A questão da justa remuneração dos notários e registradores – profissionais da fé pública que exercem sua atividade por delegação do Estado – experimenta um novo capítulo.
Acionado pela AGU – Advocacia Geral da União, por ter exigido, conforme faculta a lei, depósito prévio para a prática de atos de ofício, obriguei-me a contestar a ação e, à própria expensa, defender-me em demanda movida pelo Estado.
A situação é paradoxal e mostra nitidamente o quão difícil é o mister registral. Obrigado a cobrar os emolumentos em virtude de dezenas de decisões às quais se empresta um caráter normativo, a AGU, ao invés de acionar o Estado diretamente, volta seus preciosos recursos contra o registrador, que se deve defender sem as facilidades e conforto de uma advocacia remunerada pelas tetas do Estado.
O assunto é controverso e merece toda a nossa atenção.
Abaixo publico R. decisão que deu efeito suspensivo ao agravo, com bons fundamentos.
Para quem se interessar sobre a matéria, aqui vai o histórico do processo.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0011307-43.2011.4.03.000/SP – 2011.03.00.011307-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
AGRAVANTE: SÉRGIO JACOMINO
ADVOGADO: CINTIA RENATA DE ANDRADE LIMA E outro
AGRAVADO: União Federal
ADVOGADO: GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
PARTE RE: Estado de São Paulo
ORIGEM: JUÍZO FEDERAL DA 12 VARA SÃO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG.: 00052244420114036100 12 Vr SÃO PAULO/SP
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Sérgio Jacomino contra a decisão de fls. 67/70, que deferiu antecipação de tutela requerida pela União, para determinar ao recorrente que se abstenha de exigir o pagamento de emolumentos ou taxas ao proceder à transcrição nas matrículas dos imóveis descritos na petição inicial dos autos originários.
Alega-se, em síntese, o seguinte:
a) A União ajuizou ação cominatória em face do agravante (titular do 5º CRI de São Paulo) e do Estado de São Paulo, na qual afirma que adquiriu, por meio de contrato de dação em pagamento celebrado com a Caixa Econômica Federal, 2 (dois) imóveis registrados no 5º CRI de São Paulo;
b) A União sustenta que seria isenta do pagamento de emolumentos para o registro e a transferência da propriedade dos imóveis (Decreto-lei n. 1.537/77);
c) Há via legal própria para a superação da controvérsia, dado que o art. 30 da Lei n. 11.331/02 dispõe sobre a reclamação, por petição, ao juiz Corregedor Permanente;
d) Ausência dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil;
e) O registro determinado pelo MM. Juízo a quo é ato irreversível, conforme se depreende do art. 250 da Lei n. 6.015/73;
f) O Decreto-lei n. 70/66, visto ser norma federal, não poderia conceder isenção de taxa estadual (emolumentos dos serviços extrajudiciais pertencentes aos Estados), o que indica que não foi recepcionado pela Constituição da República, que no art. 151, III, veda a instituição de isenção heterônoma;
g) Inaplicabilidade do art. 24-A da Lei n. 9028/95, pois não se trata de taxa ou custa judiciária;
h) O art. 236 § 2°, e o art. 22, XXV, ambos da Constituição da República, não podem ser interpretados no sentido de permitir à União a isenção de tributos dos Estados;
i) Elenca precedentes jurisprudenciais (fls. 2/14).
Decido.
Emolumentos. Fazenda Pública. Exigibilidade. Sustenta-se que a Fazenda Pública estaria isenta de emolumentos devidos em favor dos serviços notariais e de registros, nos termos dos arts. 1° e 2° do Decreto-lei n. 1.537, de 13.04.77:
Art. 1º – É isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, com relação às transcrições, inscrições, averbações e fornecimento de certidões relativas a quaisquer imóveis de sua propriedade ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adquiridos.
Art. 2º – É isenta a União, igualmente, do pagamento de custas e emolumentos quanto às transcrições, averbações e fornecimento de certidões pelos Ofícios e Cartórios de Registros de Títulos e Documentos, bem como quanto ao fornecimento de certidões de escrituras pelos Cartórios de Notas.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça interpreta a isenção restritivamente, não a estendendo a terceiros que prestam serviços desvinculados da atividade estatal:
PROCESSUAL CIVIL – CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS – FAZENDA PÚBLICA: ISENÇÃO (ARTS. 38 DA LEF, 27 E 1.212, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC).
- Custas são o preço decorrente da prestação da atividade jurisdicional, desenvolvida pelo Estado-juiz através de suas serventias e cartórios.
- Emolumentos são o preço dos serviços prestados pelos serventuários de cartório ou serventias não oficializados, remunerados pelo valor dos serviços desenvolvidos e não pelos cofres públicos.
- Despesas, em sentido estrito, são a remuneração de terceiros pessoas acionadas pelo aparelho jurisprudencial, no desenvolvimento da atividade do Estado-juiz.
- Os terceiros que prestam serviços desvinculados da atividade estatal não estão submetidos ás regras isencionais.
- Os peritos, os transportadores dos oficiais de justiça e as empresas de correios devem ser remunerados de imediato pelo autor ou interessado no desenvolvimento do processo.
- Recurso especial improvido.
(STJ, REsp n. 366005, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 17.12.02)
Com efeito, os serviços notariais e de registro têm natureza privada, consoante estabelece o art. 236 da Constituição da República:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
Sendo a isenção modalidade de exclusão de crédito tributário (CTN, art. 175, I), segue-se que ela não tem a propriedade de excluir o crédito de índole privada devido em razão dos serviços notariais.
Do caso dos autos. Insurge-se o agravante contra a decisão de fls. 67/70, que deferiu antecipação de tutela para determinar-lhe que se abstenha de exigir o pagamento de emolumentos ou taxas ao proceder à transcrição nas matrículas dos imóveis indicados pela União na petição inicial dos autos originários.
Conforme acima explicitado, o Superior Tribunal de Justiça interpreta restritivamente a isenção concedida à União, não a estendendo a terceiros que prestam serviços desvinculados da atividade estatal.
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de efeito suspensivo.
Comunique-se a decisão ao MM. Juízo a quo.
Intime-se a agravante para resposta.
Publique-se.Intimem-se.
São Paulo, 10 de maio de 2011
Caro Dr. Sérgio, boa noite. Sou registrador imobiliário na comarca de Estância, Estado de Sergipe e recentemente sofri o mesmo constrangimento. De fato, fui notificado a prestar informações em MS impetrado pela União que pretendia o registro de carta de ajdudicação oriunda de execução fiscal. O juízo negou a segurança com fundamento na proibição da isenção heterônoma. De qualquer forma, é recorrente a pressão exercida pela AGU e PFN para a prática de atos gratuitos, inclusive nos qualificando como obstáculos ao interesse público. Abraços e obrigado pelo espaço democrático.