No início era o verbo…

No princípio era o verbo. E o verbo se transformou, ao longo dos séculos, na grossa verba tabelioa, um largo caminho textual que nos reporta e dá fé da formação da própria língua

A escrita proto-portuguesa se desvela assim, lentamente, acrisolada pelo apuro técnico dos tabeliães medievais. “Gíria de tabelliães e da gente de egreja”; “giria de tabelliães ignorantes”, bradará Adolfo Coelho… Ou ainda , “huma Orthografia barbarissima e incerta”, como anotou João Pedro Ribeiro, no século XVIII. “Hum Latim, com resabio da Lingua vulgar”. Nulla scribenti lex, nec norma, nec ratio erat, na célebre frase de Alexandre Herculano.

Admirável rusticidade! Preciosa representação escrita de um registo formal de português avoengo.

Sabemos agora, pelo testemunho de Roger Wright, ou de António Emiliano, que o português rústico, bárbaro, medieval, o português-tabelião, é um precioso romance lusitano.

Nossa pátria, nossa língua!

Nuñez Lagos dirá que no princípio foi o documento. O documento criou o notário – embora hoje o notário crie o documento. A linguagem cria seus objetos: Criou o copista, recriou o tabelião. A linguagem iluminou o registrador no século XIX, com uma nominata emprestada à verba tabelioa. “Tabelião especial encarregado do registro”, como o qualificará o decreto 482, de 14.11.1846.

A cristalização de uma coisa (um fato, um ato com transcendência jurídica) numa outra coisa  (o documento) não se faz sem certas reduções simbólicas. O que o notário percebe de visu et auditu, suis sensibus, ou o que consagra em suas notas como expressão de declaração de vontade, de manifestação de consentimento, de perfazimento de acordos, de celebração de um negotium, ocasiona uma redução dos atos e fatos, conferindo-lhes foro para povoar esse estranho mundo do Direito.

Voltamos à idéia de que há certas realidades que criam outras realidades…

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