Um certo país da África

Grandville - O Burro

O artigo abaixo foi publicado em órgão que representa importante segmento profissional envolvido com a problemática imobiliária e da construção civil.

Recebi o texto meio a contragosto, enviado por um amigo que não integra a categoria de notários e registradores, mas acompanha com interesse o desenvolvimento de propostas para modernização dos serviços notariais e registrais brasileiros.

No e-mail enviado, havia o desafio para reptação dos argumentos expendidos pelo articulista.

Que artigo! E que articulista!

Numa síntese prá lá de apertada, simplesmente não deixou pedra sobre pedra que não tenha sido derribada… Sua volúpia destruidora não poupou o edifício da fé pública. Nem daqui, nem de certo “País da África”…

Fiquei aqui pensando não tanto no que o artigo expressa, como caudal irresistível de idéias inúteis, mas no que o seu cometimento lítero corporativo omite – ou tenta omitir: igualando-nos a certo “país da África”, deixa antever um sestroso preconceito cultural e racial, estabelecendo paralelos que não são lá muito lisongeiros. Nem com os habitantes de um certo “país da África”. Nem com nós outros, brasileiros.

É preciso responder, logo pensei, pois se há articulistas, há leitores, certo?

“Nem sempre, meu velho!” – assegura-me experiente amigo e editor. Encarregado de editar um hebdomadário dirigido a certa categoria profissional, afiança-me que seus assinantes não lêem os seus periódicos, embora o número de subscritores do jornal tenha aumentado a cada ano! “É mais um desses paradoxos”, sentencia, “como eunucos que não se procriam, mas se reproduzem”!

Continuar lendo

MP 459 – Emenda pior do que o soneto

GratuidadesPlenárias

Dei, aqui mesmo, uma pequena nota sobre a malsinada MP 459 e a emenda perpetrada inter femoris no plenário da Câmara. [espelho]

Agora a matéria está no Senado e deve ser votada no início da próxima semana.

Por acordo extraordinário dos líderes dos partidos, na triste votação, suprimiu-se a expressão “no âmbito do PMCMV”, contida no “caput” do art. 43, mantendo-na nos parágrafos.

A redação final é esta:

Art. 43. Não serão devidas custas e emolumentos referentes a escritura pública, quando esta for exigida, ao registro da alienação de imóvel e de correspondentes garantias reais, e aos demais atos relativos ao primeiro imóvel residencial adquirido ou financiado pelo beneficiário com renda familiar mensal até três salários mínimos.

Segundo dados do PNAD – IBGE (Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas, segundo as classes de rendimento de todos os trabalhos, em salários mínimos– Brasil – 2007) 80.4% da população brasileira poderão contar com o benefício.

PNAD (página 54)

Sem previsão de custeio, isto pode significar a inviabilização do Sistema Registral Brasileiro.

Apesar do cenário terrífico, é preciso reconhecer que agora a sociedade será obrigada a discutir seriamente o Registro que se quer para o país.

Se a lei for aplicada, não será possível postergar esta decisão e isto significa que não teremos que sobreviver por muito mais tempo na inanição cruel, padecendo com a sucessiva e irresponsável decretação de gratuidades sem o respectivo custeio.

“Se a lei for aplicada, bem entendido” – redargue Dr. Ermitânio Prado. “Alguns vão se aferrar a decisões judiciais, à legislação estadual, às praxes, aos costumes, a toda forma de sobrevivência. Alguns vão simplesmente ignorar a existência da lei e vão seguir lavrando capitulares nos pesados livros manuscritos de registro”.

E segue esbravejando:

“Alguns tribunais vão suspender a aplicação da lei – não porque os seus registradores e notários devam ser honestamente remunerados; decidirão em causa própria, pois vivem, cada vez mais, às custas dos emolumentos!”.

O Leão sempre se recorda da estatização argentina, onde os Registros foram estatizados para cobrir as despesas com a construção do Palácio da Justiça.

A história nos confirma e robora a estupidez da burocracia estatal: decretada a gratuidade do Registro Civil, o subregistro explodiu e o Governo, somente 3 anos após, seria obrigado a conceder formas de compensação.

“A solução disputa um lugar de honra na bestidade endêmica que assola esta província latina”, remorde o Leão.

Aproxima-se a hora da verdade. Se o Estado reconhece que deve garantir a gratuidade, deve estipendiar o serviço. Ou estatizar de vez a atividade.

Exemplos de comparação não faltam. O que talvez falte é decência e honestidade intelectual na discussão.