O big bang registral

Neste tópico, enfrentamos a proposta de implementação imediata do SREI – Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis.

O texto grafado em azul refere-se à proposta original; em vermelho a sugestão da CPRI – Comissão do Pensamento Registral Imobiliário do IRIB e o verde, as propostas sugeridas por mim.

Antes, vejamos como a lei vige:

Art. 1º Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei. 

§ 3º Os registros poderão ser escriturados, publicitados e conservados em meio eletrônico, obedecidos os padrões tecnológicos estabelecidos em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019).

PROPOSTA: § 3º Os atos deverão ser escriturados, publicitados e conservados em meio eletrônico, o qual substitui os livros físicos.

JUSTIFICATIVA: Adaptação da lei ao Registro Eletrônico de Imóveis, para substituição dos livros físicos pelos eletrônicos.

CPRI: Suprimir. A modificação proposta criaria uma situação incompatível com o atual estágio do desenvolvimento dos Registros Públicos, ao exigir de todas as serventias do país que imediatamente iniciem a prática de atos registrais em meio eletrônico, especialmente tendo em consideração que não existem atualmente padrões tecnológicos adequados para preservação de documentos eletrônicos a longo prazo.

Análise da proposta

Sou da opinião de que a proposta original e a da CPRI devem ser descartadas. Tomo a liberdade de sugerir a seguinte redação:

§ 3º Os atos deverão ser escriturados, publicitados e conservados em meio eletrônico, de acordo com padrões e cronograma estabelecidos em regulamento da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça.

O objetivo que se almeja com a alteração por nós proposta é explicitar que o Poder Judiciário, por seus órgãos reguladores – no caso a Corregedoria-Nacional de Justiça do CNJ – deverá estabelecer padrões uniformes para todo o sistema registral brasileiro (o que não há) e baixar um cronograma realista para transformação progressiva e sem sobressaltos do sistema registral como um todo.

A advertência da CPRI é pertinente e inteiramente procedente. O problema não decorre tão somente da inexistência de “padrões tecnológicos adequados para preservação de documentos eletrônicos a longo prazo”, como registra.

A proposta é contraproducente pela simples razão de que nenhum cartório de registro público do país opera internamente com meios e plataformas eletrônicos uniformes, à míngua de padronização e regulamentação a cargo do Poder Judiciário.

CNJ – Coordenação de Serviços Notariais e de Registro

Um passo muito importante foi dado em agosto passado com a criação da Coordenação de Serviços Notariais e de Registro, ligada à Corregedoria-Nacional de Justiça (Portaria 131, de 26/8/2020, que dispõe sobre a Estrutura Orgânica do CNJ) [KOLL-mirror].

Estimamos que este será ponto de partida para a regulação sistemática e uniforme do sistema de registro público de todo o país. Os órgãos da fé pública (serviços notariais e de registro) integram o Poder Judiciário. Trata-se de uma atividade tipicamente judiciária e nada mais lógico e natural que seja por ele regulamentada. Acerca da competência legal e constitucional do Poder Judiciário para regulamentar os órgãos dos serviços registrais vide comentários ao [Art. 1º, § 5º, da LRP] e [Art. 1º, § 7º, da LRP] – ONR é o agente regulador? 

É relevante, igualmente, observar o que se discute, há muito tempo, no âmbito internacional a respeito da modernização dos serviços registrais europeus.

Big bang registral

A proposta apresentada aponta para um fenômeno bem estudado e que ficou conhecido como big bang registral, em que se decreta o fim de um modelo paradigmático (inscrição tradicional) e se inaugura ex novo um outro, inteiramente eletrônico.

No âmbito das discussões do CNJ-SREI, estudamos detidamente os impactos de adoção de um modelo big bang no país e chegamos à conclusão de que o processo deveria ser gradualista. A própria norma o indica no art. 39 da Lei 11.977/2009.

Na doutrina alienígena, vale a pena ler o pequeno artigo de NICOLÁS NOGUEROLES — ¿Reforma Big Bang o Reforma Gradual? – Inglaterra y Alemania: dos Reformas Recientes. [Acesso: https://folivm.files.wordpress.com/2011/04/dos-maneras-de-reformar-ref-big-bang-2.pdf].

À míngua de uma regulação uniforme, que infelizmente tardou, para enfrentar esse desafio é que houve a criação do ONR por lei, com a instituição da Corregedoria Nacional de Justiça como agente regulador do SREI (Lei 13.465/2017).

Por fim, como se verifica do artigo 12 da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei Federal 13.874/2019) promoveu-se uma recentíssima alteração legislativa no § 3º do art. 1º da LRP e não é recomendável que se altera o dispositivo num interregno tão exíguo.

As centrais vão parar?

Não se paralisará o que já vem sendo feito por intermédio de centrais eletrônicas de serviços compartilhados.

No caso do Registro de Imóveis, o funcionamento dos ramais de serviços compartilhados, hoje devidamente regulados pelo Provimento CNJ 89/2019, seguem prestando serviços e não se cogita de sua paralização – tanto assim que o dito provimento manteve as centrais vinculadas por ora ao ONR.

O que se busca é promover o desenvolvimento das rotinas internas e externas (SAEC e SC do SREI) harmonicamente já que, efetivamente, não há propriamente um sistema de registro eletrônico no país.

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