próximo dia 18/9, no transcurso das Jornadas Institucionais da AnoregSP.

O tema foi pautado por direta inspiração do Dr. Paulo de Barros Carvalho, especialista em temas de semiologia jurídica, dentre outras tantas especialidades deste grande jurista brasileiro.

A mim coube a tarefa, bastante árdua por sinal, de modular a palestra originalmente concebida para a abertura do evento, confiada ao Dr. Paulo. Mas pobre de mim, mero amanuense, como me aventurar muito além das sandálias?

Confesso que o tema é estimulante. Embora, em meu pronunciamento, nas Jornadas anoreguísticas, vá passar ao largo dessa topografia acidentada, não posso deixar de reconhecer que o Prof. Paulo nos convida à reflexão. Sempre nos convida ao problema!

Vejam só: Lula confiará a descrição de suas realizações a um Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Para quê?  Para que os fatos de sua obra sejam (re)conhecidos pelo seu sucessor e pela sociedade, diz.

O que no fundo o nosso Presidente busca é a autenticação de sua fala. Mas almeja ainda outra coisa – esta muito mais importante: anela alcançar uma certa “realidade” – realidade dos registros – que se produz pelo fenômeno de transubstanciação dos fatos políticos e sociais em fatos e situações jurídicos.

Os Registros públicos são uma espécie de prefiguração, avant la lettre, de fenômenos que ocorrem hoje na Internet. Antes da Rede por antonomásia, o Registro se constituía como uma rede simbólica, organizada pelo Estado, atuando como um ente que reconhece outros entes, personalizando-os juridicamente. Para existir nesta rede simbólica, é necessário obter o sopro que anima e dá realidade jurídica à vida social, econômica, política das pessoas. Basta pensar no cidadão titular de um sub-registro – neologismo um tanto quanto esdrúxulo – que vagueia pela pólis sem um título, declaração oficial de sua existência. Um selvagem que vive à margem das muralhas simbólicas da cidade!

Pensemos no homem proscrito economicamente pelo protesto e pelos registros cadastrais que o “negativam”. O fulano deixa simplesmente de existir. Estar negativado nos bancos de dados equivale a dissolver-se na irrelevância da existência. O que importa é o que o sistema traduz como realidade; existir é apenas uma circunstância de fato lato sensu.

Os exemplos se multiplicam. “Quem não registra não é dono”. Como? Você entendeu bem. O fato de ser dono já não importa. O que é importa é a realidade registral.

Uma das coisas mais apavorantes, e que não se pode nominar, é o homem sem-registro. Ele não existe e no entanto ameaça a todos nós. Um homem sem nome e sem registro é um risco que abala os alicerces de nossa sociedade de homens regularmente inscritos. Quod non est in tabula non est in mundo! Como se fora o capítulo extravagante de um livro que não se pode ler.

Temos que consentir: o homem em sua bruta existência real e concreta não existe. O estranho na rua é apenas um nome que não se conhece.

Enfim, sem linguagem nada resta senão pura epifania!

Lula sabe que ele próprio não existe sem a mediação simbólica que os ritos sociais e de poder impõem. Sabe que precisa conferir “realidade” a sua fala. Os Registros Públicos apavoram justamente porque dão sentido e emprestam realidade a outras realidades. Os efeitos homologatórios dos processos jurídicos criam novas realidades, que criam novas realidades.

Escatologia ao cair da tarde: No final dos tempos seremos julgados a partir da inscrição lavrada num grande Livro de Registro. O Livro da Vida!

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