Fundamentalismo e abulia nos mercados

Há algo de estranho na República de Portugal. Depois de uma tumultuada conversão do notariado lusitano ao regime de delegação ao particular do serviço público notarial, o atual governo vem de alvejar o modelo de uma maneira inclemente.
Passamos de um estatismo retrógrado e ineficiente a uma situação de selvagem disputa num mercado que, para eles, os notários, não passa de uma ambiência hostil a provar-lhes a aptidão de sobrevivência e evolução – ou a pura extinção…
Para o atual governo, quem sabe a natureza não cure a sociedade desse ressaibo medieval?
Vejamos como os próprios notários portugueses percebem a notícia.###
Notários devem cobrar os preços que entenderem…
A entrada no mercado dos notários deve ser feita sem concurso público e sem estar sujeita à lógica dos “numerus clausus”. Além disso, cada notário deve poder praticar os preços que bem entender.

Estas são apenas três das oito recomendações que a Autoridade da Concorrência (AdC) apresentou ao Governo tendo em vista uma maior concorrência no sector.

A entrada no mercado dos notários deve ser feita sem concurso público e sem estar sujeita à lógica dos “numerus clausus”.

Além disso, cada notário deve poder praticar os preços que bem entender. Estas são apenas três das oito recomendações que a Autoridade da Concorrência (AdC) apresentou ao Governo tendo em vista uma maior concorrência no sector.

Em comunicado, a AdC recomenda que se proceda “à liberalização dos preços dos serviços prestados por notários privados”, como forma de melhorar a “eficiência produtiva” e beneficiar os consumidores. Além disso, a autoridade sugere que se elimine o “princípio do ‘numerus clausus'” no acesso à profissão, desapareçam os concursos públicos, acabem os licenciamentos obrigatórios dos cartórios notariais, seja possível existir rotatividade entre os colaboradores dos diversos notários, acabe o fundo de compensação sustentado por contribuições obrigatórias dos notários e que a publicidade passe a ser considerada um meio legítimo para cada notário divulgar a sua actividade e o seu “preçário”.
As recomendações da instituição presidida por Abel Mateus surgem depois de uma análise ao sector, na sequência da aprovação da privatização da actividade notarial em 2004. Tendo em conta a abrangência das sugestões, a AdC propõe que elas sejam concretizadas de forma faseada.

Carlos Filipe Mendonça (carlosmendonca@mediafin.pt) do Jornal de Negócios on line.

Concursos e hereditariedade

Em 1887 (note, não a antevéspera da Constituição Periódica de 1988!) a Princesa Regente, aquela mesma que tinha uma noção inesperadamente moderna da questão escravagista, baixava um decreto que honra a sua memória.

Trata-se de um decreto que regula o concurso público para notários e registradores.

Já anteriormente (Decreto 9420, de 28 de Abril de 1885, art. 1) o concurso era expressamente previsto. O decreto que ora veiculo reitera uma prática reputada como salutar.

Esse assunto retomo em virtude de uma campanha estúpida que visa a desacreditar a trajetória multissecular das atividades notariais e registrais no cenário jurídico do país.

A não-realização dos concursos se deve a outros fatores e caberia, mesmo sem a alteração na Constituição Periódica de 1988, responsabilização pelo não cumprimento de sua regra.

Como diria meu Mestre, vamos aos clássicos!

DECRETO N. 3322 – de 14 de julho de 1887

Determina que os officios de Justiça sejam providos nas Provincias pelos respectivos Presidentes mediante concurso.
A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Ha por bem Sanccionar e Mandar que se execute a Resolução seguinte da Assembléa Geral:

Art. 1º Serão providos nas Provincias pelos respectivos Presidentes, mediante concurso, segundo a legislação em vigor mas restringidos os prazos á metade, os officios:

§ 1º De Tabelliães do publico, judicial e notas, Escrivão de orphãos, dos Feitos da Fazenda, do Jury, execuções criminaes e da Provedoria;

§ 2º De officiaes do registro de hypothecas nos logares em que por decreto for creada a serventia privativa, segundo a respectiva legislação;

§ 3º De Contadores, Distribuidores, Partidores, Avaliadores e Porteiro dos Auditorios.

Art. 2º Serão igualmente nomeados pelos mesmos Presidentes os Promotores e Solicitadores de Capellas e Residuos os Curadores Geraes de orphãos e ausentes, e Depositarios publicos.

Art. 3º Ficam revogadas as disposições em contrario.

Samuel Wallace Mac-Dowell, do Conselho do mesmo Augusto Senhor, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Justiça, assim o tenha entendido e faça executar.

Palacio do Rio de Janeiro em 14 de Julho de 1887, 66º da Independencia e do Imperio.

PRINCEZA IMPERIAL REGENTE.
Samuel Wallace Mac-Dowell.
Chancellaria-mór do Imperio. – Samuel Wallace Mac-Dowell.

Transitou em 15 de Julho de 1887. – José Julio de Albuquerque Barros. – Registrado.

PEC 471 e a lanterna dos afogados

“Uma noite longa para uma vida curta” diz o refrão da conhecida canção. Os interinos sofrem com a inação dos tribunais de justiça de todo o país que não realizaram pontualmente, como deveriam e exige desde sempre a Constituição Federal de 1988, os malfadados concursos para provimento das praças vagas. Vivem uma longa noite de insegurança e sobressaltos, aguardando as novas do dia que ainda tarda.
Essa PEC 471 mexeu num verdadeiro vespeiro. Trouxe à tona os moscardos dos carreirismo jurídico e pôs à mostra a irresponsabilidade não cominada da Admistração que não curou do interesse público mantendo indefinidamente essa situação precária.

Mas, o que fazer?

O Correio Braziliense toca na ferida, como se lê logo abaixo.

O repórte não disfarça o vezo de considerar os cartórios um butim de luxo, uma prebenda medieval, uma veniaga colonial – quando se sabe (e o CNJ haverá definitivamente de apurar) que há cartórios miseráveis que sobrevivem a duras penas para manter as portas abertas. E o fazem, muitas vezes, dando seguimento a uma tradição familiar. Nesses casos a “hereditariedade” não passa de um processo de continuidade natural, homólogo ao que se verifica, em diferentes graus, nas demais profissões e bastaria a indicação da advocacia para ficarmos na corporação mais próxima da atividade dos notários, por exemplo.

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O populismo é um vírus

Uma interessante entrevista com a Dra. Glória Braga, superintendente do Ecad, publicada no Conjur de 11 de novembro de 2007, ilumina, indiretamente, o preconceito aninhado nos corações e mentes palacianos.

Pode-se não concordar com as famigeradas políticas do ECAD. Nisso não me meto. Mas não deixam de ser bem interessantes as conclusões da delegada autoral.

Pergunta a atenta jornalista Marina Ito: “Mas, em um casamento, em que os convidados não vão pela música e também não pagam ingresso? Por que a cobrança nesse tipo de evento?” A lépida superintendente atalha: “As pessoas que vão a um casamento também não vão pela flor. Mas a flor não está no casamento de graça. A música faz parte da festa”. E arremata: “Você tem uma série de outros bens que são pagos: comida, bebida, decoração, vestido da noiva e até o padre”.

Não foi por acaso que deixou de assinalar o cartório – instituição tão assídua nessas cerimônias quanto o padre e as flores. É que os serviços registrais não são pagos. Ou melhor: não são pagos por quem poderia e deveria. é que são pagos por outros, fato que em certa medida remedia a situação dos profissionais que atuam no setor, mas penaliza os usuários que necessitam de outros serviços notariais ou registrais (para quem não sabe, de cada R$ 1,00 pago para o registro da sua casa 5% se destina ao custeio do registro civil).

A União Européia há muito resolveu que isso é simplesmente tributação arrevesada e, portanto, condenada pelo tribunal comunitário.

Enquanto isso, nestes tristes trópicos, continuamos atolados em políticas paternalistas e abobalhados por um populismo resistente como uma cepa de vírus indestrutível.

Você viu? Nem eu!

V. já ouviu falar do princípio da obnubilação?
Nossa categoria profissional navega no conforto de princípios. Manejamos um conjunto robusto de alguns poucos, verdadeiramente substanciais, que foram sendo desvelados pela reiterada, decidida e determinada prospecção de nossos maiores.
Mas hoje parecemos desbordar os justos limites e abismamos num principialismo ideológico, de ocasião.
Em toda a parte se vê a cauda diábola.
Pousemos nossos olhos na corporação, por exemplo. Para o assalto higiênico da representação corporativa vale tudo, pois os fins justificam os meios. O lema parece ser: dissimulados venceremos! Nem que para isso seja necessário cobrir com nuvem, escurecer, obscurecer – obnubilar – as estratégias para justificar a empresa cavilosa.
(Este registro eletrônico é uma pobre emulação dos registros tradicionais, pensados e concebidos no início do século passado para provar a datação real).