Protocollum – addendum

Johann-Beckmann

Calha ainda recolher algumas informações úteis (curiosas mesmo) sobre as especulações que podem ser feitas a respeito da Nov. XLIV, II, especialmente sobre as razões que motivaram o Imperador Justiniano a baixar a dita Constituição.

São muito interessantes as observações lançadas pelo erudito alemão Johann Beckmann, antigo professor de economia na Universidade de Göttingen, em livro lançado em Leipzig no ano de 1784 (Beiträge zur Geschichte der Erfindungen. Leipzig: Verlage Paul Gotthelf Kummer, 1784, 640p. ) a respeito do stempelpapier (p. 302 et seq.).

O livro acabou sendo vertido para o inglês por William Johnston e lançado em Londres. Tenho em mãos a 3ª ed. (BECKMANN, Johann. JOHNSTON. William, trad. A history of inventions and discoveries. Vol. I., 3ª ed. London: Longman, Hurst etc., 1817, 548p.).

A importância destas notas reside no fato de que Beckmann chegará à conclusão de que as disposições justinianéias teriam em mira tão somente reprimir e prevenir a ocorrência de fraudes – this regulation [refere-se à Constituição] was established merely with a view to prevent the forging and altering of acts or deeds”. (op. cit. p. 378).

Embora conclua desta maneira, faz referência a um outro autor – “Basville ou Baville” – a quem não conheceu, nem leu diretamente. Na verdade, trata-se de Nicolas de Lamoignon de Basville, advogado, magistrado e intendente de Languedoc, que publicou, em 1734, em Marselha (ou Amsterdam?) o Mémoires pour servir à l’histoire du Languedoc.

Beckmann dirá que Basville teria sustentado a idéia de que a Constituição justinianéia poderia ser considerada o exemplo precursor da obrigatoriedade do uso do stempelpapier, papel selado, não exclusivamente para fins de segurança jurídica, mas com nítidas finalidades arrecadatórias. Diz, ainda, que não pôde consultar diretamente o livro de Basville mas suas idéias são compartilhadas por outro autor francês, Antoine Gaspard Boucher d’Argis, em suasVarietés historiques, physics et litteraires ou recherches d´un sçavant (Paris: Nyon fills, Guillyn, 1752, Tomo I, 1ª parte – Dissertation sur l´origine du papier & parchemin timbré etc. p. 247 et. seq.

A respeito de Basville, diz:

De Basville or Baville, however, in his Mémoires pour servir à l´histoire de Languedoc, affirms that stamped paper was introduced so early as the year 537, by the emperor Justinian.

I have never seen it [o livro original de Basville]; but I know the author´s ideas respecting stamped paper, from an extract in Varietés historiques, physics et litteraires printed in Paris in the year 1752. The author of this work supports the opinion of his countryman: but it is undoubtedly false. (op. cit. p. 377).

O excerto de Boucher d’Argis sustenta que a formalidade do papel timbrado é muito antiga. E segue:

Efetivamente, o imperador Justiniano, em razão do grande número de atos que os tabeliães de Constantinopla recebiam diariamente e desejando se prevenir contra certos atos falsos, pela Constituição XLIV, publicada no ano 537, seguindo os Confulários 2 (a) ordenou que os tabeliães somente pudessem receber os originais dos atos de seu mister com um papel no cabeçalho (o chamado Protocolo) no qual constasse o nome do Intendente das Finanças que estaria no local ao tempo em que teria sido fabricado o papel e as outras coisas que se tivesse o costume de inserir no cabeçalho destes papéis destinados à escrita dos Atos Originais que recebiam os tabeliães de Constantinopla, o que se chamava frequentemente a glosa e os intérpretes imbreviaturam totius contractus. É dizer, um título que anunciava concisamente a qualidade e substância do ato.

Por esta mesma Ordem, o Imperador também impedia os tabeliães de Constantinopla de cortarem estas marcas e títulos que deveriam constar no cabeçalho de seus atos e impedia os juízes de considerarem atos escritos sobre papé

Johann-Beckmann
Johann Beckmann

is que não contivessem estas mesmas marcas, títulos ou protocolos que neles estivessem escritos.

Esta origem dos papéis e pergaminhos timbrados foi ressaltada por M. de Bâville, Intendente do Languedoc, nas Memórias (a) que ele preparou para a história desta província, na qual, ao tratar do domínio, ele afirma que como há duas Generalidades (b) no Languedoc há também duas divisões do domínio. Uma para a Generalidade de Tolouse, outra para a Gereralidade de Montpellier, e que nessas divisões havia o papel timbrado, as fórmulas e o controle. Ademais, sobre este assunto ele revela que o papel timbrado não era desconhecido entre os Romanos, já que víamos na Ordem 44, que eles possuíam uma espécie particular de papel para escritura dos Originais dos Atos dos notários, os quais levavam a marca que o Intendente de Finanças quisesse neles fazer constar e a data em que esta teria sido feita.

A formalidade do papel era já de certa utilidade entre os Romanos, porque os títulos, datas e outras marcas que deveriam constar no cabeçalho do papel destinado à escritura dos Atos Originais dos tabeliães de Constantinopla eram uma espécie de timbre com a mesma finalidade que estes elaborados hoje na França e em outros vários países.

2º No entanto, é verdade que, excetuando-se a cidade de Constantinopla, na qual esta formalidade estava estabelecida, e para os Atos dos tabeliães, os Gregos, os Romanos, e outras nações não se serviam praticamente de papel e pergaminho timbrado. Não havia então nenhuma outra marca sobre os Atos públicos que os distinguisse das escritas privadas, pois os Gregos e os Romanos não tinham selos públicos, mas somente selos particulares, ou simples adereços aos atos, em lugar de assinaturas, como se faz há muito tempo em diversos países e mesmo anteriormente em França (já que havia poucas pessoas que soubessem escrever). Os citados selos particulares não guardavam qualquer relação com os timbres de que falamos. (Varietés historiques, physiques et litteraires ou recherches d´um sçavant, contenant plusieurs curieuses & interessantes. Tome Premier. Premiere Partie. Paris: Chez Nyon Fils a l´Occasion. Guilly, au Lis d´or, du côté du Pont S. Michel. M. DCC. LII; p.p. 247-253).

Seja como for, o papel selado – e suas inúmeras variações, como os selos de autenticidade, o papel de segurança, os certificados digitais etc. – servindo meramente para fins arrecadatórios e sempre justificado como medida preventiva de fraudes, é uma idéia que fez fortuna.

Estes papéis, que passaram a ser largamente utilizados para a contratação privada, para a lavratura de escrituras públicas, de atos judiciais etc., sob o pálio de lhes conferir autenticidade, na verdade podem ser considerados um desses inúmeros expedientes de que lançam mão os Estados (ou o que é pior: seus governantes) para fins de arrecadação:

Paper stamped with a certain mark by Government, and which in many countries must be used for all judicial acts, public deeds, and private contracts, in order to give them validity, is one of those numerous modes of taxation invented after other means of raising money for the service of states, or rather of their rulers, became exhausted (op. cit. p. 376).

É bom lembrar que estamos falando de autores que escreveram no final do século XVIII.

Não se confundam, portanto, à vista de seus nítidos traços históricos que apresentam, a fé pública notarial e registral e os selos e papéis timbrados que servem, como se viu, para outras finalidades.

Volto ao assunto.