No dia 17 de junho de 1996 estreava na Internet a página web do Segundo Registro Imobiliário de Franca, cartório que então se achava sob minha responsabilidade. [vide fac-similiar da página].
Àquela altura atuava como interino. Desde os primórdios da Internet no Brasil fui um entusiasta. Um internauta maravilhado com o contato imediato proporcionado por aquela ponte virtual que se lançava sobre o mar de informação.
Aprendendo a conjugar o verbo corujar…
Tocava-me a curiosidade infantil que ainda sobrevivia bravamente nas lembranças do menino radioamador, formado pela ensinança interessada do tio policial e dublê de ator e pelas andanças curiosas na Santa Ifigênia, a velha Rua Santa Ifigênia.
Ah… como me lembro da sintonia escrupulosa, manejando os knobs de baquelite modulando o foco na frequência perfeita. A linguagem telegráfica me atravessava a alma como um signo cifrado – mistérios iniciáticos! – na audição corujada nas longas noites chuvosas de Santana.
Os pingos d´água tamborilavam uma harmonia complexa no telhado e a estática irrompia estrepitosamente no falante do velho transceptor valvular. Jamais me esquecerei das audições noturnas da BBC de Londres captadas pelo Mitsubishi 8 pendurado no arame espiralado no centro da sala. Puxa… Dona Amélia sempre lançava um olhar desconfiado àquela parafernália de antenas e transístores.
Muito tempo depois, já em Franca, lembro-me da primeira vez que, a bordo de um legítimo NetScape parti rumo ao desconhecido. Aquela criança curiosa do rádio sobrevivia intensa: postei-me diante do magnífico portal de entrada onde se lia – Compuserve – e me lancei a um mar de informações.
BBS-Registral
A verdade é que já havia algum tempo tentava prestar serviços por meio de um sistema BBS (bulletin board system). O chiado, a conexão sofrível que custava a se estabelecer, as letrinhas coloridas que se projetavam na retina aberta para um outro mundo, tudo isso me fazia sentir um pioneiro em terra ignota.
Havia adquirido em São Paulo um sistema que logo tratava de instalar no segundo andar do velho barracão onde se achava o Segundo Registro de Imóveis da Comarca de Franca. O Corregedor-Permanente era um entusiasta da ideia e lamentava que houvesse “sujeira na linha“. Quantas gargalhadas demos – eu e Elcio Trujillo – ao saber que a tal sujeira na linha era uma espécie de mito francano criado dos primórdios da Net. Pretendíamos criar um canal de pedidos de certidão. Em Franca. Em 1996. Na verdade criamos! O fato de nunca ter podido atender a um só pedido verdadeiro, isso já é uma outra história…
O velho tabelião da comarca visitava esporadicamente o BBS-Registral e postava suas mensagens edificantes. De meu lado, morando num hotel, acessava o cartório remotamente e travava um solilóquio eletrônico onde confidenciava a mim mesmo os temores, angústias, esperanças e alegrias à espera da hora dramática do concurso e da remoção. Escrevi algo sobre aquela experiência primordial aqui: BBS-Registral – o ancestral dos cartórios na Net.
Tão logo ultrapassei os limites do portal da BBS-Registral, pus-me a criar uma Página Web para o cartório. A data ficou registrada na folha eletrônica original: 17 de junho de 1996. É certo que, um pouco antes, havia a experiência realizada num provedor de Limeira de que não há agora vestígio algum.
A Folha de São Paulo, na sua edição de 13 de novembro de 1996 registrava: “o tabelião Sérgio Jacomino, do 2° Registro de Imóveis e Anexos de Franca (SP), um dos primeiros da América Latina a ter uma home page, defende a importância da Internet nas atividades registrais”. Debatíamos a Lei 8.935, de 1994, no Hotel Transamérica, em São Paulo.
O Jornal da Tarde de 8 de dezembro do mesmo ano anotava “Já Sérgio jacomino (…) coloca à disposição dos usuários um serviço inédito via Internet. Segundo ele, o consumidor pode solicitar uma certidão de casa ou do escritório e receber o documento registrado pelo correio. ‘Estamos a serviço da cidadania’, enfatiza Jacomino.”(Jornal da Tarde de domingo, 8/12/96).
Havíamos sido recomendados pelo site Internet.br. O selo figurava na primeira página do site. Além disso, conforme nos afiança Pedro Giovani, havíamos conquistado o prêmio de melhor site de cartórios no antigo iBest Portal, depois comprado pela Brasil Telecom. Suspeito que abiscoitamos o prêmio de “melhor cartório” porque provavelmente não havia outros da mesma categoria…
No site www.registral.com.br/ eu registrava:
“as modernas transformações nos serviços notariais e registrais brasileiros devem ser objeto de reflexões não só da categoria, mas este tema deve irradiar-se para alcançar a sociedade como um todo, já que os serviço notariais e registrais brasileiros são essenciais à cidadania. “.
Terei sido o primeiro registrador na Internet? Acho que sim. Bem, milita aqui uma presunção iuris tantum a meu favor!
IRIB e AnoregSP – sites corporativos
No ano de 1997, precisamente no dia 4 de julho, faríamos o registro do site na Fapesp. O site havia sido criado e desenhado por mim – àquela altura um dublê de registrador e web designer, como se diria muito tempo depois. Lembro-me da excitação à bordo do Front Page da Microsoft. A página, bastante modesta [veja ela aqui], ficou no ar por longos anos até que a querida amiga e saudosa Maira Brigliadori o remodelou completamente e lhe deu novas funcionalidades.
O mesmo ocorreu com o site da AnoregSP.
das entidades maiores de São Paulo: Irib e AnoregSP. Parece ter ocorrido a estréia ainda na gestão de Bernardo Francez, à frente da AnoregSP, já que o colega Ary J. de Lima assumiria somente a partir de janeiro de 1998.
Aqui também fomos pioneiros. A nenhuma das entidades representativas de notários e registradores ocorrera, àquela altura, lançar-se na Internet. Fomos os pioneiros.
Deixem-me que lhes diga uma coisa importante: fundamental para levar à Internet os serviços prestados pela AnoregSP foi a decisiva adesão da jornalista Fátima Rodrigo, igualmente uma entusiasta da ideia. A ela fazíamos referência na página Registral nos primórdios de 1998. Editora e superintendente da Anoreg, decidia com acerto as grandes transformações da associação.
Pelo lado do Irib, a entidade deve contabilizar o feito ao nosso Presidente Lincoln Bueno Alves, um dos mais ativos e sábios presidentes do Irib – disso dou um testemunho pessoal. Decidiu não só a criação do site, como impulsionou a trajetória editorial do Instituto com sintonia fina posta nos anseios dos nossos colegas. Sobre a atuação de Lincoln Buenos Alves um dia haverei de escrever com maior detimento.
Urbi et orbi
Um capítulo à parte seria o BE-Irib, depois BE-Irib-AnoregSP. Aliás, no mesmo ano de 1998 (em 8 de setembro) as associações firmariam um convênio de cooperação que se estenderia até muito recentemente.
O BE nasceu no final de 1998. A data está registrada: 16 de outubro de 1998. No ano que vem vamos comemorar o primeiro decênio. Lembro-me exatamente de onde lançava as sementes eletrônicas: do escritório localizado no 12º andar do Edifício ACIF, em Franca. Entre livros de arte, música e direito, viveria um período fértil de Justiça, Amor & Arte. Esse era o dístico postado na entrada da biblioteca Medicina Animæ.
Gostaria de poder escrever essa história. Recuperar os dados originais. Apostilar a iconografia que se perde nas brumas de elétrons.
Sinto-me partícipe de um grande movimento que leva os cartórios, inexoravelmente, à economia digital. Deu-me a Providência a chance de contribuir, com meus minguados recursos, para que esse movimento se iniciasse na década de 90 e não mais se interrompesse.
Hoje estamos experimentando a expedição de certidões eletrônicas. Grande salto!
Volto em breve com maiores e melhores dados. Vale a pena conhecer a história!
(a rememoração se deu em virtude da visita ao Web Archive).