
O Velho Ermitânio Prado anda enfermiço. É uma doença miúda, vil, traiçoeira, enliçada com o venerável Cronos.
Ontem pude constatar o quanto se acha aplastado, esmagado pelos recentes acontecimentos.
Pouco antes de sair do apartamento, ouvi-o naquela parolagem infinda de criança febril. Dou-lhe voz e não lhe quito o sentido. O Leão fala aos ventos e sopra segredos ao pé d´ouvido. Diz do velho lúbrico:
– Vós me veniredes a la mano, a la mano me veniredes! À barca, à barca, senhores! Veniredes a la mano! – clama o escriba que falseia a pena e adultera a flâmula, tudo em troca de boa fama, mesa e cama.
Valhacaz e falaz
O escriba folga em ser louvado,
retorna com garbo, vaidoso, inebriado.
Toma a guia da nau funesta,
afanoso na perene gesta.
“Fiai-vos em nós, somos alçada voz,
aprumai-vos! defronte o mar atroz.
Publica Fides, jamais nos abandone,
enfune-se a vela ao sopro de Bóreas”.
Oh blandícia, pura delícia!
Encanta o tolo com rés malícia.
Seduza-o com o virgo postiço e unguento,
tenhamos o poder sempre teso e pronto.
“Trazei-me o desejável frumento
e eu lhes direi o bom Direito!
Trazei-mo, com urgência, o emolumento,
que é de grande aflição o vosso pleito”.
Barca de tristura e infinda amargura,
à porta avultam mesura e servil doçura,
acolhei a pobres, coitados, condenados,
já sem garbo, glórias, e de memória faltos.
Dai-lhes, Saturno, o unguento e o quebranto
e ainda de sustento e alento o tal frumento!
Epílogo.
Morre o idiota de merdeira, de estupidez e de cegueira.
Ao Dono do alto, fundos e beira,
o onzeneiro velhacaz brada a pleno:
“Rey Mundo, quero aí tornar buscar o meu rico dinheiro!”.