Gratuidades e o tubaronato açulado

A contínua e articulada agressão que estamos sofrendo com as gratuidades plenárias, decretadas por amplos setores do mercado, da sociedade “organizada” e da administração, é um misto de ingenuidade, ideologia neo-rousseauniana, maldade, pequenez periférica, meio de vida, corrupção e o butim de tubarões da política. E o tubaronato anda açulado ultimamente.

Estamos vivendo um momento de exasperação populista. Tudo é show. Todos estão jogando com as media. O simulacro das políticas sociais é a bolsa-propaganda que apanha a sociedade como refém alistando-a como fiadora das políticas paternalistas.

A gratuidade é uma farsa. Para não fugir ao debate instaurado entre boas almas, suspeito que paradoxalmente foi a gratuidade que acabou salvando o registro civil. Uma bomba sobre o Japão / Fez nascer o Japão da paz

Fosse de outra maneira e os registros civis ainda estariam à míngua, como sempre estiveram – e muito mais estiveram, como se sabe, antes da malsinada gratuidade. É que agora, além de cobrarem por todos os atos praticados – faturam até pela prática de atos que ninguém, em sã consciência, admitiria que fossem cobrados.

Hoje desfraldam gostosamente a bandeira populista da gratuidade; não afrontam ordens judiciais estapafúrdias, não invectivam com os ignorantes de todas as latitudes, não arrostam as potestades administrativas… simplesmente riem com as burras resguardadas. Muito justo, muito justo. Uma só perguntinha calharia: quem paga a conta?

Outro mito é que as gratuidades podem ser resolvidas pela articulação das especialidades. Especialidades, para quem não está familiarizado com o jargão nota-registral, são as atividades singularizadas na forma prevista no art. 5 da Lei 8.935/1994.

Não vejo saída fora da especialização. É ingênuo imaginar que estejamos no mesmo barco. Jamais estivemos. Salvo quando navegávamos acomodados nos apertados porões na nau-escrivã, que nos tinha a todos, cristãos e mouros, arrolados na Santa Igreja Judiciária.

Os tempos são outros. A Lei 8935/94 apartou as legiões tabelioas. Não se trata de um individualismo mesquinho. É preciso coragem para dizer que as atividades se especializaram e encontrar, nesse novo cenário que se desenha, o lugar que cabe a cada um.

É certo que vão faltar cadeiras. É bem possível. Ou quem sabe estejamos jogando com as pessoas erradas, com a tribo errada; haverá uma outra cadeira, noutro lugar, noutro tempo… sei lá! falo especificamente dos ornitorrincos da atividade.

Podemos nos apoiar; mas só quando possível. Haverá situações em que isso não será mesmo possível.

A Pérfida Nau Capitã traz o signo da discórdia por tentar fundear a sua nave em mar de procela. Falta-lhe uma sólida base. A sua história se conta assim: uma távola que se fez obtusa. “Um contra todos, todos contra um”, é seu lema transvertido. Tudo vai depender de quem capturou a nau corsária. Política é o fim.

A gratuidade é o nó górdio da atividade. Por outra: é a tradução aterradora da esfinge: decifra-me ou te devoro!

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Estava respondendo a uma círculo estrito de colegas, quando eclodiu o PL 177/2007. É uma peça triste. Plena de significados.

Calha publicar a carta de Reinaldo Velloso, abaixo, para que o internauta que aqui calhar possa acompanhar um dos lados dessa moeda.

Campinas, 4 de abril de 2007.

Excelentíssimo Senhor Deputado Jonas Donizetti:

ref.: PL 177/2007

Sirvo-me da presente para levar ao conhecimento de Vossa Excelência algumas ponderações acerca do Projeto de Lei supra mencionado:

A elaboração da Lei Estadual 11.331/2002 decorreu de amplos e profundos estudos realizados pela Comissão instituída pelo Decreto nº 45.815, de 23 de maio de 2001, a qual foi instalada junto ao Gabinete do Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania e incluiu representantes da Secretaria da Justiça, da Secretaria da Fazenda, da Assessoria Técnico-Legislativa da Casa Civil, da Procuradoria Geral do Estado e da Carteira de Previdência das Serventias Não Oficializadas do Ipesp. Participaram ainda membros do Poder Judiciário e do Poder Legislativo Estadual, além de representantes das entidades de notários e registradores.

A proposta de Vossa Excelência para alteração da referida lei é baseada na suposta distorção no valor dos emolumentos cobrados. Referida distorção decorreria do grande volume de reclamações feitas pela população de que os preços estão muito caros, especialmente para os mais pobres. Além disso, que a receita teria crescido a uma taxa de 10,06% ao ano superior aos outros segmentos de mercado.

Com o devido respeito a Vossa Excelência, penso que não existe distorção nos valores dos emolumentos.

Apenas a título de comparação, enquanto uma segunda via de certidão de nascimento tem o custo de R$ 17,03 (existindo ainda a gratuidade para as pessoas declaradas pobres) e uma certidão positiva de protesto tem o custo de R$ 6,85, o cidadão paga taxa de R$ 125,23 pela renovação de uma CNH; R$ 21,35 pela segunda via do RG; R$ 124,23 pela renovação do RNE (documento de identidade de estrangeiro); R$ 5,50 para emissão de CPF; e R$ 89,71 por um passaporte.

E mais: para excluir o nome do CCF (cadastro de emitentes de cheque sem fundo), o custo é de R$ 30,82 por cheque (no Banco Bradesco); enquanto o valor total pago no tabelionato de protesto na liquidação de um cheque de R$ 70,00 é de R$ 8,94.

Em relação à aquisição de imóveis, o custo de uma escritura para um imóvel de R$ 10.000,00 é de R$ 342,60, enquanto a taxa de expediente cobrada pelos bancos para o instrumento particular com força de escritura pública, na hipótese de financiamento, é de R$ 400,00; caso o comprador pretenda adquirir com os recursos do FGTS, a taxa sobe para R$ 1.300,00.

Quanto ao valor cobrado pelo Registro de Imóveis, o registro da aquisição de um apartamento de R$ 40.000,00 é de R$ 535,60; ao passo que o seguro de um veículo Celta 1.0 avaliado em R$ 25.000,00 é de aproximadamente R$ 1.500,00. E, diferentemente do registro, o seguro precisa ser anualmente renovado.

Deve ser destacado que todos os valores mencionados incluem as taxas e contribuições ao Estado, Tribunal de Justiça, Ipesp, Registro Civil e Santas Casas de Misericórdia, que representam aproximadamente 40% do total.

Para a população carente os serviços geralmente utilizados são os de Registro Civil, procuração para fins previdenciários, escritura de separação, divórcio, inventário e registro de sentença de usucapião coletivo em regularização fundiária, cuja gratuidade é assegurada aos reconhecidamente pobres. Esporadicamente o cidadão realiza um reconhecimento de firma ou uma autenticação de cópia.

Desta forma, sempre que houver alguma reclamação de um eleitor dando conta de que os preços estão muito caros, seria interessante esclarecê-lo de tudo o que foi acima relatado.

Quanto à matéria publicada no Jornal Valor Econômico referida por Vossa Excelência, destaco que parece conter incorreções em alguns aspectos.

Pelo balanço do Estado de 2005, disponível em http://www.fazenda.sp.gov.br/balanco/2005/2005/D1113.pdf, verifiquei que o valor arrecadado ao Estado foi de R$ 349.320.755,89.

E, como o artigo 19, I, da Lei 11.331/02, define que do total pago pelo usuário, 62,5% (sessenta e dois inteiros e meio por cento) são receitas dos notários e registradores e 17,763160% (dezessete inteiros, setecentos e sessenta e três mil, cento e sessenta centésimos de milésimos percentuais) são receita do Estado, em decorrência do processamento da arrecadação e respectiva fiscalização; conclui-se que a receita estimada no referido ano foi de R$ 1.229.091.402,83 e não de R$ 1,892 bilhão, como afirmou o jornalista.

Assim, ao que tudo indica, o jornalista incluiu no cálculo as taxas e contribuições repassados ao Estado, ao Ipesp, ao Registro Civil e às Santas Casas, excluindo apenas a taxa ao Tribunal de Justiça.

Aliás, pode-se verificar no mesmo Balanço Geral que no referido ano foi arrecadado apenas com as taxas de serviço de trânsito o montante de R$ 1.091.972.361,20.

Ou seja, a receita gerada com as taxas de serviço de trânsito, como registro e transferência de veículos e emissão de carteiras de habilitação (sem incluir o valor do exame médico e psicológico) está muito próxima do valor auferido a título de emolumentos por todos os notários e registradores do Estado.

E, não obstante a receita seja similar, não se pode comparar a estrutura existente para o atendimento à população nos serviços de trânsito (Detran e Ciretran) com a ampla rede de atendimento dos serviços notariais e de registro. Ressalte-se, ainda, que considerável parcela da população depende dos transportes coletivos, não usufruindo, portanto, dos serviços de trânsito. Já os serviços notariais e de registro são, como afirmado por Vossa Excelência, utilizados pela população em geral.

Por fim, resta analisar a taxa de crescimento da receita dos cartórios em percentual que seria superior aos outros segmentos do mercado.

Primeiramente, deve-se destacar que os emolumentos são reajustados anualmente de acordo com a variação da Ufesp, que acompanha os índices de inflação. Além disso, o aquecimento da economia e o crescimento do Produto Interno Bruto refletem também no movimento dos serviços notariais e de registro.

Ademais, a receita dos tabelionatos de notas e registros de imóveis está diretamente vinculada ao setor da construção civil, cujo crescimento tem superado os demais setores da economia.

Há de se destacar, ainda, que os emolumentos dos atos de reconhecimento de firma e autenticação foram revistos pelo termo de acordo de realinhamento firmado pelo Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania, publicado no Diário Oficial 27 de dezembro de 2004, que está em vigor desde o início do ano de 2005.

Outro aspecto fundamental não relatado por jornalista foram as implicações da gratuidade do protesto, com a eliminação do depósito prévio, vigente desde meados de 2001.

Com efeito, para os títulos não quitados no tríduo, os emolumentos pelo protesto são pagos no ato de eventual cancelamento. Como muitos cancelamentos são feitos até cinco anos depois da lavratura do ato, em 2003 a receita proveniente dos cancelamentos abrangia apenas os protestos de dois anos; só em 2006 é que referida receita passou a abranger o período de cinco anos.

De todo o exposto, conclui-se que a matéria publicada não considerou tais relevantes aspectos. Dessa forma, coloco-me à inteira disposição de Vossa Excelência e de todos aqueles que têm reclamado de que os preços estão muito caros, para esclarecer sobre o funcionamento dos serviços notariais e de registro e os fatores considerados para a fixação dos emolumentos.

Sem mais, subscrevo.

Atenciosamente,

REINALDO VELLOSO DOS SANTOS – 3º Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Campinas

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