Uma estrela brilha – Glaci Maria Costi

Glaci Maria Costi
Glaci Maria Costi

Conheci a registradora Glaci Maria Costi pessoalmente no ano de 2000, embora soubesse de sua trajetória profissional e intelectual pelo testemunho de nossos maiores.

Aquele ano foi um ano pleno de transformações e mudanças profissionais – falo dos registradores paulistanos, que entre os meses de março e abril assumiam suas nova funções em decorrência da aprovação no concurso público para delegação dos registros prediais da Capital. Quanto a mim, retornava para a querida Paulicéia Desvairada, encontrando-a ainda mais alucinada e caótica, se é que possível, depois de um interregno de quase dez anos de andanças e perambulações pelo interior paulista. Trazia na mudança (ou era a mudança que me trazia?) a sensação de perfeita completude de um ciclo cumprido e o coração tranqüilo par encarar o futuro.

O ano de 2000 prometia. Programado para ocorrer entre os dias 17 e 19 de novembro, a AnoregBR programava um grande encontro de notários e registradores na cidade do Rio de Janeiro, evento que foi chamado, inadequadamente do meu ponto de vista, de I Congresso Brasileiro de Direito Notarial e de Registro. Na verdade seria o segundo, se considerarmos o excelente simpósio nacional realizado entre os dias 11 e 13 de setembro do ano de 1996, justamente na cidade de São Paulo, sob a batuta competente do registrador paulistano Bernardo Oswaldo Francez, com a coordenação científica do jurista Ricardo Dip. Aliás, esse primeiro congresso nacional da categoria, que atingiu a impressionante marca de mais de 600 participantes, reservou-nos um testemunho de excepcional valor: um livro editado pela jornalista Fátima Rodrigo e pelo presidente Bernardo Francez, com contribuições do próprio Ricardo Dip, Benedito Silvério Ribeiro, Hélio Lobo Jr., João Carlos G. Xavier de Aquino, Kioitsi Chicuta, Narciso Orlandi Neto, Vicente de Abreu Amadei e deste escriba. Livro esse que está esgotado e bem merecia uma reedição.

Pois bem. Na pauta da recidiva congressual do Rio de Janeiro, despontava a nossa estrela fulgurante, a notável registradora gaúcha, titular da 1ª Zona do Registro de Imóveis da Comarca de Porto Alegre, RS, sócia fundadora do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB.

Desnecessário dizer que participei com muito gosto dos trabalhos. Apoiando o Presidente Lincoln Bueno Alves, fomos ao Rio de Janeiro e fizemos uma reportagem que pretendeu carrear aos colegas que não puderam comparecer na Cidade Maravilhosa o conteúdo das palestras, já que, lamentavelmente, pouca coisa remanesceu daquele importante evento, salvo os registros fidedignos do Irib. A reportagem foi parar nas páginas do Boletim do Irib.

Acabei conhecendo a Dra. Glaci naquela oportunidade. Conversamos longamente no lobby do hotel, quando ao final me contemplou carinhosamente com os originais do trabalho que acabara de apresentar no congresso e que com muito gosto e respeito publico logo a seguir.

O texto é uma pálida idéia de sua figuração pública. Notável oradora, magnetizou a platéia com um discurso que superava o texto preparado com esmero. Atingiu-nos em pleno, a todos, seus deliciados ouvintes e admiradores.

O registro imobiliário perdeu uma grande representante em janeiro de 2001. Estrela magna, continua irradiando sua luz para além de seu tempo. (Sérgio Jacomino)

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Cartórios só existem no Brasil e Portugal?

Vamos explodir os cartórios?
Sérgio Jacomino¹

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“Para resolver isto, só se fosse possível explodir os cartórios de registro de imóveis, verdadeiras fábricas de papéis há mais de 300 anos, que só existem no Brasil e Portugal: legalizar propriedades é uma guerra burocrática e judiciária, dai a atual confusão”. (Ermínia Maricato in Jornal de Brasília (30/3/2003), nota de Cláudio Humberto. Acesso aqui – mirror)

A informação supra foi publicada no Jornal de Brasília (30/3), em nota de Cláudio Humberto, que atribuiu a frase à Dra. Ermínia Maricato.

É preciso compreender perfeitamente o contexto em que a frase pode ter sido proferida. Os registradores conhecem a trajetória da Ministra-adjunta pelo incansável trabalho e pelas palestras proferidas em eventos realizados inclusive pelo próprio Irib e o Ministério Público de São Paulo (cfr. Boletim do Irib 293, de outubro de 2001). Todos sabem de seu empenho pessoal em resolver o grave problema habitacional e urbanístico brasileiro. Mas é preciso centrar o foco e identificar claramente os problemas.

A regularização fundiária é possível?

Em recente artigo publicado pela Revista de Direito Imobiliário (Irib/RT – 52/26), a professora paulista relata a impressionante cifra de propriedades ilegais (favelas, mocambos, ocupações de área públicas, loteamentos irregulares etc.) o que chegaria a abranger 50% de todos os habitantes de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Parafraseando Bertold Brecht, pela via de Roberto Schwarz, diz que em face da legislação urbanística (e porque não registral?) estaríamos diante de uma “situação na qual a regra se torna mais exceção do que regra e a exceção mais regra do que exceção”.

Diz a Professora que a “regularização de assentamentos ilegais vem enfrentando mais problemas do que a própria urbanização. Enquanto a urbanização de favelas constitui uma experiência generalizada em todas as grandes cidades do Brasil, a localização de iniciativas de regularizações bem-sucedidas exige cuidadoso trabalho de busca” (id. ib). Faz referência aos obstáculos que travam o processo de regularização fundiária pela fragmentação de instituições que participam do processo de regularização: vários setores da prefeitura, Ministério Público, Cartórios de Registro de Imóveis e Judiciário. A Professora Maricato cita a participação de Rosana Denaldi no seminário Gestão da terra urbana e habitação de interesse social, em que os entraves burocráticos para a regularização fundiária foram enunciados.

Na parte que nos toca, ao contrário do afirmado no artigo da Profa. Maricato, temos a apresentar um extenso rol de contribuições técnicas para a regularização de parcelamentos ilegais do solo. Basta compulsar o Boletim do Irib em Revista, na sua edição de outubro, inteiramente dedicada à questão da regularização. E mais: a Presidência do Irib participou ativamente do workshop Regularização fundiária, promovido pela Prefeitura Municipal de São Paulo, pelo Habitasampa, em parceira com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, em que discutiu e apresentou propostas concretas para superação dos entraves que inviabilizam, pela burocracia ou custos excessivos, os projetos públicos de regularização. (O relatório final foi publicado e será divulgado nestas páginas nos próximos dias. Aos interessados poderemos enviar cópia reprográfica). Ainda em decorrência desse importante trabalho, a Primeira Vara de Registros Públicos de SP baixou a Ordem de Serviço 1/2003 (mirror: OS 1-2003 – 1VRPSP) que traz importantes mecanismos para viabilizar a regularização fundiária.

Burocracia e explosão de cartórios

Os problemas apontados pela competente pesquisadora e brilhante professora Ermínia Maricato são na verdade a ponta de um iceberg. A primeira parte de sua manifestação está evidentemente fora de contexto, e deve ser relevada em virtude de um círculo vicioso de desinformação e pelo possível ruído na tradução do que seria efetivamente a fala da Sra. Ministra-adjunta. Mas a parte final de sua manifestação dá os contornos precisos do objeto de sua queixa: legalizar propriedades é uma guerra burocrática e judiciária.

Percebe-se uma nítida confusão entre o que seriam atribuições próprias dos cartórios de registro de imóveis e de outras instituições no tocante à legalização das propriedades. Não tem sentido explodir cartórios por razões alheias à sua atribuição específica. A burocratização apontada certamente não é decorrência da atividade do registro de imóveis. Vamos ver rapidamente o porquê.

Para se ter uma idéia da reiterada confusão, em evento realizado em 21/6 do ano passado, a convite dos organizadores (Ministério Público), estivemos presentes na Câmara Municipal de Guarulhos (SP) para debater com autoridades e convidados o problema da regularização fundiária. Coube-nos a defesa da instituição em virtude de ataques virulentos desferidos por urbanistas e técnicos da administração pública devotados inteiramente à regularização de parcelamentos ilegais. Os técnicos identificam, de maneira exclusiva, nos cartórios, os mais sérios obstáculos para a regularização pretendida. À parte a confusão que se instaura na identificação dos direitos envolvidos, cuja expressão legal e jurídica encontra no registro imobiliário a mais efetiva cidadela, os técnicos se frustram quando, encerrada a complexa cadeia de atividades de regularização, o processo culmina com a negativa de seu acesso ao registro público em virtude de obstáculos que eram, desde o princípio, ignorados pelos envolvidos no processo. São problemas de domínio, especialização das parcelas afetadas, conflitos potenciais com confinantes, falta de providências de regularização da área objeto de assentamento, problemas de ordem ambiental, aprovação de órgãos estaduais, etc., etc.

Acenando para uma possível falta de perspectiva e planejamento no complexo processo de regularização, colocávamos o Instituto à disposição dos técnicos, procuradores, urbanistas e funcionários da administração para dar sua contribuição desde os primórdios do processo a fim de que os obstáculos pudessem ser de antemão conhecidos e desde logo resolvidos, desimpedindo o caminho da regularização. Além disso, há muitos atalhos para a regularização, e o Instituto coleciona importantes exemplos que devem ser conhecidos para que se aplainem os duros caminhos até a sua consumação.

Além disso, pudemos demonstrar que os problemas apresentados localizavam-se em instâncias preliminares e alheias ao registro imobiliário – nomeadamente nos procedimentos de regularização de parcelamentos que têm curso judicial. Em sede de jurisdição voluntária, as regularizações experimentam problemas que estão afastados da órbita da atribuição estrita dos registradores. A falta de expressa previsão normativa, fez vicejar, em todo o país, uma prática judiciária que não guarda coerência e harmonia entre os vários operadores jurídicos, de forma a tornar a regularização um caminho seguro, rápido, econômico e livre de riscos e imprevistos.

O Irib tem se manifestado no sentido de se alcançar um afrouxamento nos anéis burocráticos que cercam as regularizações, dando curso a iniciativas da administração pública para regularizar extensas áreas que, já urbanizadas, não logram atingir, contudo, sua plena expressão jurídica com a regularização dos lotes e a consagração dos direitos (domínio ou uso, principalmente).

Nesse sentido, o Instituto tem realizado cursos, palestras, encontros, reunindo especialistas e operadores que vão enfrentar, no dia a dia de suas atividades, o mosaico de problemas variados que a regularização apresenta. O Irib é uma instituição que está inteiramente capacitada para oferecer o resultado de décadas de experiências e de contribuições positivas para a solução dos graves problemas que têm mobilizado a administração pública.

A guerra de informação

Mas a desinformação precisa ser vencida a todo custo. A indignação da Sra. Secretária Executiva e Ministra Adjunta de certa forma é procedente e deve merecer a nossa atenção. Em primeiro lugar, para que se dê uma perfeita identificação dos problemas. Conhecer o problema é avançar na sua solução. Seguramente não será com a explosão de cartórios que se conseguirá, justamente, a regularização tão desejada.

Os cartórios existem praticamente em todo o mundo e prestam relevantes serviços à sociedade. A falta de informação milita contra os planos da administração pública federal em atingir a regularização fundiária e a conferência de títulos de domínio à população carente. Corremos o risco de explodir cartórios para logo em seguida criarmos instituições que, à falta de um nome próprio, de boa fonte latina, num perfeito nominalismo, poderiam ser chamados por qualquer nome, mas seriam, no fundo e em essência, verdadeiros cartórios.

Enfim, somente com a segurança que o registro provê, com a fortaleza de um título de domínio registrado, que afinal se alcançará o que a professora almeja: esse é o modo pelo qual os moradores, perante os olhos da sociedade, serão efetivamente considerados cidadãos.

* O texto abaixo foi originalmente publicado no Boletim Eletrônico do IRIB de 1/4/2003

A impenhorabilidade do direito real de usufruto

Sérgio Jacomino*
 
O tema agitado pelo Dr. Ademar Fioranelli, mestre de todos nós, me fez buscar alguns apontamentos para enquadrar melhor o tema da impenhorabilidade do direito real de usufruto, experimentando exegese dos artigos 1.393 do NCC, em conexão com o 649, I, do CPC.
 
O Dr. Ademar Fioranelli acenou para a impossibilidade de registro de penhora de direito real de usufruto, embora consentisse com a penhora sobre o exercício do usufruto, caso contivesse expressão econômica.
 
O artigo 649, I, do CPC elenca como expressamente impenhorável o bem inalienável. Consabido que o usufruto é inalienável e que da inalienabilidade resulta a impenhorabilidade, logo o direito real de usufruto é impenhorável. Sendo, portanto, absolutamente impenhorável o direito real de usufruto, o registro que se fizesse da penhora seria irremediavelmente contaminado com a nulidade do ato.
 
Conforme procurou demonstrar o registrador paulistano, o usufruto só se pode transferir, por alienação, ao proprietário da coisa. Admitido que fosse o registro da penhora do usufruto, a completar-se o iter lógico da execução, tal direito seria levado a praça e eventualmente arrematado, concretizando, assim, o sucedimento subjetivo que a lei expressamente veda.
 
A razão de ser impenhorável o usufruto é simples: sendo um direito com caráter personalíssimo – uma servidão pessoal como o qualifica Clóvis Beviláqua – é contrário à sua essência torná-lo alienável. (Comentário ao Código Civil, nota ao art. 717 do antigo código). Logicamente se pode concluir que o sistema experimenta uma exceção que sanciona a alienação do usufruto: ao próprio dominus poderá ser alienado o direito real de usufruto, consolidando assim as faculdades que compõem o feixe dominial.
 
Visto que o usufruto não pode ser alienado, salvo ao proprietário, indaga-se: poderá ser penhorado o direito do usufruto? Responde Carvalho Santos: “o direito de usufruto não pode ser objeto de penhora, como conseqüência da sua inalienabilidade. O exercício desse direito, porém, pode ser penhorado, consoante doutrina geralmente admitida e sancionada por pacífica jurisprudência”. (Código Civil Brasileiro interpretado, 16a ed. Vol. IX, São Paulo : Freitas Bastos, p. 368).
 
E prossegue o festejado civilista:
“sobre essa questão tivemos ocasião de escrever, em arrazoado, o seguinte: ´toda a questão, que tanto tem sido protelada em seu julgamento pelos inesgotáveis recursos de uma desenfreada chicana, se resume nisto: poderá ser penhorado o exercício do direito de usufruto?’ Para chegar à conclusão a que chegou, precisou o nobre ex adverso esquecer que direito de usufruto é uma coisa e exercício desse é coisa diversa. É o próprio Clóvis, a cuja autoridade se pretendem amparar os embargantes, mas, contraproducentemente, quem nos ensina que o usufruto é inalienável, acrescentando em seguida que o exercício desse direito, porém, pode ser transferido (Cód. Civ. Com., ob. ao art. 717) . A razão é óbvia. O usufrutuário pode vender ou ceder o seu direito, mas essa cessão ou aquela venda dizem respeito, antes aos rendimentos que pode produzir do que ao próprio direito; porque sendo este ligado à pessoa do usufrutuário não pode ser cedido. Ele subsiste, pois, na pessoa do usufrutuário, não obstante a alienação, e se se trata de cessão por tempo determinado o mesmo se verifica, voltando o usufrutuário a perceber também os rendimentos, logo que seja vencido o prazo do contrato (Cfr. POTHIER, Traité du contract de vente, § 549).  É fácil explicar tudo isso, que, à primeira vista, pode parecer mera sutileza, obscura e confusa como quase todas elas. O direito de usufruto é ligado à pessoa do usufrutuário como um desmembramento do domínio que é na realidade, não podendo ser transferido justamente porque essa transferência redundaria em violação do contrato ou ato, do qual resultado aquele desmembramento. E se o nu proprietário tem direito a adquirir o domínio pleno, logo que faleça o usufrutuário, se fosse possível a transferência do direito de usufruto, ele correria o risco de nunca mais adquirir a plena propriedade bastando para tanto que o usufrutuário, ao pressentir a morte, transferisse seu direito a outro mais moço, e com mais vida, e assim por diante. Com a transferência do simples exercício do direito de usufruto o mesmo já não acontece. Porque em nada prejudicado fica o direito no nu proprietário, o qual adquirirá o domínio pleno da coisa usufruída no devido tempo, sem prejuízo de um só dia. É que, transferido o exercício do usufruto, o direito a tal exercício terminará e terá fim justamente com o direito de usufruto, do qual deriva. O que importa dizer: falecido o usufrutuário e chegando a ocasião do nu-proprietário adquirir o domínio pleno da coisa, ele o adquirirá, porque o direito ao exercício do usufruto, terminando com este, não constituirá um obstáculo àquela aquisição. Ainda mais: o usufrutuário não goza dos frutos e rendimentos da coisa que os produz. Quanto aos frutos e rendimentos, o usufrutuário adquire a sua propriedade, porque eles, de fato e de direito, lhe pertencem. Vale dizer: o usufrutuário tem direito a se servir da coisa e adquirir seus frutos. Ou ainda, em termos mais claros: uma coisa é o usufruto e coisa diversa são os frutos e rendimentos, tanto assim que os bens continuam na propriedade do titular desse direito, ou seja o nu-proprietário, não se transferindo para o usufrutuário, enquanto que os frutos e rendimentos são de propriedade exclusiva deste. Ora, se assim é, manda a lógica que se conclua que esses frutos e rendimentos, que constituem precisamente o exercício do direito de usufruto, como pertencentes à propriedade do usufrutuário, possam ser cedidos, e, pois, penhorados. Não há na doutrina divergência sobre este ponto. Todos ensinam que a penhora não recai no usufruto, mas no exercício do direito real da fruição – nunca como desmembramento do domínio. Cfr. Lafayette, ob. cit., § 101; Pereira e Sousa, Primeiras Linhas, nota 742; Carvalho de Mendonça, ob. cit., n. 151; Dídimo da Veiga, ob. cit., n. 575). Dídimo da Veiga é categórico ao doutrinar: ‘Os terceiros, tendo a faculdade de acionar o usufrutuário, para a liquidação de direitos creditórios contra o mesmo, podem penhorar todos os frutos que se compreendem na fruição a que tem direito o usufrutuário, isto é, todas as utilidades, vantagens, proventos e produtos da coisa usufruída’. (Ob. e loc. cit.). No Direito Estrangeiro prevalece a mesma regra: como direito real o usufruto não é penhorável; em seu exercício, porém, pode assentar a penhora, como se vê da lição de Aubry Et Rau, Pacifici-Mazzoni, Curti Forrer Dernburg e outros”. (Idem, ibidem).
 
Mais recentemente Washington de Barros Monteiro registrou com costumeira precisão que da inalienabilidade do direito real de usufruto resulta a sua impenhorabilidade. E remata o raciocínio:
“o direito não pode, portanto, ser penhorado em ação executiva movida contra o usufrutuário: apenas seu exercício pode ser objeto de penhora, desde que tenha expressão econômica. A penhora deverá recair, destarte, não sobre o direito propriamente dito, mas sobre a faculdade de perceber as vantagens e frutos da coisa, sobre a sua utilidade em suma”. (Curso,  34a. Ed. São Paulo : Saraiva, 1998, p. 290).
 
O exercício do usufruto é penhorável? Se positivo, seria registrável?
 
Já se viu que a alienação do direito do usufrutuário está vedada, mas não a cessão de seu exercício.
 
Sendo possível a cessão graciosa ou onerosa do exercício do direito real de usufruto, seria possível a sua penhora? E em caso positivo, seria tal ato registrável?
 
É preciso responder por partes. Em primeiro lugar, com Maria Helena Diniz e Washington de Barros Monteiro, para quem parece indiscutível que o exercício do usufruto poderá ser objeto de penhora, “desde que tenha expressão econômica, recaindo, então, a penhora, não sobre o mencionado direito, mas sobre a percepção dos frutos e utilidades do bem” (Curso, 4 Vol. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 350).
 
Mas vai além a professora da Católica de São Paulo, admitindo o registro da cessão do exercício do usufruto, para valer perante terceiros: “a alienação do direito do usufrutuário está vedada, porém permitida é a cessão de seu exercício, a título gratuito ou oneroso (CC, art. 717, in fine; RT 412:208), que para valer perante terceiro, deve estar documentalmente registrada (RT 520:212)”.
 
Assim dito, parece se antever a possibilidade de que esta cessão do exercício do usufruto ingressaria no registro predial e, via de conseqüência, qualquer constrição judicial, que contra ela se agitasse, igualmente mereceria o acesso na tábua registral.
 
Mas a idéia sintética da Professora Maria Helena Diniz deve ser melhor explorada com a leitura atenta do acórdão no qual se apóia para expressar tal formulação. O acórdão acha-se publicado na RT 412:208 (e não como indicou) e trata de embargos infringentes em que embargantes, os nu-proprietários, alegam que se acham também no exercício do direito de usufruto, em decorrência de cessão tácita do exercício outorgado pelos usufrutuários, seus pais. Sublinha o V. acórdão que “de situações duvidosas como estas, que poderiam sugerir, genericamente, um concerto em prejuízo alheio, é que releva o acerto da exigência legal de que, para valer contra terceiros, deve a cessão do exercício do usufruto provar-se documentalmente, por instrumento registrado”. (loc. cit.)
 
Eventualmente tal registro poderia merecer guarida no registro de títulos e documentos, já  que encerra negócio de nítido conteúdo obrigacional e, fiado na tese dominante no Eg. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, nada sugere que possa merecer o ingresso no registro predial, mormente em um sistema que se reputa de numerus clausus, com elenco exaustivo dos fatos inscritíveis do artigo 167 da Lei 6015/73. Desnecessário sublinhar que a cessão do exercício do usufruto não está ali expressamente prevista.
 
Afirma-se, correntemente, que o direito real de usufruto é efetivamente o exercício de usufruto, confundindo o próprio direito real com os efeitos jurídicos que dele decorrem. Mas não é assim. O direito real de usufruto não admite a sucessividade – o que é garantia do nu-proprietário que tem a expectativa de conglomerar as faculdades de domínio no caso de extinção daquele. Admitir-se a sucessividade no próprio direito de usufruto seria sancionar a cisão da nua propriedade e usufruto indefinidamente, o que seria outra coisa que não propriamente o direito real de usufruto consubstanciado pelo espartilho legal pátrio.
 
Enfim, o cessionário tem unicamente garantido o gozo das vantagens, utilidades e faculdades que integram o objeto da fruição – para o que se lhe garante um direito eminentemente pessoal contra o cedente. Por essa razão, não se tem admitido o registro dessa cessão.
 
O mesmo Ademar Fioranelli pontifica que “é necessário enfatizar, mais uma vez, que o exercício do usufruto, que se não confunde com o direito real propriamente dito, é insusceptível de ingressar no registro imobiliário, por ser mera faculdade de perceber as vantagens e frutos da coisa, sobre sua utilização etc., relação apenas dentro do campo obrigacional” (Direito registral imobiliário, Porto Alegre : safE/Irib, 2001, p. 425). Ora, acrescentaríamos que seria vedado igualmente o eventual acesso de mandado de registro de penhora, mesmo quando se argumente que o direito real de usufruto é efetivamente o exercício de usufruto, de modo a legitimar o ingresso de tal título no registro.
 
O registrador paulistano elenca farta jurisprudência que me permito colacionar: RDI 12/110, RDI 11/132, RDI 12/110, RDI 13/83, RDI 16/134, além da RT 649/104
 
Conclusões
 
a)   Eventual título judicial de mandado de registro de penhora de direito real de usufruto não merece ingresso, salvo melhor juízo. O fundamento legal para se impedir o acesso repousa na clara disposição do artigo 1.393 do NCC em conexão com o 649, I, do CPC.
 
b)   O artigo 649, I, do CPC elenca como expressamente impenhorável o bem inalienável. Consabido que da inalienabilidade resulta a impenhorabilidade. Logo, o direito real de usufruto é impenhorável;
 
c)   Sendo absolutamente impenhorável o direito real de usufruto, o registro que se fizesse da penhora seria irremediavelmente contaminado com tal nulidade;
 
d)   Admite-se, única e tão-somente, que apenas o exercício do usufruto pode ser objeto de penhora, desde que tenha expressão econômica. A penhora recairá sobre a faculdade de perceber as vantagens e frutos da coisa, sobre a sua utilidade em suma. Mas esta cessão não tem acesso ao registro predial;
 
e)   Não merece ingresso tal cessão, que encerra negócio de nítido conteúdo obrigacional. O elenco do artigo 167 da Lei 6.015/73 é exaustivo e não comporta a cessão do exercício do usufruto como fato inscritível.
 
* Sérgio Jacomino é o 5 registrador predial de SP. Artigo publicado originalmente no Boletim Eletrônico do IRB n. 616, de 3.2.2003.